26/Feb/2025
O Brasil, que este ano conta com a presidência rotativa do Brics, quer levar para as discussões que ocorrem no País maneiras de aumentar os fluxos comerciais, explorando medidas de facilitação do comércio e estimulando instrumentos de pagamento em moedas locais. A afirmação foi feita pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, durante pronunciamento a sherpas dos 11 membros do Brics, que se reúnem entre esta terça-feira (25/02) e quarta-feira (26/02) em Brasília. Os sherpas são os negociadores dos membros do bloco. O embaixador não cita em nenhum momento os Estados Unidos ou o presidente Donald Trump, que já ameaçou o grupo com sanções caso busquem a desdolarização. Sobre meio ambiente, o embaixador salientou que a crise climática é o desafio definidor do tempo atual. Embora as nações do Brics tenham assumido compromissos significativos com a sustentabilidade, devem reconhecer a profunda lacuna de financiamento que dificulta os esforços de adaptação e mitigação do clima nos países em desenvolvimento.
O Brasil vai propor um consenso do bloco a ser levado à COP30, que ocorre em novembro em Belém (Pará), como uma forma de pressionar as economias mais ricas. Apesar de contribuir pouco para as emissões históricas de gases de efeito estufa, o Sul Global sofre o impacto das mudanças climáticas, desde eventos climáticos extremos até a elevação do nível do mar e a perda de biodiversidade. Enfrentar essa crise requer não apenas ambição, mas também justiça. A justiça climática, de acordo com o chanceler, deve estar no centro das discussões internacionais, garantindo que as nações em desenvolvimento tenham a autonomia e os recursos necessários para a transição para uma encruzilhada de baixo carbono. As escolhas feitas hoje moldarão o futuro da governança global para as gerações futuras.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o multilateralismo está sendo testado e exige ação urgente e coletiva. "Nós nos reunimos em um momento crucial, de profunda transformação, onde os princípios do multilateralismo e da cooperação estão sendo testados por crises que exigem ação urgente e coletiva e em que rápidas mudanças tecnológicas e econômicas estão desafiando as estruturas tradicionais de governança", afirmou no evento, realizado no Palácio do Itamaraty. De acordo com o chanceler, instituições de longa data lutam para se adaptar, enquanto economias emergentes exigem, com razão, um papel mais equitativo na formação de decisões que afetam a todos. Neste cenário em evolução, o Brics tem um papel crucial a desempenhar na promoção de uma ordem mundial mais justa, inclusiva e sustentável.
Ele enfatizou também que um mundo multipolar não é apenas uma realidade emergente, mas um objetivo compartilhado. Um sistema global reequilibrado deve se basear em uma base mais firme de justiça e representação, argumentou em linha com o discurso de outras autoridades brasileiras. O embaixador comentou que o papel do bloco na formação do futuro nunca foi tão significativo e que a recente expansão do grupo, de 5 para 11 membros, foi um grande desenvolvimento. Ele citou que o Brics representa quase metade da população mundial e 39% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Também é responsável pela metade da produção global de energia. Esse Brics expandido carrega a promessa de uma fonte global que não é mais apenas uma participante dos assuntos globais, mas uma força influente e construtiva na formação da ordem internacional.
Mauro Vieira alertou que a Ordem Internacional construída após a Segunda Guerra Mundial se baseou em duas grandes promessas: um sistema de segurança coletiva centrado nas Nações Unidas e a visão de prosperidade por meio de um sistema de comércio multilateral baseado em regras. Hoje, as limitações dessas promessas são cada vez mais evidentes. Em segurança, vê-se atualmente uma série de problemas, como crise humanitária, conflitos armados, deslocamento forçado, alimentos e segurança e instabilidade política. No centro da discussão da reunião está o imperativo de redefinir a governança global de uma forma que reflita as realidades do século XXI. Ele acrescentou que a instituição mundial deve evoluir para acomodar perspectivas diversas, garantindo que as nações em desenvolvimento não sejam participantes passivas, mas “arquitetas ativas do futuro".
