21/Mar/2025
O secretário extraordinário do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, André Lima, atribui as dificuldades que o governo federal tem enfrentado no controle do fogo às mudanças climáticas e à inexistência de um sistema nacional estruturado de prevenção e combate a incêndios até o ano passado. Lima considera “injusta” a avaliação de que o governo federal deveria ter se preparado com maior força e antecedência para enfrentar a situação dos incêndios. Ele enfatiza também a responsabilidade compartilhada na gestão de risco pelos Estados, municípios e proprietários rurais.
O governo tem conseguido reduzir o desmatamento na Amazônia, mas o fogo na floresta aumentou nos últimos dois anos, com recorde de focos em 2024. Qual a avaliação do ministério sobre os erros de estratégia?
André Lima: Não concordo com essa avaliação. A gente não tinha assim nenhum indicador em janeiro (de 2024), por exemplo, de que poderia ter essa seca extrema na Amazônia do jeito que teve. Não houve duas secas consecutivas na Amazônia nas últimas décadas, que eu tenha conhecimento. Além disso, não é responsabilidade do governo federal apagar fogo no Brasil inteiro. Isso precisa ser dito em “caixa alta”. O governo federal é responsável pelas terras indígenas, unidades de conservação, assentamentos. Tem Estados, é o caso do Mato Grosso do Sul, em que 90% dos incêndios acontecem em propriedades privadas. Essa responsabilidade é dos proprietários rurais, das prefeituras, dos corpos de bombeiros, das secretarias estaduais. Ou seja, é uma responsabilidade da sociedade como um todo. Com a aprovação da lei de política nacional de manejo do fogo, fica mais claro que essa responsabilidade é compartilhada com todas essas esferas.
O senhor avalia que o recorde de queimadas do ano passado teve mais a ver com essa responsabilidade do Estados do que do governo federal?
André Lima: Não, não. Teve mais a ver com os efeitos reais das mudanças climáticas e as secas recorde que atingiram o Brasil dois anos seguidos. Esse foi o principal fator. Porque a coordenação, melhor ou pior, sempre foi assim durante muitos anos e a gente nunca teve esse problema. Aumentamos os esforços de combate a incêndios e o problema foi mais grave.
O que está sendo feito para afinar o diálogo e apoiar essas outras esferas?
André Lima: O governo federal aprovou R$ 405 milhões disponíveis aos nove Estados amazônicos para projetos para fortalecimento dos corpos de bombeiros. Estamos agora com R$ 30 milhões do Fundo Nacional de Meio Ambiente para fazer planos de manejo integrado do fogo em pelo menos 20 municípios mais críticos da Amazônia. Estamos agora trabalhando com a Caixa Econômica Federal para poder usar recursos do Fundo Amazônia para comprar equipamentos para Estados não amazônicos. Já estamos numa segunda reunião de planejamento conjunto com o Mato Grosso do Sul e o Mato Grosso, porque a área mais crítica no curto prazo, para maio, junho e julho, é o Pantanal. Infelizmente, não choveu o suficiente para alagar as áreas da região Sul do Pantanal e isso vai tornar aquela região bastante vulnerável.
O ministério anunciou que haverá 4.608 brigadistas (4.358 brigadistas florestais federais + 250 servidores efetivos) neste ano, 25% a mais do que no ano passado. Esse número é suficiente para conter o fogo?
André Lima: Se dobrar, não vai resolver o problema. Não é o Ibama e o ICMBio que têm de multiplicar por dez (o efetivo) para apagar incêndio no Brasil. É de baixo para cima que se resolve o problema. O primeiro “foguinho” se apaga com o pé. Tem de criar mecanismos para o proprietário rural que vê um fogo lá na beira da estrada, em vez de ligar para polícia e ir embora, ir lá com um abafador, chamar os vizinhos, e apagar. É preciso criar comunidades resilientes ao fogo.
As brigadas não atuam só no combate, mas também na prevenção. Grande parte dos brigadistas federais é de contratação temporária, para o período emergencial. Não faria sentido ter brigadas permanentes em locais mais críticos?
André Lima: Contrata-se com nove meses de antecedência, três, quatro meses são preparatórios, treinamento, capacitação, medidas preventivas. E quatro, cinco meses são de combate. Brigadista não é um cargo efetivo de governo, não tem concurso público. Contratam-se brigadistas por edital para períodos. Como isso nunca foi um problema tão grave, as normativas eram para contratação efêmera, por seis meses. Acontece que a janela aumentou: hoje a gente tem região em que é fogo quase o ano inteiro.
O segundo semestre costuma ser o período mais crítico para incêndios. Vai ter fogo quando o Brasil estiver recebendo chefes de Estado para a COP? Isso é uma preocupação?
André Lima: É uma preocupação, claro, mas temos de fazer o nosso trabalho independentemente da COP. Nossa preocupação é com os incêndios. Na COP, a preocupação é que isso ganha evidência maior, né? Mas não vamos ter recursos a mais para enfrentar os incêndios por causa da COP. Vamos ter recursos a mais e estamos aumentando a nossa capacidade porque avaliamos que, infelizmente, esse problema será constante e cada vez mais intenso. E vamos fazer o possível com os recursos disponíveis para termos uma COP com o mínimo de fumaça.
Fonte: Broadcast Agro.