07/Apr/2025
A adoção de tarifas recíprocas pelos Estados Unidos pode gerar retaliações de países que exportam ao mercado americano a ponto de provocar guerras comerciais, que poderão, por sua vez, desacelerar a economia mundial e levar vários países à recessão em 2026. A avaliação é de Charles Goodhart, ex-diretor do Banco da Inglaterra (BoE) e professor emérito do centro de pesquisas do Grupo de Mercados Financeiros da London School of Economics (LSE). “O que o governo do presidente Donald Trump está provocando é um choque de oferta internacional, e será muito difícil contrabalançá-lo”. Segue a entrevista:
Quais são as implicações da política comercial do governo Donald Trump à economia global?
Charles Goodhart: São várias, e todo o processo do comércio global será abalado. Presumivelmente, outros países tentarão responder de várias maneiras, talvez decidam retaliar. Com esses fatos, a incerteza e os riscos serão redobrados. Como consequência, investimentos serão reduzidos nos Estados Unidos e em outros países porque ninguém sabe exatamente onde o comércio global estará em três meses ou mais. Enquanto isso, não sabemos o que acontecerá no front geopolítico, se haverá uma cessação das hostilidades na Ucrânia, e, se sim, em que circunstâncias, quais entendimentos ocorrerão para garantir a segurança da maior parte do país no futuro. Não sabemos também como ficará o relacionamento entre os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, já que a Otan está sendo despedaçada. É um período de extrema incerteza e muita apreensão sobre o que o futuro poderá reservar.
Com as tarifas a importados, poderá aumentar a inflação e haver desaceleração da economia em termos mundiais, a ponto de provocar recessão no curto prazo?
Charles Goodhart: É muito provável. E a situação será piorada porque a posição fiscal de praticamente todas as economias avançadas é tão apertada que não será possível usar facilmente a política fiscal como instrumento contracíclico. Como a introdução de tarifas colocará pressão de alta da inflação mais ou menos em todos os lugares, será difícil a política monetária compensar a redução da demanda e recessão. O que o governo de Trump está provocando é um choque de oferta internacional, e será muito difícil contrabalançá-lo.
O sr. teme que guerras comerciais possam acontecer, então, e que elas poderão levar vários países à recessão em 2026?
Charles Goodhart: Sim, muito provavelmente pode acontecer. Mas espero que eu esteja errado.
E, nesse cenário de recessão, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) cortaria os juros fortemente?
Charles Goodhart: Sim, é bastante provável. Ele poderia reduzi-los (os juros) para estimular a economia.
Como o Fed conduzirá a política monetária no decorrer deste ano?
Charles Goodhart: Há uma questão de potencial pressão política que Trump pode tentar exercer sobre o Fed. Se ocorrer uma recessão nos Estados Unidos e problemas no mercado de títulos do Tesouro americano, é bem provável que a administração Trump pressione o Fed para baixar os juros em um período no qual a inflação estará subindo. Muito provavelmente o governo culpará a inflação e poderá introduzir controle de preços.
Como se daria uma política de controle de preços nos EUA?
Charles Goodhart: O governo simplesmente dirá a companhias de certos setores que não terão a permissão para subir os preços de certos produtos, como pão, ovos, leite, alimentos em geral e roupas. Isso foi feito pela administração de Richard Nixon.
O sr. considera que, por conta de pressões políticas, o Fed poderá optar por um dos seus mandatos, com o foco na geração de empregos em vez da estabilidade de preços?
Charles Goodhart: Dependerá do tipo de pressão que a administração Trump colocará sobre o Fed. Dependerá de quão longa for a alta da inflação, se os dirigentes do Fed vão descrevê-la como transitória ou não. Não será fácil para eles. Não sabemos que tipo de situação o Fed enfrentará. Ele e outros bancos centrais estão em uma condição na qual se tornou virtualmente impossível fazer previsões.
Quais desdobramentos mais prováveis para o comércio global a partir das tarifas recíprocas dos EUA?
Charles Goodhart: Depois da 2ª Guerra, ocorreu uma tendência de redução de tarifas em todo o mundo e aumento do comércio global, o que permitiu a liberdade de fluxos de capital e criou um grande sistema de comércio internacional que beneficiou quase todos os países. Tudo isso está sendo virado de cabeça para baixo. É a reversão completa de 80 anos de grandes desenvolvimentos econômicos internacionais.
A ampla globalização comercial chegou ao fim?
Charles Goodhart: Por enquanto, digamos, ela está sendo eliminada em Washington.
Quais os riscos à estabilidade financeira mundial?
Charles Goodhart: São bastante consideráveis, pois várias empresas verão sua capacidade de competir cortada ou drasticamente reduzida, de modo que a probabilidade de falência corporativa sob essas circunstâncias aumentará expressivamente. Bancos podem entrar em dificuldades. Se houver uma linha agressiva (dos EUA) no comércio internacional, a probabilidade é de o resto do mundo tentar encontrar maneiras de reduzir sua dependência do dólar.
Fonte: Broadcast Agro.