Sem citar os Estados Unidos em nenhum momento e nem o presidente Donald Trump, Vieira salientou que o Brics representa uma nova visão para a governança global, que prioriza a inclusão, a justiça e a cooperação em vez de hegemonia, injustiça, desigualdade e unilateralismo. As necessidades humanitárias estão crescendo, mas a resposta internacional continua fragmentada e, às vezes, insuficiente. Para enfrentar esses desafios, é preciso defender uma reforma abrangente da arquitetura de segurança global, que reflita as realidades contemporâneas e defenda nossa responsabilidade moral compartilhada de agir. Para o embaixador, o Brics deve defender uma abordagem multilateral para a resolução de conflitos, enfatizando a diplomacia, a mediação, a prevenção de conflitos e o desenvolvimento sustentável. Também deve pressionar por um sistema humanitário que não esteja sujeito a pressões políticas, que seja neutro e verdadeiramente universal, garantindo que a ajuda chegue àqueles que precisam.
O mundo testemunha um processo de desglobalização, políticas protecionistas, fragmentação comercial, barreiras não econômicas e a reconfiguração das cadeias de suprimentos ameaçam aprofundar as desigualdades globais. Para o chanceler, o Brics deve resistir a essa fragmentação e defender um sistema de comércio multilateral aberto, justo e equilibrado, que atenda às necessidades do Sul Global e promova uma ordem econômica multilateral genuinamente multilateral. Um aspecto fundamental dessa transformação é a reforma da arquitetura financeira. O sistema existente foi projetado para uma era diferente e muitas vezes falhou em abordar as realidades enfrentadas pelas nações em desenvolvimento. Vieira também defendeu que o bloco continue a promover mecanismos financeiros alternativos, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, mais conhecido como Banco dos Brics). A instituição desempenha um papel vital no financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. A resposta mais eficaz à crise do multilateralismo é mais multilateralismo.
Ainda sobre o Brics, a Arábia Saudita é considerada hoje um dos 20 membros do Brics, composto atualmente por 11 integrantes oficiais e nove parceiros. A situação do país no grupo, no entanto, é delicada porque participa dos encontros do bloco, apesar de ainda não ter feito a formalização. Inclusive, durante a reunião de sherpas (que são os negociadores de cada país no Brics), o representante saudita Ibrahim Alessa está presente. O grupo está reunido no Palácio do Itamaraty, em Brasília, num encontro que se estende até esta quarta-feira (26/02). O Brics foi criado em 2001, inicialmente composto por Brasil, Rússia, Índia e China. Dez anos depois, a África do Sul se incorporou ao bloco, que, a partir de 2023 foi ampliado. O processo de entrada no grupo se dá por meio de um pedido do país. Os membros do bloco se reúnem e deliberam pela entrada ou não, convidando oficialmente a nação. Após esse processo, há uma formalização do novo integrante, que aceita ou não participar. No caso da Arábia Saudita, todo o processo inicial foi feito, mas o país ainda não se manifestou oficialmente após o convite. Por enquanto, pelo menos, o Brics aceitou essa posição.
Enquanto os sauditas não disserem que não são parte do bloco, são considerados como tal. Há algumas questões, no entanto, que estão em aberto e são delicadas. As decisões do Brics são tomadas por consenso. Ou seja, se apenas um de seus membros for contrário a uma proposição, ela não irá adiante. A pergunta que se faz é se em algum momento de negociação a Arábia Saudita não aceitar aderir a algum ponto em discussão? Os demais vão aceitar essa posição mesmo não estando oficialmente no grupo? Outro questionamento pertinente é sobre até quando o Brics aceitará essa posição saudita de ficar em cima do muro. Até porque o país tem acesso a discussões e reuniões que as nove nações parceiras não têm. O assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Celso Amorim, argumentou que o bloco tem o papel de representar os países emergentes, mas que é preciso colocar um limite para que não perca sua coesão. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.