07/Mar/2025
Atual presidente do conselho curador da Fundação FHC, Celso Lafer esteve à frente, durante os governos de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso, dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e das Relações Exteriores. São exatamente essas as duas pastas que, hoje, precisam lidar com as ameaças tarifárias do presidente norte-americano, Donald Trump. Lafer defende o que chama de “diplomacia do concreto”, o que significa analisar linha por linha das tarifas adotadas e responder de uma forma pragmática, para evitar prejuízos econômicos ao Brasil. Ele também vê risco de perda do chamado “soft power” dos Estados Unidos e de guerra comercial pelo mundo. Segue a entrevista:
O Brasil pode evitar a imposição de tarifas mais altas para seus produtos?
Celso Lafer: O Brasil, comparado com outros países, tem uma posição relativamente mais fácil. Não está no coração das tensões internacionais e não coloca riscos maiores para outras economias. Inclusive, os EUA têm superávit contra o Brasil.
O que vai dificultar, então, nas negociações é que Trump parece querer tirar vantagem em cada ponto?
Celso Lafer: Ele tem uma atitude de especulador imobiliário. Trump acha que o comércio mundial é um terreno em que ele pode obter “deals”, para obter o melhor negócio. Mas isso traz resultados negativos. Os EUA têm “hard power”, mas também tem o “soft power”, por meio da sua reputação. Eu acho que o Trump está dilapidando o capital diplomático dos EUA.
O “soft power”, inclusive, é uma das grandes vantagens dos EUA em relação à China. É arriscado perder essa grande vantagem? E a China pode se beneficiar do tratamento dado por Trump a seus aliados, como se fossem inimigos?
Celso Lafer: Sem dúvida nenhuma. A China se beneficiará, penso eu, dessa dinâmica que o Trump está colocando. Sendo que, se no campo do comércio o tamanho do mercado é uma dimensão do seu poder, a China tem poder. Ela pode encontrar vantagens, redirecionar o seu comércio, a partir de perdas dos Estados Unidos.
Qual é a lógica de negociação de Trump?
Celso Lafer: O Trump tem a estratégia da sua personalidade. Ele é um “decisionista”. Ele exacerba o conflito. Ele rejeita ser circunscrito por normas. Ele aprecia as polarizações. Está sempre pronto para identificar inimigos reais ou imaginários. Isso se materializa na sua conduta interna em relação às instituições americanas, como algo que ele não deseja ver frear as suas intenções. Daí, esse número de ordens executivas que ele vem diariamente apresentando. E isso se expressa no exercício do unilateralismo soberano de uma grande potência e do poder que os Estados Unidos possuem.
Ele vê a diplomacia internacional como algo estritamente transacional, desconsiderando as dimensões geopolíticas e de boas relações diplomáticas?
Celso Lafer: A maneira de o Trump ser nada tem a ver com a “comitas gentium” da diplomacia, a cortesia. É apenas a expressão de atos inamistosos. Suas palavras e políticas se apresentam como atos inamistosos. E elas podem levar a contramedidas por parte dos Estados atingidos por essas iniciativas, que buscarão fazer respeitar e proteger os seus interesses. Essas contramedidas resultarão de uma calibração do possível, que serão fruto da economia e do poder dos atingidos pelo unilateralismo do Trump. Por exemplo, é visível que, no caso do Canadá e do México, que têm uma parte preponderante dos seus comércios e das suas economias ligada aos Estados Unidos, eles são mais vulneráveis do que outros países.
Como o Brasil pode reagir e responder ao movimento de Trump, na prática?
Celso Lafer: O Brasil não está na primeira linha da mira de Trump. A primeira linha dele foi o México e o Canadá, de maneira surpreendente, pela maneira que ele está tratando dois vizinhos, cujas economias são muito interligadas com os Estados Unidos. Mas o Brasil está sendo alvejado pelo tiroteio de Trump, em especial, no aço e no alumínio. Agora, isso está ao nosso alcance pelo repertório de conhecimentos de que o Brasil dispõe, pelo governo e pelo setor privado. Não só o Itamaraty, mas o Ministério do Desenvolvimento também tem um conhecimento aprofundado sobre as negociações comerciais. Está também ao alcance do setor privado em etanol, alumínio, carne, que podem estar na mira do Trump. (O escritor) Ernest Hemingway dizia que coragem é “grace under pressure”. É manter a dignidade mesmo estando debaixo da pressão. Estamos diante da pressão de atos inamistosos. Nós precisamos calibrar as respostas adequadas que estão ao nosso alcance. Precisamos aferir riscos e oportunidades, inclusive de diversificação de nosso comércio exterior.
O Brasil, então, deverá pensar muito pragmaticamente em como responder a Trump?
Celso Lafer: Pensar muito pragmaticamente e com o domínio técnico. Precisamos saber o que podemos negociar e o que não dá, o que tem remédio e o que não tem remédio. Não é uma coisa que se coloca no campo da palavra. É uma coisa que se coloca no campo da postura e do conhecimento. Henry Kissinger (político e diplomata americano) dizia que quem não tem estratégia fica prisioneiro dos eventos. Nós, como país, precisamos ter uma estratégia calibradora dos nossos interesses, para não ficarmos prisioneiros dos eventos.
Fonte: Broadcast Agro.