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25/Mar/2025

Estímulos fiscais têm potencial para elevar inflação

A uma plateia formada por funcionários da fábrica da Toyota em Sorocaba (SP), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou os anúncios de, nas palavras dele, "dois novos instrumentos" que ajudarão os brasileiros a "viabilizar o sonho de cada um". "O que aconteceu nas últimas duas semanas é uma coisa que faz crer que todo esforço vale a pena." O ministro se referia ao lançamento do crédito consignado aos trabalhadores do setor privado, já em operação, e ao projeto de lei que prevê a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda para salários de até R$ 5 mil a partir de 2026. No mercado, porém, os anúncios foram recebidos com muito menos entusiasmo. Com a economia crescendo claramente acima de seu potencial desde o ano passado, o que significa, em geral, menor capacidade dos setores produtivos em atender o aumento do consumo, os economistas estão preocupados com o risco de os novos estímulos fomentarem mais a inflação do que a atividade econômica.

É possível que os novos estímulos não tenham a mesma potência dos impulsos que produziram as surpresas no crescimento econômico dos últimos dois anos, entre os principais, os pagamentos dos precatórios, a ampliação do Bolsa Família e os reajustes acima da inflação do salário-mínimo. A capacidade de produção da economia não sobe o suficiente para atender o crescimento da demanda, de modo que estímulos econômicos batem mais rápido na inflação, assim como levam a um aumento das importações de bens e serviços, o que contribui para o mercado olhar com maior atenção ao déficit das transações correntes com o exterior. O Santander observa que, em dezembro de 2023, quando o governo liberou o pagamento de precatórios que estavam atrasados, injetando mais de R$ 90 bilhões na economia nos meses seguintes, o País crescia muito próximo de seu potencial, permitindo que o estímulo se traduzisse mais em crescimento e menos em inflação. Não é a situação atual.

Evidências apontam a um hiato do produto (diferença entre o crescimento efetivo e potencial) bem positivo. Isso joga contra colocar ainda mais dinheiro do lado fiscal e estimular mais a economia, porque tende a se traduzir cada vez mais em inflação e menos em crescimento. Conforme estimativas dos economistas de quatro instituições financeiras (Santander, Itaú Unibanco, Monte Bravo e ASA), o impulso ao Produto Interno Bruto (PIB) das principais medidas de estímulo anunciadas pelo governo neste ano deve ficar entre 0,5% e 0,7% até 2026. A autorização de saque de R$ 12 bilhões dos saldos retidos do FGTS é considerada a de menor impulso econômico: 0,1% do PIB. O efeito do crédito consignado a trabalhadores do setor privado vai depender do apetite dos bancos pela nova linha, mas hoje é estimado em algo entre 0,2% e 0,3%. O maior impacto deve vir mesmo da isenção do imposto de renda para R$ 5 mil, acompanhada por descontos no tributo para os salários na faixa acima de R$ 5 mil até R$ 7 mil.

O impulso varia de 0,2%, na conta mais conservadora, feita pela Monte Bravo, a 0,4% do PIB do ano que vem, conforme o prognóstico mais otimista, calculado pelo Itaú. Uma vez aprovado pelo Congresso, mais 10 milhões de brasileiros deixarão de pagar imposto de renda a partir do ano que vem. Para analistas, a compensação via tributação de rendas superiores a R$ 50 mil por mês não deve anular por completo o efeito sobre o consumo. Primeiro, porque não há certeza de que a medida será suficiente para cobrir todo o custo da nova faixa de isenção. Nas estimativas da Warren Investimentos, por exemplo, a isenção traz uma perda de arrecadação de R$ 34 bilhões, mais do que os R$ 25,8 bilhões previstos pelo governo, enquanto os ganhos com a tributação da alta renda são de R$ 29,7 bilhões. Ou seja, faltariam R$ 4,3 bilhões para a conta fechar. Além disso, a compensação proposta pelo governo, mesmo que seja no mesmo tamanho da renúncia prevista com a isenção, atinge contribuintes com maior propensão à poupança.

Pagar mais imposto não necessariamente fará com que eles gastem menos, mas sim poupem menos. Apesar disso, os impulsos devem ser amortecidos pelos efeitos da elevação dos juros, que chegaram a 14,25%, com aviso do Banco Central de que haverá pelo menos mais um aumento em maio. Os analistas também observam que parte dos recursos deve ser destinada ao pagamento de dívidas, e não diretamente ao consumo. O saldo final é o crescimento de 2% previsto pelo mercado para o PIB deste ano, e de 1,6% em 2026. Para a Leme Consultores, medidas de estímulo à demanda têm impacto menor na atividade e maior na inflação quando a economia opera em baixa ociosidade. No limite, caso siga, de forma independente, sua política de metas de inflação, o Banco Central teria que endurecer a política monetária para anular ao menos parcialmente esses efeitos. Para o ASA, a desoneração do imposto de renda representa, na prática, mais dinheiro na mão dos consumidores, mas com efeito, se comparado aos precatórios, mais distribuído no tempo, por se tratar de uma renda mensal.

