22/Apr/2025
Pode ser que sim, pode ser que não, mas acho que já vale a pena olharmos as decisões de política comercial do presidente Trump e suas respectivas reações de e em terceiros países. Dadas as grandes incertezas que a guerra comercial gera no mercado internacional, a ideia deste artigo é tentar listar cenários possíveis, e algum chute sobre serem eles prováveis - com viés para os produtos agropecuários e, claro, colocando o Brasil no centro da análise. Farei um recorte sobre a soja também. O foco aqui é o comércio internacional, portanto não falarei sobre questões macroeconômicas, tais como endividamento dos Estados Unidos e o comportamento dos títulos do Tesouro do país. Pessoalmente, acho o aspecto macroeconômico mais importante para os Estados Unidos. No entanto, para o Brasil, o lado de comércio internacional é mais relevante.
- Primeiro cenário possível: desvio de comércio a favor do Brasil
Canadá e México são grandes parceiros comerciais dos Estados Unidos nos produtos do agronegócio. Os dois países representam cerca de 40% do total importado pelos Estados Unidos no setor. Observando setores específicos, nota-se que a participação destes países ultrapassa 50% em animais vivos, carnes, vegetais e legumes, cereais e produtos derivados de cereais. Esse grupo representa 27% do total importado pelos Estados Unidos, ou seja, nesses segmentos a participação de México e Canadá supera 50%. Cinco grandes setores importadores dos Estados Unidos não estão nessa lista: gorduras animais e vegetais, frutas (embora o México seja grande fornecedor), pescados, café (no qual o Brasil já é relevante) e bebidas (em que o Brasil tem boa participação com o suco de laranja).
A análise fria dos dados me leva à conclusão de que a tarifa de 25% imposta pelo governo dos Estados Unidos ao México e ao Canadá, se mantida, deverá gerar desvio de comércio para exportadores que enfrentam tarifas adicionais menores, de 10%, por enquanto. Ou seja, parte das importações dos Estados Unidos tende a mudar de origem. Quanto ao Brasil, os setores que poderiam se beneficiar são carnes, óleos vegetais, gorduras animais e frutas. Assim, é possível que haja substituição parcial de México e Canadá pelo Brasil nesses segmentos. No entanto, outros países na mesma condição tarifária que o Brasil, ou seja, enfrentando 10% de tarifas adicionais, também serão beneficiados. A diferença do Brasil em relação a eles, sobretudo nos óleos vegetais, gorduras animais e carnes é a proximidade geográfica do Brasil em relação aos outros fornecedores, nos quais predominam países asiáticos. No caso de frutas, nos quais predominam países latino-americanos, não há diferencial competitivo para o Brasil.
-Segundo cenário possível: Brasil e Estados Unidos negociam uma solução bilateral
Os Estados Unidos são superavitários no comércio total com o Brasil e não parece provável que o Brasil venha a impor retaliações recíprocas. Mas há setores relevantes na economia brasileira, não apenas no agronegócio, que têm nos Estados Unidos um grande cliente importador. Assim, há incentivo para o Brasil manter diálogo aberto com os norte-americanos. Além disso, considerando que o foco dos Estados Unidos está no México e Canadá, China e União Europeia, faria sentido que, caso algum grau de racionalidade se estabeleça no governo, os Estados Unidos busquem aproximação comercial com países capazes de gerar ganhos mútuos, em vez de ampliar o desbalanço comercial. O momento para o Brasil procurar os Estados Unidos para conversas bilaterais precisa ser bem avaliado, em função dos movimentos da China, mercado hoje mais relevante para o Brasil, pelo menos no agronegócio. Parece mais prudente aguardar uma estabilização do embate entre Estados Unidos e China.
- Terceiro cenário possível: uma aproximação com a China
O agronegócio brasileiro tem grande interesse em aprofundar as relações comerciais com a China, sobretudo no contexto de guerra comercial, pois os Estados Unidos ainda exportam cerca de US$ 30 bilhões em produtos do setor. Ou seja, sem entrar nos detalhes por segmento, há oportunidades para que setores brasileiros substituam os americanos no mercado chinês. As elevadas tarifas recíprocas impostas por Estados Unidos para a China, e vice-versa, já trouxeram impactos para o agronegócio brasileiro. A demanda chinesa por soja do Brasil já cresceu e, diante da incerteza quanto ao fornecimento de soja americana no segundo semestre, é muito provável que a procura pela brasileira continue firme, até que os volumes ainda não comercializados da safra 2024/2025 diminuam. Assim como ocorreu na guerra comercial de 2018/2019, acredito que Estados Unidos e China deverão sentar-se para negociar no segundo semestre, pois a China corre risco em termos de segurança alimentar.
Por mais que o Brasil substitua os Estados Unidos na soja e, possivelmente, nas carnes, as preocupações com inflação interna e baixo crescimento devem levar o país a buscar uma solução com os norte-americanos, ao menos no setor de alimentos. Parece que a China deverá dar o primeiro passo, quando o cenário de abastecimento estiver mais garantido. Do lado norte-americano, é preciso considerar se haverá reação à perda de mercado na China. Certamente, haverá pressão interna para que o governo federal compense os produtores e agroindústrias por essas perdas. No caso da soja, a proteção poderá vir com estímulos aos biocombustíveis, elevando a demanda interna pela oleaginosa, visando maior produção de óleo. Se isso acontecer, será negativo para a indústria de processamento de soja no Brasil, pois os Estados Unidos poderão exportar grandes volumes de farelo, pressionando os preços. Nesse sentido, os Estados Unidos também têm incentivos para buscar entendimento com a China, evitando gastos fiscais adicionais com o agronegócio.
- Quarto cenário possível: aproximação do Brasil com a União Europeia
A guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos abre uma oportunidade concreta para que o acordo entre Mercosul e União Europeia seja finalmente ratificado, principalmente porque o presidente Trump deverá insistir em confrontar a União Europeia, mesmo que em menor intensidade do que com a China. Como a União Europeia sinaliza que irá reagir, e Trump avaliará que as barreiras chinesas a produtos e serviços norte-americanos beneficiam empresas europeias, é provável que as retaliações aos europeus continuem. Esse cenário deveria incentivar uma aproximação entre o Mercosul, ainda que haja o obstáculo chamado Argentina, e a União Europeia.
- Quinto cenário possível: o Brasil aguarda as demais peças do tabuleiro se moverem
Diante das incertezas sobre o comportamento do presidente dos Estados Unidos, e considerando que o Brasil não é o foco central das retaliações, poderíamos aguardar os desdobramentos junto aos países na mira de Trump, torcendo para que nos beneficiem.
De todos os cenários acima, não recomendo que o governo brasileiro escolha o quinto. Como país neutro e reconhecido como fornecedor confiável e competitivo, o Brasil deveria reforçar sua principal capacidade: mostrar ao mundo que, mesmo em meio a crises, seguimos produzindo e exportando com estabilidade. Saímos da pandemia com essa credibilidade, vamos usá-la a nosso favor nesta nova crise criada por Trump. Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.