28/Mar/2025
Fundador da Fama Re.capital, primeira gestora de ativos voltada a unir retorno dos investimentos com o impacto para um futuro mais sustentável, Fabio Alperowitch diz que os ventos que levaram grande parte das companhias e agentes financeiros a se comprometer com questões climáticas, logo após a pandemia, não era a preocupação genuína. “Eram interesses em captar recursos, porque era o momento em que o mundo falava disso.” Com a mudança no tabuleiro político, os compromissos dessas companhias desapareceram como tinham surgido. A Fama lançou, há pouco mais de um ano, seu fundo de transição climática para empresas. Já começaram a ter ganhos financeiros, assim como a gestora, que teve resultados acima do Ibovespa. Segue a entrevista:
O mercado financeiro vai voltar a ficar preocupado com sustentabilidade?
Fabio Alperowitch: Desde 2020, vivemos um boom de narrativas, newsletters, podcasts com esse discurso, que começou a se reverter poucos anos depois, em face de uma série de questões, como, por exemplo, a guerra da Ucrânia. Em 2025, vemos um desmonte muito grande de compromissos firmados tanto por empresas quanto por agentes financeiros. A questão por trás de tudo isso é óbvia: o curto “prazismo” e o “dinheirismo”. Ou seja, a busca por retornos imediatos, que é o que tem pautado a agenda do mercado financeiro há muitos anos. Os ventos que levaram grande parte dessas companhias a se comprometer com as questões climáticas não eram a preocupação genuína, mas, sim, interesses de captar mais recursos, porque era o momento em que o mundo falava disso.
Enfrentamos uma corrida contra o tempo em relação ao aquecimento global. Para o sr., vai chegar um momento em que todos se unirão em busca de soluções?
Fabio Alperowitch: Há cinco ou dez anos, falar de mudanças climáticas, para muitas pessoas, era uma possibilidade ou uma teoria que, eventualmente, ia se materializar no longo prazo. A questão é que ela já está nas nossas vidas. Foi, por exemplo, o que aconteceu no ano passado no Rio Grande do Sul, ou com o fato de que quase todos os brasileiros passamos um mês respirando fumaça. Ou assistir às casas de seus artistas preferidos queimando na Califórnia, no começo deste ano. A realidade se impõe e a natureza é muito maior do que Trump (Donald Trump, presidente americano, que tem tomado decisões negando as mudanças climáticas). Esse movimento também tem a ver com a questão do “dinheirismo”. No momento em que ficar claro que a questão financeira começa a se materializar com perda agrícola, com elevação de preços dos seguros, com efeito inflacionário de alta de commodities agrícolas etc., as pessoas serão compelidas a mudar de atitude, porque o interesse deixa de ser uma questão humanista, social ou ambiental, e passa a ser econômica. Isso é mobilizante. Infelizmente, a gente tem de chegar a esse ponto para, eventualmente, ver mobilização. Ainda não estamos nesse ponto. Sentimos um aperitivo do que vem pela frente. E vem muito mais.
A Fama lançou seu primeiro fundo ativista. Só que é um ativismo diferente do que a gente vê nos filmes americanos. Como é esse conceito?
Fabio Alperowitch: O ativismo dos filmes significa briga, e eu tento ressignificar essa palavra, porque somos muito colaborativos. Percebi tardiamente que, quando eu ia para as empresas e trazia propostas e ideias de descarbonização, meu argumento era moral e ético. Era falar sobre a responsabilidade das companhias nesse processo de esforço coletivo. A área de sustentabilidade das empresas adorava, mas a de negócios não via ali seu papel, que é vender produto, serviço, lucrar mais. Percebi, então, que precisávamos fazer o óbvio: trazer o enfoque econômico. No momento em que levamos para as empresas a perspectiva de que descarbonizar cria valor, em vez de ser simplesmente mais uma despesa no balanço, a narrativa começou a entrar em outros lugares. Lançamos, então, um fundo de transição climática, no qual a gente faz o oposto da grande maioria dos fundos do mundo, que investem em empresas verdes. A gente investe em empresas excelentes, porém poluentes, e trazemos um plano de descarbonização, que gera valor econômico.
Há exemplos práticos de como isso funcionou na Marfrig ou na SLC Agrícola, nas quais a Fama investiu?
Fabio Alperowitch: São dois casos emblemáticos, por algumas razões. Primeiro, o perfil das emissões de gás de efeito de estufa no Brasil é muito diferente do da grande maioria dos países, proveniente de combustíveis fósseis. Nossa matriz energética é relativamente limpa, e a grande maioria das emissões vem do uso da terra, como agricultura e mineração, que levam ao desmatamento. A gente precisava de grandes exemplos para poder provocar um efeito sistêmico, inclusive regulatório. A SLC é uma das maiores produtoras de soja do mundo, com mais de 800 mil hectares sob gestão. O ano passado foi um período de efeitos climáticos bastante severos, quando grande parte dos produtores rurais, grandes e pequenos, perderam boa parte da sua produção. Curiosamente, nas propriedades em que foi implementada a agricultura regenerativa a perda foi muito menor.
E na Marfrig?
Fabio Alperowitch: A pecuária também é um setor bastante emblemático, visto como inimigo de ambientalistas. A Marfrig está num caminho muito interessante de rastrear 100% da cadeia e, com isso, ela consegue muitas vantagens. A primeira, exportar para o mercado europeu, que, por conta da nova legislação, vai ser fechado para empresas que tenham cadeia de desmatamento. Na China, por exemplo, já se paga mais por um boi rastreado, não por questões climáticas, mas por questões sanitárias; então, você consegue eventualmente “descomoditizar” uma commodity.
Fonte: Broadcast Agro.