ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

16/Jun/2025

Mercosul-UE: incorporação de políticas sustentáveis

As questões de arrecadação versus gastos do governo federal sempre tiram do foco discussões cruciais, que ficam em segundo plano. O IOF e as medidas alternativas para ele nublaram o debate sobre o acordo Mercosul-UE, que os presidentes Lula e Macron protagonizaram na semana passada. A discussão entre Lula e Macron deixa uma lição a ser exercitada. Ambos querem, nas questões de regulação de sustentabilidade sobre a produção agropecuária, regras equivalentes, ou seja, cláusulas espelho. A lição aprendida é: precisamos aprender fazendo, ou seja, vamos colocar as cláusulas ambientais, de uso de insumos e de mudanças climáticas na mesa e estressar o conceito de cláusulas espelho. O presidente Lula pediu coração aberto ao presidente Macron para ele entender as razões estruturais que deveriam motivá-lo a apoiar o acordo Mercosul-UE.

Explicitamente, o presidente Lula pediu ao presidente Macron que ajudasse a convencer os agricultores franceses de que o acordo representa ganhos maiores, em diversos aspectos, do que as eventuais perdas para a agropecuária francesa. O presidente Lula foi perspicaz, deixando seu par francês em situação desconfortável. O presidente Macron, até pela aparente boa relação que ambos estabeleceram, contra-atacou e afirmou que está pronto para apoiar o acordo, desde que o Brasil aceite que os produtos agropecuários exportados para a UE tenham sido produzidos segundo as mesmas rigorosas regras impostas sobre os agricultores europeus, especialmente no que diz respeito ao uso de insumos (defensivos e fertilizantes). O presidente Macron conclamou, assim, a necessidade de definição de cláusulas espelho entre os blocos, ou seja, o que se aplica internamente precisa ser cumprido pelo parceiro comercial naqueles produtos exportados.

Para essa boa briga ter continuidade, o ideal teria sido o presidente Lula atacar novamente, dizendo que o pedido será justo desde que os agricultores franceses também aceitassem produzir de acordo com as regras impostas aos agricultores brasileiros: Código Florestal, normas regulamentadoras de condições de trabalho e licenciamento ambiental. Evidentemente, o empilhamento de regras, as da UE sobre o Brasil e as do Brasil sobre a UE, não vai acabar bem. Geraria enormes custos de transação e verificação, limitaria as exportações, para ambos os lados, a produtos que tenham sido produzidos conforme a regra da região de destino (não deve haver 1 hectare nas propriedades rurais francesas capaz de comprovar existência de reserva legal) e suscitaria um infinito debate sobre cumprimento das regras, o que já estamos acostumados no Brasil com a questão do desmatamento não autorizado. Além disso, os mercados internacionais estão cada vez mais exigentes quanto à rastreabilidade e à origem sustentável da produção agrícola.

Países como os membros da União Europeia já adotaram regulamentações que restringem a entrada de produtos associados ao desmatamento. A preservação ambiental, antes vista como uma demanda de nicho, passou a ser critério de acesso aos grandes centros consumidores, sejam eles redes de supermercados, fabricantes globais de alimentos ou investidores internacionais. É provável que a discussão sobre cláusulas espelho, nas regulações que incidem sobre o setor agropecuário, não dê resultado, pois cada lado tenderia a concluir que não consegue cumprir as regras do outro e, além disso, os negociadores acabariam se afastando, receosos de impor exigências demais e acabar matando os benefícios do acordo no setor agropecuário. Mas o processo, por si só, seria educativo por várias razões. A primeira razão é que seria educativo para a UE.

Esta seria obrigada a se debruçar sobre o Código Florestal brasileiro e reconhecer o enorme benefício ambiental que essa legislação gera para o globo, devido aos mais de 200 milhões de hectares de vegetação nativa existentes nas propriedades rurais brasileiras. A Europa se recusa a reconhecer os benefícios climáticos do Código Florestal e desconversa sempre que o Brasil apresenta o estoque de vegetação nativa em propriedades privadas. Ao colocar o Código Florestal numa cláusula espelho do acordo Mercosul-UE, a UE seria forçada a reconhecê-lo. A segunda razão é que seria uma camada adicional de proteção ao Código Florestal. A política externa precisa estar em linha com a política interna nacional. Colocar o Código Florestal dentro do Acordo Mercosul-UE daria proteção à nossa legislação, coibindo tentativas de modificá-lo ou reinterpretá-lo.

Já houve duas tentativas de partidos de esquerda de reinterpretar o Código Florestal acionando o Supremo Tribunal Federal. E há tentativas oportunísticas de reduzir a reserva legal no legislativo federal e estaduais. A terceira razão é que seria educativo para o governo brasileiro. Não basta ter lei forte, é preciso demonstrar que ela é cumprida. A verificação do cumprimento legal do Código Florestal é feita pelos compradores, no lugar das entidades governamentais. Devido ao fato de os governos estaduais não terem cumprido as determinações que cabem a eles pelo Código Florestal, os compradores foram obrigados a assumir responsabilidade que não é deles, de cobrar do produtor rural as comprovações de cumprimento legal. Se o Código Florestal se transformasse em parte integrante do acordo Mercosul-UE, o governo federal e os estaduais seriam obrigados a certificar as propriedades rurais identificando quem a cumpre e quem não a cumpre. A quarta razão é que seria educativo para o setor agropecuário brasileiro.

Os movimentos de ataque à Moratória da Soja, tanto nas vias judiciais quanto nos órgãos de defesa da concorrência, tentam caracterizar a iniciativa como algo que ela não é, evidenciando resistência de algumas associações de produtores rurais às políticas de sustentabilidade das agroindústrias. Essas políticas refletem a adaptação das agroindústrias às demandas dos mercados consumidores. Comprovação de cumprimento legal, ausência de desmatamento e garantia de que não há conflitos com comunidades locais são atributos que os consumidores querem ver assegurados. Alguns setores passaram a incorporar esses atributos por meio de padrões de certificação. Padrões de certificação, no entanto, funcionam apenas em cadeias verticalizadas, porque certificar produtor por produtor custa muito caro. As políticas de sustentabilidade, assim, nasceram para cobrir a lacuna não preenchida pelos padrões de certificação.

A incorporação de atributos de sustentabilidade no Acordo Mercosul-UE ajudaria as associações refratárias a mudarem de opinião. Investimentos em sustentabilidade e monitoramento da cadeia têm retorno garantido: abrem portas em mercados premium e protegem os produtores de sanções comerciais. Não se trata apenas de cumprir regras externas, mas de garantir a perenidade do próprio negócio agrícola diante de um mundo em transição climática e com consumidores mais conscientes. A fala de líderes internacionais, como o presidente francês Emmanuel Macron, também reforça que a preservação ambiental deixou de ser uma opção: é uma condição para continuar vendendo. Faço votos que o presidente Lula, na sua vindoura função de presidente do Mercosul, atinja o objetivo que cobrou do presidente Macron: a aprovação mútua do acordo bilateral. Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.