18/Mar/2025
O economista José Roberto Mendonça de Barros tem uma visão pessimista das consequências dos primeiros movimentos de Donald Trump em seu novo mandato nos Estados Unidos. Com as medidas e as retaliações a elas por outros países, a própria economia norte-americana deve colher inflação alta, juros maiores e baixa do mercado de ações. Ao instituir sobretaxa de 25% sobre a importação de aço e alumínio, o presidente dos Estados Unidos escalou uma guerra comercial. Segue a entrevista:
O governo americano começou a aplicar as tarifas que prometeu. Parece que Trump gosta delas para tudo, para reindustrializar o país, conter a entrada de drogas, pressionar parceiros comerciais e resolver o déficit americano. Assim, estamos vendo o início de uma guerra comercial que vai trazer efeitos negativos?
José Roberto Mendonça de Barros: Olivier Blanchard, que foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), disse exatamente isso. Para Trump, as tarifas servem para tudo. Os mercados estavam otimistas. Mas eu queria distinguir os mercados financeiros e mais o Vale do Silício, porque eles participaram da evolução da campanha, em uma clara aliança com Trump. O pessoal do lado real da economia estava otimista, mas não fazia parte da primeira linha de apoio. Nunca tiveram o mesmo grau de otimismo. Esses dois grupos tinham a economia como expectativa, mas era uma questão mais de ideologia, e não puramente técnica. Eles esperavam a desregulamentação generalizada e que isso de alguma forma geraria uma era de ouro, porque muitos investimentos iriam para os EUA. A ideia era que o governo desregulamentaria os negócios, e aconteceriam muitas fusões e aquisições, o que movimentaria as Bolsas. E isso geraria um impacto econômico.
E como os economistas estavam vendo as propostas do governo?
José Roberto Mendonça de Barros: Os economistas, em geral, nunca viram com otimismo o que o governo Trump prometia. Essa mistura de tarifas e tumulto no mercado de trabalho parece uma receita para levar o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) a aumentar os juros no fim do ano, e que geraria estagflação. Esse seria o meu cenário e da imensa maioria dos economistas. E algo adicional a isso, e bizarro, é o que ele queria fazer com as criptomoedas. Ele mesmo emitiu criptomoeda. As cotações foram até o céu e agora voltaram tudo para trás. O que existia para o governo, e sem uma base de teoria econômica, era o otimismo, mas os economistas nunca tiveram dúvidas de que as tarifas são prejudiciais.
Os mais otimistas do mercado diziam que Trump usaria as tarifas apenas como instrumento de negociação. Não é isso o que vai acontecer?
José Roberto Mendonça de Barros: Criou-se uma lenda, que não é a realidade, de que Trump usa as tarifas como tática de negociação. Mas, mesmo que as tarifas no final do processo acabassem baixas, todo esse processo só paralisa as decisões de investimentos e vai prejudicar muito a economia por um longo tempo. A segunda coisa, e que não está na cabeça de Trump, é que existem as retaliações. Além disso, ele fala que vai aumentar as taxas e depois volta atrás. Mas, à medida que as coisas avançam, ocorrem aumentos de tarifas de verdade, como as do aço e alumínio. O secretário do Comércio (Howard Lutnick) falou que o cobre também vai entrar na lista. E são tarifas altas. As taxas de 20% para a China são coisa alta.
As chances de Trump ter sucesso no final, então, não são tão boas?
José Roberto Mendonça de Barros: Tem outro equívoco nessa visão de Trump. Ele acha que pode levar fábricas de volta para os EUA. Mas não são fábricas, mas cadeias produtivas.
Que, inclusive, os próprios americanos levaram as últimas décadas para desenvolver, não?
José Roberto Mendonça de Barros: Sim. Eles acharam que era melhor para o consumidor americano ter essas cadeias de produção globais. Os preços ficaram menores. Desmontá-las traz impactos. Trump ainda não começou a sentir os efeitos de quando tudo começar a subir de preço. O número de inflação que saiu na quinta-feira (13/03) ainda é confortável. Mas está tudo no começo ainda. O programa econômico de Trump é muito ruim. Ele não vai levar a indústria de volta para os EUA e os custos econômicos serão enormes.
Quais custos?
José Roberto Mendonça de Barros: O primeiro custo é a queda do mercado financeiro e que fica sem perspectivas de volta. Existe ainda um monte de improvisos no que ele está fazendo. Não é um caminho que se possa sustentar. Os EUA são poderosíssimos, mas não têm gás para brigar com todo mundo. E está quieta ali no canto alguém que só vai acompanhando tudo, a China. Quem tem mais chances de se sair melhor de tudo isso são eles. Os chineses estão controlados. Eles não estão aflitos, e estão vendo tudo. A confusão toda está acontecendo com aliados americanos de décadas, e dando um prêmio para Putin, que é um negócio incompreensível. Já aconteceu uma mudança estrutural, que foi forçar a Europa a se armar. Nos últimos dias, a Europa já mudou. Para a Alemanha, são mudanças de uma direção que já durava 80 anos. Os alemães são consistentes. Eles vão se rearmar. Duvido que isso seja favorável para os EUA em médio e longo prazos. Em muito pouco tempo, Trump promoveu uma queima de soft power, como nunca vi na vida um negócio desses.
Fonte: Broadcast Agro.