08/Apr/2025
O "tarifaço" anunciado na semana passada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, devolve aos níveis da Grande Depressão as taxas sobre produtos importados pelo país, estima o economista-chefe global da Coface, Jean-Christophe Caffet. "Estávamos esperando aumento das tarifas, mas para ser completamente transparente e honesto foi muito pior do que esperávamos", comentou o economista. Caffet define a política comercial de Trump como "completamente autodestrutiva". As tarifas dos Estados Unidos devem passar de 25%, na média. A consequência será mais inflação, o que pode inibir o consumo dos norte-americanos, levando ao risco de estagflação, ou seja, alta dos preços mesmo com estagnação da atividade econômica. Se for o caso, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) terá que resolver o dilema entre apoiar o emprego ou lutar contra a inflação. Segue a entrevista.
Vamos começar com as tarifas recíprocas anunciadas pelo presidente Trump. O anúncio foi pior, melhor ou em linha com as suas expectativas?
Jean-Christophe Caffet: Estávamos esperando aumento das tarifas, mas para ser completamente transparente e honesto foi muito pior do que esperávamos. A quantidade e o escopo, especialmente quando se trata de países de baixa renda, são muito maiores do que inicialmente esperávamos. Em média ponderada, deve trazer a taxa efetiva do imposto dos EUA sobre as importações de volta ao que vimos no início do século 20, aos níveis da Grande Depressão. É algo perto de 25%, se não for mais. Já houve um aumento na tarifa dos EUA de aproximadamente 2,5 [pontos porcentuais], para 10,4%, com o que já foi decidido anteriormente pela administração dos EUA: tarifas ao Canadá, México, China, aço, alumínio e etc. Esperávamos que os anúncios de ontem trouxessem as taxas efetivas médias para mais perto da linha de 20%. As taxas para algumas economias de baixa renda, como Vietnã e Camboja, serão terríveis para esses países. De fato, é muito pior do que o esperado. No primeiro mandato de Trump, costumava-se dizer que deveríamos levá-lo a sério, mas não ao pé da letra. Para o segundo mandato, temo que tenhamos que levá-lo a sério e ao pé da letra.
Quais são os impactos potenciais da política comercial de Trump no comércio internacional e na economia global? Alguns economistas já falam no risco de recessão. Esta é também a sua perspectiva?
Jean-Christophe Caffet: É um pouco cedo demais para dizer que os EUA ou mesmo a economia global entrarão em recessão. O certo é que está sendo colocado um jogo de soma negativa para a economia global. E não é impossível, se não for muito provável, que acabe sendo negativo para todos, incluindo com certeza aos EUA, porque haverá um aumento das pressões estagflacionárias ligadas não apenas à política comercial, mas também ao que está sendo feito atualmente com a imigração e com os gastos públicos. Há um claro risco de estagflação para os EUA. Não falaria sobre recessão por enquanto, mas há um claro risco para 2025 e 2026 de a economia dos EUA, que superava a economia global e todos os seus pares por alguns anos, ser trazida de volta a um crescimento mais próximo a zero. No final das contas, será completamente autodestrutivo.
Como o Federal Reserve deve reagir?
Jean-Christophe Caffet: Se for uma espécie de estagflação, ou pior, se tivermos ao mesmo tempo uma recessão e um aumento da inflação, haverá um enorme dilema para o Fed, que tem mandato duplo: apoiar o emprego e lutar contra a inflação. Se a desaceleração vier do investimento empresarial e do comércio exterior, será mais fácil para o Fed baixar a guarda e reduzir os juros. Mas se vier do impacto da inflação no consumo, haverá um dilema. Por enquanto, é muito cedo para avaliar. Ainda é uma história em desenvolvimento. O que eu espero é que o Fed provavelmente terá alguma margem de manobra para reduzir as taxas, o que deve trazer toda a curva de rendimentos dos títulos dos EUA, incluindo os vencimentos de longo prazo, um pouco para baixo. Quando você tem esses medos de recessão, de atividade caindo, há uma fuga para a qualidade. Os investidores estão vendendo ações e comprando títulos, o que faz as taxas caírem. E isso é o que devemos ver nos próximos meses. No entanto, do ponto de vista puramente estrutural, ainda espero que as taxas, de curto e longo prazo, sejam mais altas do que foram nos últimos 15 anos.