De todo modo, impulsos fiscais são temporários e elevam o nível de preços, efeito que tem sido visto mais claramente nas expectativas de inflação, que seguem acima da meta. Apesar da tendência de desaceleração por conta, principalmente, dos juros mais altos, a economia deve continuar crescendo acima do potencial. Conforme analistas, o hiato do produto pode continuar positivo por mais dois anos, tendo agora a contribuição dos últimos estímulos ao consumo anunciados pelo governo: liberação do saldo retido do FGTS, crédito consignado ao setor privado e isenção do imposto de renda a mais brasileiros. O hiato é uma das variáveis observadas pelo Banco Central (BC) nas decisões sobre juros, já que quanto mais a atividade cresce acima do potencial, maior é a pressão sobre a inflação. A resiliência do hiato vem muito dos impulsos dados desde o começo do governo. Houve um aumento importante dos gastos no primeiro ano, depois vieram os pagamentos de precatórios, e agora entra uma nova fase de estímulos.

Tudo isso acaba mantendo a demanda doméstica mais aquecida, comenta a corretora Monte Bravo. A diferença entre o crescimento efetivo e o potencial diminuiu, mas não deve zerar antes do quarto trimestre. O Brasil terá ainda um período de crescimento acima do potencial, dado o nível que o PIB atingiu. Em seu último relatório trimestral de inflação, publicado em dezembro/2024, o Banco Central estimava em 0,7% o hiato no quarto trimestre do ano passado. O ASA não espera fechamento desse gap até o ano que vem. O crescimento só deve voltar ao potencial em 2027 ou 2028. A Western Asset estima o hiato em 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e só deve voltar para perto da neutralidade no segundo semestre de 2026. As medidas de ampliação do crédito, incluindo o consignado privado, mais novos impulsos fiscais e parafiscais, podem tornar esse fechamento ainda mais lento.

Novos estímulos fiscais e parafiscais tendem a acelerar a demanda, mas há o risco de que parte desse movimento se traduza em maior pressão inflacionária e, também, leve a uma deterioração adicional da conta corrente, com possíveis efeitos sobre a taxa de câmbio. No cenário do Itaú Unibanco, o hiato deve diminuir nos próximos trimestres, porém permanecer positivo até o fim do ano que vem. O banco estima a parcela do PIB acima do potencial em 1,5%. Os novos estímulos fiscais terão impacto semelhante aos das medidas lançadas nos últimos anos. No entanto, no momento, os efeitos defasados da política monetária mais contracionista devem contrabalançar parte desses estímulos. Segundo o Ministério da Fazenda, as medidas de crédito em preparação pelo governo Lula, somadas às propostas em tramitação no Congresso que o Executivo quer destravar, têm o potencial de reduzir em um terço a taxa média de juros cobrada das famílias do País.

As propostas integram a agenda microeconômica da Pasta e estão entre as principais apostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar reverter a queda de sua popularidade, que atingiu o nível mais baixo de seus três mandatos. Hoje, a taxa média dos juros para pessoas físicas está em 33,8% ao ano, incluindo o crédito livre, definido pelos próprios bancos, e o direcionado, que tem subsídios do governo. Os dados, coletados pelo Banco Central, são referentes a janeiro, último dado disponível. Dá para cortar o spread (custo do crédito) pela metade, levando a taxa média de juros para algo próximo de 20%. O Brasil já conseguiu promover uma forte inclusão de brasileiros no sistema financeiro, com 190 milhões de contas bancárias, 200 milhões de cartões de crédito ativos e mais de R$ 4 trilhões em crédito concedido para as pessoas físicas.

Por isso, a palavra-chave neste momento não é mais inclusão, mas sim autonomia financeira. Nos últimos anos, houve um esforço grande e bem-sucedido de inclusão financeira dos brasileiros. Mas isso não é suficiente: é preciso agora dar autonomia financeira, ou seja, ferramentas para que as pessoas tenham acesso a produtos de qualidade e a juros mais baixos. As medidas de crédito são estruturais e, por isso, é refutada a crítica de que essa agenda poderá atrapalhar o trabalho do Banco Central de controlar a inflação. Tudo que aumenta a produtividade da economia vai no sentido de ajudar o Banco Central, porque significa aumento de crescimento econômico sem gerar inflação. Responsabilidade fiscal e inflação na meta são condições necessárias para o País crescer de forma sustentável, mas não suficientes; é preciso melhorar a produtividade. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.