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27/May/2025

Guerra comercial: entrevista com Roberto Azevêdo

O embaixador Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) e presidente global de operações da empresa de gestão ambiental Ambipar, afirma que o governo brasileiro deve buscar equilíbrio nas relações com a China e com os Estados Unidos. Azevêdo pregou "cuidado" quando questionado sobre a aproximação política entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente chinês, Xi Jinping. Azevêdo ressaltou que a França segue disposta a se opor à aprovação do Acordo Comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Segue a entrevista:

Que impacto terá o entendimento entre China e Estados Unidos para reduzir temporariamente as tarifas? Trump tem pressionado os demais países dizendo que o tempo para negociar está acabando.

Roberto Azevêdo: Primeiro, o entendimento é preliminar e o que aconteceu nos encontros de Genebra (entre Estados Unidos e China), a meu ver, não é surpreendente. Não me surpreendeu que eles tivessem chegado a um entendimento que permitisse a volta a níveis mais moderados de tarifa. Era esperado, porque com o nível tarifário que prevalecia naquele momento, dos dois lados, um era 145% o outro era 125%, isso efetivamente desacoplava os dois países. O comércio entre os dois estava inviabilizado da noite para o dia. E isso teria repercussões tremendas em termos de inflação, sobretudo no mercado norte-americano. E isso importa. Muitos produtos de consumo mais imediato da classe média, classe média baixa, são da China, são produtos de menor valor agregado e tudo mais. Teria um impacto muito forte nas camadas mais desfavorecidas da população norte-americana que apoiou o Trump. Seria um tiro no pé da administração do presidente Trump e eles se deram conta disso, eles sabiam disso. Por outro lado, a China tinha perfeita consciência de que essa situação seria insustentável para Washington e tinha muito interesse em retomar essas conversas, porque já se estava verificando o impacto nas operações das empresas chinesas, das fábricas chinesas, muitas paralisando as operações, já começava a haver alguma sinalização de desemprego. No longo prazo, eu acho que os dois lados, os Estados Unidos e a China, entendem que no futuro, ainda que a relação seja de muita desconfiança ainda, algum tipo de interação entre as duas economias será necessário. Esse processo de afastamento dos dois lados continuará acontecendo, mas ele não pode ser feito da noite para o dia. Os dois lados vão alongar esse processo o máximo possível para evitar os impactos mais danosos nas suas respectivas economias.

E o que isso significa para o Brasil?

Roberto Azevêdo: O impacto de curto prazo: é muito evidente que tudo depende dos acordos que sejam feitos entre China e Estados Unidos. Por exemplo, compra de produtos, se a China vai se comprometer a comprar produtos norte-americanos que são produtos competidores do Brasil, ou não, e os volumes que essas compras terão. Tudo isso é muito incerto. Pode ser positivo, para o Brasil, pode ser neutro, pode ser negativo, mas não muito. Acho que qualquer que seja o acordo que saia dali não vai ser nada que vai mudar a estratégia, de médio e longo prazos, do exportador brasileiro. É uma coisa que vai ter impacto maior no curto prazo, na estratégia de negócio, de vendas, no futuro mais imediato. Agora, no longo prazo, esse processo de afastamento entre Estados Unidos e China, de maior frieza nas relações comerciais e econômicas, traz riscos não só para o Brasil, mas para o mundo inteiro. Porque os impactos econômicos, desvio de comércio, de novos fluxos financeiros, tudo isso pode resultar em uma menor eficiência dos mercados, em uma maior instabilidade dos mercados. Nós não sabemos, e isso não é bom para o Brasil, nem para ninguém. Por outro lado, o Brasil se apresenta se jogar as suas cartas de maneira correta, né? O Brasil se apresenta, para os dois lados, como um parceiro confiável, sobretudo para a China, que precisa de fluxos de alimentos confiáveis e que sejam estáveis e suficientes para as demandas do mercado chinês. Essa área de alimentação é muito sensível politicamente lá na China. Então, o Brasil pode se apresentar como um parceiro estratégico nesse sentido.

A decisão do Walmart de falar nos Estados Unidos que não vai ter como segurar os preços pressiona o governo norte-americano e pode favorecer a negociação com o Brasil?

Roberto Azevêdo: Em primeiro lugar, o que chama atenção é o anúncio, porque o Walmart poderia fazer isso sem ter de avisar ninguém, porque é uma consequência lógica e inevitável dos preços que a cadeia passará a cobrar dos produtos, sobretudo aqueles que são importados ou que, por exemplo, o Walmart tenha de começar a procurar supridores alternativos mais caros, porque não consegue mais importar dos fornecedores tradicionais como os chineses. Ninguém ficaria surpreso com aumentos de preço no Walmart, na Amazon e em todos os outros que vendem produtos de consumo. O anúncio é que chama atenção. Para que o Walmart precisava avisar? Precisava dizer isso? Você tem de falar com o pessoal de relações públicas da Walmart. Claramente tem uma mensagem política ali, a administração Trump reagiu fortemente a esse anúncio. E eu acho que nós não vimos ainda os últimos capítulos dessa novela. Tem muita água para passar por baixo da ponte ainda.

