02/Apr/2025
Segundo o escritório VBSO Advogados, a onda de pedidos de recuperação judicial no agronegócio deve continuar em 2025, mesmo com a perspectiva de uma safra recorde. Os fatores macroeconômicos adversos permanecem pressionando o setor e o mercado já incorporou as dificuldades de solvência dos produtores na precificação do crédito. A supersafra que vem aí não vai reverter esse cenário. Juros altos, instabilidade econômica e insegurança jurídica continuam presentes. A recuperação judicial ainda é uma realidade muito forte para o agronegócio. Os processos de recuperação deixaram de ser surpresa para credores e financiadores, e já estão sendo considerados como um risco inevitável. Está no preço. O mercado assimilou que isso faz parte do cenário atual. Apesar disso, há um movimento maior do mercado em tentar oferecer soluções alternativas, como operações com Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), fundos estruturados e mecanismos de reestruturação fora do Judiciário.
Ainda assim, os produtores continuam enxergando a recuperação judicial como saída imediata, sem considerar os efeitos duradouros. Não se observa uma mudança de postura do setor produtivo. A RJ ainda é vista como uma solução rápida, mesmo que deixe cicatrizes, como o bloqueio de acesso a crédito por anos. A maturidade dos pedidos não melhorou substancialmente. Ainda há muitos casos em que os requisitos legais mínimos não são atendidos. Em muitos pedidos, o produtor sequer está, de fato, insolvente. É como se a RJ fosse o primeiro recurso, quando deveria ser o último. O Judiciário também tem responsabilidade na perpetuação desse cenário, pois não tem filtrado adequadamente os pedidos. Isso deveria funcionar como um fator educativo. Quando um pedido mal formulado é aceito, ele cria precedente e expectativa de que qualquer um pode fazer igual.
Há insegurança jurídica nos processos de recuperação, especialmente nos casos mais complexos, como o da AgroGalaxy e do Grupo Montesanto Tavares. Há decisões contraditórias dentro do mesmo processo. Em um mesmo caso, um banco consegue executar recebíveis, outro não. Isso mostra o grau de assimetria do sistema. A imprevisibilidade no tratamento de garantias, especialmente em relação aos ACCs (Adiantamentos sobre Contrato de Câmbio) e à essencialidade de ativos, gera grande incerteza para os credores. O investidor olha para isso e pensa: 'Não sei como meu crédito vai ser tratado dependendo da vara, do juiz'. E aí ele precifica o pior cenário. Isso encarece o dinheiro para o produtor. A solução para o problema passa pela especialização do Judiciário e por maior educação jurídica em regiões do interior. Recuperações complexas estão sendo julgadas por varas pequenas, sem conhecimento técnico sobre o agronegócio e os instrumentos envolvidos.
É preciso investir na formação dos juízes e levar conteúdo para o interior do País. Como exemplo positivo, as iniciativas de entidades do setor que promovem palestras e congressos voltados para a qualificação dos magistrados. Mas, mesmo com esse esforço, a mudança de cultura é lenta. Não dá para esperar que todos os juízes conheçam a fundo operações com CPR, CRA, ACC e outras siglas do agro. Mas é possível capacitá-los para entender melhor o funcionamento da cadeia e evitar decisões que comprometam a previsibilidade. A instabilidade nos processos também afeta o mercado de capitais, que tem papel crescente no financiamento da produção. O investidor quer previsibilidade. Sem ela, ele recua. Isso limita o acesso ao crédito e penaliza quem produz. É preciso ainda maior rigor na análise dos pedidos e clareza nos critérios para aceitação de garantias. Sem isso, ‘a bola de neve’ só cresce e o crédito, que já está caro, pode ficar ainda mais restrito.
O Sicredi concorda que a onda de pedidos de recuperação judicial no agronegócio brasileiro deve continuar em 2025, mesmo com expectativa de safra recorde e melhora nos preços das commodities. Ainda tem algum grau de continuidade. No curto prazo, não haverá queda. O aumento dos pedidos não se deve apenas a uma safra ruim, mas a um processo de endividamento acumulado desde 2020. Mesmo com produção positiva, tem muito pedido para sair ainda de produtores com alto nível de alavancagem. Há uma mudança no perfil geográfico das recuperações. No início, era muito concentrado em comarcas de Mato Grosso e Goiás. Agora há casos em Minas Gerais, e em várias regiões, com a disseminação das recuperações judiciais. Há pulverização maior, com pedidos de valores menores, mas espalhados pelo País. As consequências do cenário atual se estendem a toda cadeia do agro. A instituição tem menos relação direta com o produtor que pediu a recuperação, mas ele arrasta muitos outros produtores, fornecedores, cadeia de insumos e serviços. É um efeito de contaminação.
Esse ambiente levou as instituições financeiras a adotarem mais cautela. Hoje, sem alienação fiduciária (quando o bem financiado fica como garantia) o dinheiro não é liberado. Antes, os produtores que arrendavam parte das terras conseguiam crédito sem isso. Agora, não mais. É difícil aprovar crédito sem garantias mais robustas. O mercado de capitais voltado ao agronegócio também sofreu. Os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), títulos de renda fixa lastreados em dívidas de empresas do setor agropecuário que captam recursos de investidores, e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), veículos que permitem investimento em diversos ativos ligados ao agronegócio, foram exemplos citados. Se olhar qualquer painel que resume a taxa de rentabilidade de Fiagros, os números são negativos. O mercado de Fiagro está praticamente fechado, e de CRAs só para nomes muito especiais, com condições específicas. O problema não está na recuperação judicial em si, mas em seu uso distorcido. Se bem utilizada, dá fôlego para o produtor se reorganizar.
O que aconteceu foi um desvirtuamento. Há casos de produtores que aumentam artificialmente dívidas pouco antes de pedir a recuperação. Isso quebra totalmente a confiança do sistema financeiro. A percepção do risco se transformou. Antes, o banco era mais flexível porque confiava no produtor. Agora, qualquer movimento fora do ciclo normal de produção já acende o alerta vermelho. São poucos os que conseguem voltar a operar normalmente. O mercado se afasta desse perfil. É uma cicatriz permanente. Diante disso, é preciso ajustes legais. O jeito que a recuperação judicial está desenhada hoje, praticada, precisa ser reformada, como foi reformada para empresas e pessoas jurídicas há dois anos. Apesar do cenário adverso, há espaço para retomada. O agro ainda é o setor mais produtivo da economia. Em condições normais, o produtor renegocia suas dívidas e se recupera naturalmente. Mas, é preciso amadurecer institucionalmente, com regras mais claras e que evitem distorções. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.