22/Apr/2025
Quando a China diz que não procurou a guerra comercial, mas que está preparada para "lutar até o fim", não é um blefe. Desde a crise financeira de 2018, a China vem se preparando para o imponderável, dando estímulo fiscal para empresas e consumidores e buscando novos parceiros pelo mundo, sempre de olho nos movimentos dos Estados Unidos. A análise é da economista da Bradesco Asset Management e diretora do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), Fabiana D'Atri, que comentou que não se deve esperar um "tiro de bazuca" na política fiscal chinesa, uma vez que o governo demonstra preferência por medidas a conta gotas, como tem feito ao longo dos últimos anos. Portanto, a China não teria nenhuma pressa para se sentar à mesa de negociação com os Estados Unidos, que poderia sofrer muito mais com esse jogo de forças que o país asiático. E nem seria necessário usar a desvalorização do yuan como arma, a exemplo do que já ocorreu no passado. Com a guerra comercial, a tendência é de depreciação do dólar, o que contribuiria para a entrada dos produtos chineses nos Estados Unidos e em outros mercados ao redor do mundo. Segue a entrevista:
Você acabou de voltar de uma viagem à China. Qual sua percepção do povo chinês às tarifas de Trump?
Fabiana D'Atri: A mensagem do lado chinês, primeiro, é que houve uma ruptura em 2017-2018, no primeiro governo de Trump, que não foi restabelecida. E desde então, a economia chinesa, principalmente orientada pelo governo, se reorganizou. Buscou novos parceiros e mercados e fortaleceu os esforços para a mudança tecnológica e industrial.
E os empresários, como estão reagindo?
Fabiana D'Atri: Tenho contato com empresas, mas meus interlocutores são, na maioria, acadêmicos, que de alguma forma estão conectados à visão mais estratégica chinesa. Há também diplomatas e jornalistas. O consenso, tanto no âmbito empresarial, quanto no acadêmico e diplomático, é a mensagem oficial, de que há segurança na economia interna e que o governo tem instrumentos para fazer frente às tarifas. Há muito mais uma relação de tensão entre governos, porque os negócios continuaram acontecendo e até se intensificaram.
A impressão que fica é que a China já esperava por esse movimento dos EUA...
Fabiana D'Atri: Com as incertezas no ano passado sobre a mudança de governo no EUA, a conversa era de que 2024 seria uma janela de exportação que em 2025 poderia não permanecer aberta. Nesse sentido, podemos ler que a China foi cautelosa com a expansão fiscal. A partir de setembro, outubro, diante da desaceleração da economia, o governo acelerou o estímulo fiscal.
A visão de que 2024 seria uma janela para as exportações que poderia se fechar em 2025 já considerava a probabilidade de Trump se eleger?
Fabiana D'Atri: Para eles, as tensões iriam se acentuar, mas num governo Trump elas seriam mais intensas e rápidas.
Você acredita que a China irá desvalorizar novamente o yuan para baratear o custo de produção para os empresários chineses?
Fabiana D'Atri: Minha avaliação é que a moeda não vai ser usada como instrumento de compensação neste momento por três razões. A primeira delas é que a moeda chinesa ainda pode ser algo a ser negociado com os Estados Unidos. Então, qual o incentivo para a China fazer uma desvalorização muito grande neste momento? O segundo motivo é que se a China desvaloriza a moeda, no limite, o produto chinês fica mais barato para quem? Para o norte-americano, e aí diminui o diálogo e a possibilidade de discussão. E o terceiro, desvalorizar a moeda leva a uma saída de capital que a China não quer ter neste momento.
Neste momento, o melhor para a China é a estabilidade da moeda?
Fabiana D'Atri: Grandes oscilações da moeda não são o desejo e a prática do governo chinês. Vejo a China mantendo a moeda o mais estável possível para que ela seja, inclusive, um instrumento de diálogo e para que não se diga depois que se utilizou a moeda (como arma). Entre desvalorizar a moeda e dar desconto nos preços, melhor a segunda opção e dar suporte para os exportadores, isenção de impostos, proteger o mercado interno ao invés de fazer com que o produto chinês chegue mais barato nos Estados Unidos.
Podemos esperar um grande estímulo fiscal do governo chinês?
Fabiana D'Atri: Não devemos esperar uma bazuca fiscal porque os chineses são bastante cautelosos com incentivos fiscais. Usam o fiscal só quando é para aquecer a economia. E desde 2018 o governo chinês vem dando estímulo fiscal à economia.
Xi Jinping assinou nesta semana 45 acordos de cooperação com o Vietnã. São movimentos que podem ocorrer em outras regiões?
Fabiana D'Atri: Os próximos movimentos dessas negociações é encontrar parceiros. Há probabilidade de se ter mais rodadas de acordos nessa direção. E são acordos amplos, não só de comércio. Tem transferência de tecnologia, de produção, acesso a mercados. O caminho é mais para acordos bilaterais do que para a formação de blocos.
Qual sua previsão para o PIB da China?
Fabiana D'Atri: Estamos reavaliando, eu tinha uma taxa de crescimento de 4,7% em 2025. Mas minha primeira avaliação é tirar meio ponto porcentual de crescimento diante dessas incertezas e de uma perda mais relevante do comércio com os Estados Unidos. Provavelmente vou revisar para 4,2% e, para o ano que vem, por hora, acho que 4% é um bom número para se trabalhar.
O que falta para a China iniciar conversas com os EUA? Eles vão prolongar essa situação para enfraquecer a economia norte-americana antes?
Fabiana D'Atri: Eu diria que do lado chinês a pressa é menor enquanto os dados econômicos estiverem bem. Os dados, por ora, estão positivos. Provavelmente, o primeiro trimestre está garantido. É observar o segundo trimestre para ver quando e em que medida os dados podem começar a desacelerar e, eventualmente, fazer essa compensação de estímulos fiscais, monetários e a necessidade de retomar.
Fonte: Broadcast Agro.