O presidente Lula tem reiterado que vai esgotar a negociação, mas que, se não for possível, adotará retaliação, depois de fazer um recurso até simbólico à OMC. É o caminho mais concreto mesmo para o Brasil?

Roberto Azevêdo: Essas declarações se deram em outros momentos, em que havia muita vocalização das intenções dos vários países. Mais recentemente eu não ouvi nenhuma expressão pública do governo brasileiro. As coisas são muito fluidas e os momentos políticos estão muito voláteis. Eu não saberia dizer nesse momento o que pensa exatamente o governo brasileiro e como ele pretende se comportar.

Como o sr. percebeu o movimento de visita recente do presidente Lula à China, depois de ir à Rússia, usando uma linguagem muito parecida com o Xi Jinping? Pode ser interpretado nos EUA como um gesto de tomada de partido?

Roberto Azevêdo: Temos de tomar cuidado para que as nossas relações com a China não sejam percebidas nos Estados Unidos como um antagonismo a Washington. A meu ver, é perfeitamente possível. Não é motivo para nós não termos boas relações com Washington e trabalharmos em áreas estratégicas com eles, por exemplo, na área de mineração de terras raras, de minerais críticos, na área de biocombustíveis, por exemplo, onde o Brasil e os Estados Unidos têm interesses muito semelhantes, embora sejam competidores. Tem muita coisa que podemos fazer juntos com os Estados Unidos e com a China. Acho que o Brasil tem de saber maximizar as oportunidades nas duas frentes. Acho também que, com relação à China especificamente, sobretudo com o governo atual, o Brasil é percebido como um país amigo, onde há semelhanças de posicionamento político até. E isso viabiliza mais negócios, viabiliza uma cooperação mais próxima e uma interação mais próxima entre os dois mercados e, portanto, também acho que é uma aproximação positiva. O importante é manter um equilíbrio dessas abordagens em um mundo onde há muita desconfiança entre blocos, onde temas que antes eram do cotidiano das economias e das políticas nacionais de repente viram temas de segurança nacional. Então, todo cuidado no equilíbrio das relações internacionais é pouco.

Está correto esse movimento do Brasil de voltar os olhos à Ásia e buscar mais parceiros?

Roberto Azevêdo: O Brasil, como todo país exportador e que tem interesses globais, tem de estar olhando para o exterior, com uma estratégia muito clara de diversificação de mercados. Nós estamos vendo, no mundo atual, que os mercados podem se abrir e fechar a qualquer momento, por circunstâncias que não temos controle. Por tensões geopolíticas, por guerras, por emergências climáticas, pandemias, você nunca sabe. E é muito importante a diversificação dos mercados. Então, essa noção de olhar para a Ásia de uma maneira mais ampla e para outros países de uma maneira mais cuidadosa eu acho que é um movimento bem-vindo.

Como o presidente Macron tentou posicionar a França durante a cúpula empresarial Choose France? É um evento com o qual ele busca pessoalmente gerar empregos e atrair empresas, num momento conturbado.

Roberto Azevêdo: Ele deixou muito claro que o mundo de hoje passa por turbulências muito importantes, e que o investidor precisa pensar com muito cuidado em como gerir os seus ativos. Ele procurou posicionar a França de uma maneira muito positiva em certos aspectos, por exemplo, uma maior previsibilidade na área política, na área jurídica, na área comercial, dizendo que as tarifas francesas, as da União Europeia, não vão ficar oscilando e que há uma certa clareza das regras para o investidor estrangeiro, o que é muito importante nos dias de hoje. Eu acho que numa referência indireta aos Estados Unidos. E que outros países podem estar sujeitos a sanções e tensões geopolíticas também. Ele disse que o governo francês quer ajudar. Ele reconhece que às vezes, o sistema francês não é o mais rápido em termos de concessão de licenças, a regulamentação às vezes é pesada, complexa, e ele disse que o governo francês está fazendo um esforço muito grande na simplificação e agilização dos processos.

O sr. conversou com as ministras responsáveis pela agricultura e meio ambiente na França. Qual sua percepção, nesse cenário comercial de agora, sobre a posição francesa de oposição ao acordo Mercosul-União Europeia?

Roberto Azevêdo: Nossa conversa se concentrou mais nas questões de negócios da Ambipar. Agora, nas minhas conversas por aqui, por todo lado, eu acho que essa posição francesa não vai mudar. Sobretudo na área agrícola, eles vão continuar com grandes dificuldades, não acho que vão ajudar na passagem do acordo. Nesse passado recente eu fui a Bruxelas também. A Comissão Europeia tem a maior disposição em fazer com que o acordo aconteça, mas eles mesmos reconhecem que não vai ser um passeio no parque. Até mesmo em função da resistência francesa. Mas são otimistas, acham que vai funcionar, que vai dar certo.

O sr. acha que a França não vai conseguir apoio da Itália, Polônia e outros países para poder bloquear?

Roberto Azevêdo: Não saberia te dizer. É o jogo diplomático.

Fonte: Broadcast Agro.