26/Jun/2025
Único caminho para que o mundo não entre em colapso climático, a transição energética não é só uma questão ambiental, ela envolve muitas outras camadas. Além do clima, mexe com modelos econômicos, cadeias produtivas e geopolítica. Diante de um cenário desafiador, o mundo precisa parar de aumentar as emissões de carbono, o que ainda não aconteceu. A avaliação é de Paulo Alvarenga, CEO da ThyssenKrupp para a América do Sul. Segue a entrevista:
O que torna a transição energética um desafio tão complexo?
Paulo Alvarenga: A transição energética tem muitas camadas. Ela não é só uma questão ambiental, mas também envolve crescimento econômico, acesso à energia e impactos geopolíticos. Energia e desenvolvimento sempre caminharam juntos. Se olharmos a história, desde a Revolução Industrial, quem teve energia abundante, como carvão na Inglaterra e na Alemanha, ou gás de xisto nos EUA mais recentemente, impulsionou seu desenvolvimento econômico. Por isso, a transição não é simples: mexe com modelos econômicos, cadeias produtivas, geopolítica e, claro, o clima.
Nesse contexto global, quando olhamos o cenário mundial, o que está acontecendo? Estamos realmente substituindo a matriz energética ou só adicionando novas fontes renováveis?
Paulo Alvarenga: Essa é uma pergunta muito pertinente e, de fato, complexa. Hoje, a ciência é inequívoca. Ela comprova com uma probabilidade de 99,99% que o carbono tem a ver com o aumento da temperatura. O que a gente vê é que o gás natural já é um combustível interessante para se falar de transição, porque ele, que também é uma fonte fóssil, emite menos do que o petróleo ou o carvão. Podemos dizer que, com o gás natural, já se começou a transição energética. Em uma possível escala virtual, e fazendo uma aproximação muito simples para um leigo entender, se você trocar uma fonte de carvão ou de petróleo pelo gás natural, a emissão de carbono2 será a metade. Mas o grande problema do carbono é o fator cumulativo.
A descarbonização da energia elétrica caminha melhor?
Paulo Alvarenga: A eletricidade vem sendo descarbonizada com muito mais sucesso. Energias como eólica, solar, hídrica e até biomassa são caminhos viáveis e escaláveis. Mas apenas 20% da energia que consumimos no mundo é elétrica. Os outros 80% vêm de energia molecular, baseada na queima de combustíveis - transporte, indústria pesada, aviação, navegação. E, aí, o desafio é enorme. É quando surgem discussões sobre hidrogênio verde, combustíveis sintéticos e captura de carbono. A pandemia deu uma amostra do que seria parar a economia, e os resultados chegam a ser até assustadores. Em 2019, o mundo emitiu 51 bilhões de toneladas de carbono. A pandemia paralisou as cidades. A gente não tinha carro andando, não tinha navio nos mares, não tinha avião, estava todo mundo em casa. A economia parou, e o impacto de tudo isso na redução das emissões foi de apenas 5%. E nós precisamos, até 2050 ou algo próximo disso, zerar as emissões. Só que, hoje, nós não estamos diminuindo as emissões, estamos aumentando. É muito complexo. É uma equação difícil.
E, olhando para 2050, o que o mundo precisa fazer?
Paulo Alvarenga: Primeiro, parar de aumentar as emissões, e isso ainda não aconteceu, seguimos aumentando. Depois, inverter a curva. Isso se faz em três frentes principais: substituir o que pode ser substituído, como descarbonizar a indústria do aço, do cimento, dos fertilizantes - setores altamente emissores. Em segundo lugar, reduzir ao máximo onde ainda não dá para substituir, tornando os processos mais eficientes. E, por fim, capturar, armazenar ou reutilizar o carbono que ainda for emitido. E aqui entram tecnologias como captura direta da atmosfera e reaproveitamento do CO2 para fabricar combustíveis sintéticos, como metanol verde, que pode substituir derivados de petróleo.
No caso específico de vocês, o que significa, na prática, a transição energética para a ThyssenKrupp hoje?
Paulo Alvarenga: Aqui na América do Sul, especialmente no Brasil, atuamos em três frentes principais: automotiva, defesa e tecnologias para descarbonização. E é justamente essa última que está diretamente ligada à transição energética. Nosso compromisso é oferecer soluções que ajudem empresas a reduzir suas emissões. Nossa divisão de siderurgia, que é uma das maiores emissoras por natureza do processo produtivo, tem um compromisso concreto de neutralizar completamente suas emissões até 2045. É um movimento que começa dentro de casa, com transformação profunda dos nossos processos industriais, e se estende para o mercado, oferecendo tecnologia e inovação para a transição dos nossos clientes.
Na sua visão, qual é o papel do Brasil nesse cenário de transição energética global e do desenvolvimento do hidrogênio verde?
Paulo Alvarenga: O Brasil tem um grande potencial para usar esse hidrogênio verde, principalmente na produção de fertilizantes. Aqui mesmo, no âmbito nacional. Por um motivo muito óbvio e estratégico: 25% da economia nacional é baseada no agronegócio. E nós dependemos quase que na totalidade da importação de fertilizantes para poder cuidar desse setor. Então, tem uma dependência estratégica. O Brasil - e a guerra da Ucrânia mostrou isso - precisa ter uma produção própria de fertilizantes. E o Brasil pode até liderar, no mundo, a transição energética com a produção de hidrogênio verde para poder fazer amônia verde, que é o que é usado para os fertilizantes.
Vocês também atuam no setor automobilístico. Neste caso, como relacionar o biocombustível com a eletrificação das frotas?
Paulo Alvarenga: No caso do Brasil, nós já temos o etanol. O etanol é um biocombustível espetacular. Não vejo uma lógica econômica para abrir mão de um biocombustível que é nosso, uma tecnologia nossa e madura, para eletrificar puramente. Não há ganho nisso. Mas uma solução híbrida com etanol e motor elétrico é uma das soluções que vão ter um espaço grande no mercado. Mas as outras nações que não têm o etanol vão ter de arrumar outro caminho. Esse é um ponto que gosto muito de discutir, porque, às vezes, existe muito uma discussão sempre motivada por interesses econômicos, de defender A ou B. E, para mim, vai ser um mosaico de soluções.
Fonte: Broadcast Agro.