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20/Mar/2025

Governo não tem gerência sobre preço de alimentos

A discussão sobre os preços dos alimentos é séria, requer atenção da sociedade brasileira e traz dados preocupantes. O IPCA acumulado em 12 meses (março/2024-fevereiro/2025) foi de 5,06% para o índice geral, 7,1% para o índice de alimentos no domicílio e 6,72% para alimentação fora do domicílio. O cenário para 2025 não difere muito. Observando o IPCA acumulado em janeiro e fevereiro de 2025, os índices foram: 1,47% para o índice geral, 1,87% para alimentação no domicílio e 1,14% para alimentação fora do domicílio. Alimentos continuam acima do índice geral, portanto. O assunto foi estranhamente politizado pelo governo, que acabou trazendo para si a percepção da opinião pública sobre o tema. A politização gerou um debate desgastante para o governo, que se viu obrigado a se justificar sobre aumento de preços em 2024, apesar de não ter controle algum sobre os mercados agropecuários. Até a oposição, em ato realizado no fim de semana passado, tentou tirar proveito da situação, visando culpar o governo pelo aumento dos preços dos alimentos.

Teria feito mais sentido o governo identificar os setores nos quais os aumentos de preços foram mais expressivos e chamá-los para conversar. O governo fez isso, mas depois que a responsabilidade já havia sido colocada sobre ele. Quando os setores foram chamados, a politização estava instalada, e o debate com o governo ficou truncado. Cada setor tentou se defender individualmente, iniciando um processo de atribuição de culpa. Como já disse o U2: "Will it make it easier on you now? You got someone to blame". Os setores que registraram as maiores altas de preços ao consumidor em 2024 foram, em ordem grandeza do valor acumulado do IPCA no ano: café torrado (39,6%), óleo de soja (29,2%), carne suína (20,1%), carne bovina (18,9%) e carne de frango (9,3%). O ovo, por outro lado, teve deflação de -4,5%. Em 2025, apenas o óleo de soja (-2,84%) e a carne suína (-1,36%) registraram queda nos preços. As maiores altas até agora vêm do café (20,2%) e dos ovos (16,41%). Em um de seus discursos, o presidente Lula afirmou que queria que o preço do óleo de soja, setor no qual trabalho, retornasse aos níveis do início de seu governo, ou seja, ao começo de 2023.

No entanto, o IPCA acumulado de janeiro de 2023 até fevereiro de 2025 mostra que, dos setores mencionados acima, apenas o óleo de soja teve deflação (-9,6%), todos os demais registraram inflação acumulada no período. Ou seja, dependendo de como os dados são organizados, praticamente qualquer discurso pode ser construído. Isso significa duas coisas: os preços dos alimentos são voláteis e sempre foram. Eles não são mais voláteis no governo Lula III do que foram em todos os governos anteriores, nem mesmo comparando com Lula I e II. Além disso, setores do agronegócio não podem cometer o erro de afirmar, quando questionados sobre o aumento de preços, que a culpa recai sobre outro setor dentro da cadeia produtiva. Imagine agroindústrias tentando culpar o varejo, o varejo tentando culpar as agroindústrias, a indústria de proteína animal culpando os produtores de milho e farelo de soja, todos culpando os produtores de biodiesel e etanol pelo aumento dos combustíveis e do preço das rações, as agroindústrias culpando os produtores rurais, e os produtores rurais culpando os fornecedores de insumos.

O discurso tem de ser único e coerente: os preços são voláteis, há choques de oferta que fogem ao controle dos agentes produtivos e das cadeias de suprimento, preços elevados estimulam maior produção e, consequentemente, os preços cairão. Mais importante, o Brasil tem o privilégio de possuir oferta suficiente tanto para o consumidor doméstico quanto para exportação. Além do efeito U2, a politização da discussão sobre preços trouxe outro efeito negativo significativo: formadores de opinião caíram na tentação de opor alimentos e energia. O Brasil lidera a frente de batalha global contra esse tipo de argumento, que tem sido cuidadosamente construído por nações sem capacidade de expansão da produção agropecuária. Há pelo menos 20 anos, o Brasil gera inteligência, forma especialistas, participa de debates internacionais e publica estudos em revistas internacionais para desmontar o discurso do food versus fuel. Não tenho a intenção de transformar um fato real, que foi o aumento dos preços dos alimentos nos anos recentes, em algo irrelevante.

O tema é de extrema importância, e enfatizo isso a seguir. Mas bastou os preços subirem para que aqueles que guardavam o segredo no armário, saíssem dele e resgatassem o debate do food versus fuel. Infelizmente, e essa é minha única crítica ao governo federal brasileiro, foi dentro do próprio governo que esse assunto foi trazido à tona. Faltou cuidado e visão estratégica para não misturar um tema estrutural, fruto de anos de trabalho, com um problema conjuntural e cíclico, como o preço dos alimentos. Espero que o governo compreenda a necessidade de valorizar os ativos que estamos construindo ao integrar os setores de alimentos e da energia. Agora, um elogio ao governo. Não há justificativa para a politização do anúncio das medidas adotadas. A palavra que mais ouvi sobre essas medidas foi "inócuas". No entanto, não cabe ao setor produtivo nem a agentes públicos fazer esse julgamento. Mesmo sabendo que há medidas estruturantes a serem tomadas, o problema atual é de curto prazo e exige soluções implementáveis rapidamente. Esse julgamento deveria ter sido deixado para analistas independentes.

Se não há medidas de curto prazo com força para alterar a trajetória dos preços, e eu me incluo entre os que reconhecem isso, não se pode desprezar o esforço do governo em adotar medidas que ao menos criem expectativas favoráveis à redução dos preços. Do lado do setor produtivo, cabe a nós trazermos racionalidade para o debate e para nossas reações: os preços de alimentos são voláteis porque dependem da natureza, têm ciclos anuais e precisam de um ano para se ajustar, estão sujeitos a efeitos climáticos e a variáveis macroeconômicas fora do nosso controle, como a taxa de câmbio. O que significa trazer a racionalidade de volta? Significa três coisas: primeiro, os setores produtivos precisam ser claros e oferecer explicações que tranquilizem a sociedade. Segundo, os setores produtivos não podem recorrer ao efeito U2: "a culpa é minha e eu jogo em quem eu quiser". E, terceiro, o governo não pode cair na armadilha de alimentar um debate que favoreça os críticos do agronegócio brasileiro, especialmente a falsa dicotomia entre alimentos e energia (food versus fuel). Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.