Havia avaliações de que Trump usaria tarifas como ferramenta de negociação, para pressionar outros países a atenderem seus objetivos. Ainda há espaço para negociações entre os países? Podemos esperar que Trump desista de algumas das tarifas anunciadas?
Jean-Christophe Caffet: Existe a questão se Donald Trump quer transformar a economia dos EUA e a economia global, ou só quer fazer alguns acordos. Por enquanto, ainda espero que ele seja muito mais transacional do que transformacional. Mas não devemos descartar que ele queira transformar a arquitetura geral da economia global e dos EUA também. Quando se trata das questões de transação, a questão é: o que ele espera? Ele espera que as economias europeias baixem seu imposto sobre valor agregado [IVA]? Porque é tudo sobre o IVA quando se trata da Europa. As tarifas aplicadas aos produtos dos EUA são aproximadamente entre 4% e 5% em média. Se ele quer que os governos europeus baixem o IVA, haverá um impacto na arrecadação. E se houver impacto fiscal, como a Europa vai investir em defesa? É simplesmente impossível seguir e prosseguir com todos esses objetivos. E isso é algo que parece não ter sido levado em conta pela administração americana, que não é possível obter todos os objetivos com um único instrumento.
A China ficou com a tarifa mais alta. Quais devem ser as consequências no crescimento chinês baseado em expansão da oferta e exportações? As tarifas vão gerar um excesso de produtos chineses no mundo? Esse excesso poderia ajudar a reduzir a inflação e as taxas de juros mundialmente?
Jean-Christophe Caffet: Certamente, o anúncio, além de tudo o que foi decidido desde a posse de Trump, foi ruim para a China, cujo modelo econômico precisa ser reequilibrado de modo cada vez mais urgente. As autoridades chinesas vêm falando há muito tempo sobre reequilibrar o modelo de crescimento em direção ao consumo, não dependendo apenas da construção ou das exportações, da produção manufatureira. Mas isso ainda está por ser visto. Quando você olha para a participação da produção de manufaturas da China no mundo, ela aumentou 10 pontos porcentuais desde 2015: de aproximadamente 25% para perto de 35%. Com capacidade excedente em vários setores industriais, e com a guerra comercial em pleno andamento, devemos ver as pressões deflacionárias se intensificando na China. Há um risco também para o resto do mundo, dado que, se eles não reequilibrarem seu modelo de crescimento em direção ao consumo, toda essa produção manufatureira da China inundará outros mercados.
O senhor vê o Brasil ou a América Latina vulneráveis ou resilientes em um cenário de dólar mais forte, menor liquidez internacional e talvez baixo crescimento da economia global?
Jean-Christophe Caffet: Não diria que o anúncio foi positivo para a América Latina, mas em termos relativos, dá à região um tipo de vantagem comparativa. Se você é taxado em apenas 10%, comparado a 34% para a China, comparado a 20% para a Europa, 46% para o Vietnã, isso de alguma forma devolve um pouco da competitividade.
Nos últimos anos, muito se falou sobre a reorganização das cadeias de produção, em especial sobre o nearshoring. Agora, Trump anuncia tarifas até para os seus vizinhos. Podemos dizer que o nearshoring morreu?
Jean-Christophe Caffet: Estou bastante receoso de que as cadeias de suprimentos globais sejam reorganizadas de acordo com algum tipo de "fearshoring" [localização da produção pelo medo, numa tradução livre]. Este é o conceito que acabei de imaginar, no qual você define fornecedores ou realoca sua produção para evitar ser sancionado ou punido por alguém, especialmente os EUA. Mas o medo é geralmente um péssimo conselheiro. Não tenho certeza de que isso valerá a pena a longo prazo.
Um ano atrás, a geopolítica esteve no centro dos debates de uma conferência promovida pela Coface em Paris. Os conflitos geopolíticos continuam sendo o maior risco da economia global?
Jean-Christophe Caffet: Sim. Não enxergamos o fim de um conflito de longa duração no Oriente Médio e tampouco na Ucrânia. A geopolítica ainda domina as perspectivas econômicas globais, a macroeconomia continua sendo uma derivada do cenário geopolítico. Estamos apenas no início da grande luta do século, que será entre a China e os EUA. Espero que seja apenas uma luta econômica. Mas ainda estamos no começo. Não há fim para essa turbulência geopolítica que temos visto há aproximadamente uma década.
Fonte: Broadcast Agro.