07/Feb/2025
Os maiores especialistas mundiais em mudanças climáticas não têm dúvidas de que o planeta está aquecendo. Nos últimos meses, porém, surgiu uma divergência importante. Grande parte dos cientistas acredita que, por alguma razão ainda não totalmente explicada, esse aquecimento está bem mais acelerado do que o previsto e um cenário climático catastrófico pode estar muito mais próximo do que se esperava. Outra parcela dos pesquisadores, no entanto, discorda. Segundo eles, a excessiva elevação da temperatura média da Terra, sobretudo nos últimos dois anos, está relacionada a fenômenos climáticos passageiros, como o El Niño, responsável pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico e aumento das temperaturas. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou que 2024 foi o ano mais quente da história, com temperatura média global de 1,55°C acima da média registrada antes da Revolução Industrial (meados do século 19).
Esse aumento está diretamente ligado à elevação da concentração atmosférica de gases gerados pela queima de combustíveis fósseis e à ocorrência de um El Niño forte em 2023. O ano também foi marcado pelo aumento de fenômenos climáticos extremos, como enchentes, secas e até incêndios fora de controle. No Brasil, alguns exemplos são a tempestade recorde que devastou o Rio Grande do Sul, em maio, e a estiagem recorde, seguida de uma escalada de incêndios, no Pantanal e na Amazônia. Este ano já começou com o espalhamento rápido do fogo em Los Angeles, nos Estados Unidos, que causou destruição inédita, sobretudo ao considerar que o Hemisfério Norte está no meio do inverno. Segundo os cientistas, só uma redução drástica das emissões de gases do efeito estufa em todo o mundo poderia limitar a elevação das temperaturas e dos fenômenos extremos. Com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, essa perspectiva parece cada vez mais distante.
O pacto climático global prevê reduções significativas das emissões de gases estufa até 2050 para manter o aumento médio da temperatura global em, no máximo, 1,5ºC; elevação alta, porém gerenciável. Ocorre que, pelo menos nos últimos 12 meses, o aumento da temperatura média global já atingiu esse patamar. Embora ainda não seja suficiente para decretar alteração climática permanente, o marco simbólico é significativo, suficiente para que muitos especialistas defendam a ideia da aceleração das mudanças climáticas. No grupo dos “aceleracionistas” está James Hansen, da Universidade de Columbia (EUA), um dos maiores nomes da ciência climática, responsável por decretar, em 1988, que o aquecimento global já estava em curso. No Brasil, o grupo também conta com nomes de peso, como o de Carlos Nobre, da Universidade de São Paulo (USP), uma das maiores autoridades mundiais no tema. Os cientistas ainda não chegaram a um consenso sobre o que estaria causando essa aceleração, mas há alguns fatores a serem levados em conta.
A despeito de todo o debate das últimas décadas, as emissões de gases do efeito estufa continuam aumentando ano após ano. Outro fator importante é a redução significativa da emissão de aerossóis. Ou seja, uma medida para restringir a poluição atmosférica estaria contribuindo para o aquecimento, o que Hansen chama de “barganha faustiana”. Isso ocorre porque os aerossóis refletem a luz solar, reduzindo o aquecimento. É por isso, exemplifica a climatologista Karina Lima, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que erupções vulcânicas que lançam grandes quantidades de cinzas são capazes de reduzir a temperatura média do planeta. Além disso, um trabalho recente chegou à alarmante conclusão de que a cobertura de nuvens reflexivas vem diminuindo há duas décadas e essa seria a lacuna que faltava para compreender o desequilíbrio crescente no balanço de energia da Terra.
Agora, é necessário descobrir o que está causando essa tendência de constante declínio: se vai continuar; e torcer para que não seja um ‘feedback’ causado pelas mudanças climáticas, o que poderia reforçar ainda mais o aquecimento com o passar do tempo. Outro estudo, publicado em 2024 na revista Geophysical Research Letters, aponta mais um fator que contribuiu para o aquecimento: a alteração no combustível usado pelos navios que atravessam os oceanos. Isso fez com que nuvens que antes refletiam a luz solar deixassem de existir e essa luz passou a incidir diretamente nos mares, aumentando o aquecimento das águas. Do outro lado do debate está o grupo dos tradicionalistas, que também reúne nomes respeitáveis das ciências climáticas, como Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia (EUA). O grupo argumenta que, a despeito das temperaturas mais altas, não há evidência de aceleração permanente. O aquecimento estaria seguindo a tendência das últimas décadas, considerando a variabilidade natural do El Niño, responsável pelo aquecimento das águas do Pacífico.
O El Niño, de fato, contribui para elevar a temperatura média do planeta e já era previsto que 2023 seria muito quente por conta do fenômeno. Para os “tradicionalistas”, interpretar como aceleração uma variabilidade de curto prazo pode contribuir para fortalecer o discurso dos “fatalistas” (que defendem a ideia de que apenas novas tecnologias poderiam resolver o problema do aquecimento global) e até dos “negacionistas” (que não acreditam no aquecimento global). De fato, em 2022 foi previsto um El Niño forte para o ano seguinte, mas a previsão de aumento da temperatura era de 1,3°C e ele passou de 1,5°C. Ou seja, um fator mais acelerado do que o previsto. Entre 2021 e o ano passado, o aumento de temperatura foi de 0,4°C e, mesmo depois que o El Niño acabou, as temperaturas continuaram altas em 2024, pondera Carlos Nobre. A ciência não conseguiu explicar ainda por que subiu tão rápido, mas, se continuar assim nos próximos três anos, a conclusão, provavelmente, é de que o planeta já atingiu um aumento permanente de 1,5°C pelo menos 25 anos antes do previsto.
Em setembro do ano passado, Carlos Nobre manifestou seu espanto sobre o ritmo de aumento de desastres climáticos no momento em que o Brasil enfrentava um avanço inédito de queimadas e via cidades encobertas por fumaça. “Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido”, afirmou ele. Nos piores cenários previstos pelos estudos climáticos, o planeta alcançaria um aumento médio da temperatura global de 1,5°C em 2028. Nos melhores cenários, com redução das emissões, chegaria a esse aumento em 2050 e, a partir daí, zerando as emissões, fecharia o século com um aumento de 1°C. No atual cenário de emissões crescentes e aceleração do aquecimento, a previsão é de chegar ao fim do século com crescimento médio de 3°C. Um aumento de 1,5°C significa alterações climáticas significativas, com prejuízo na produção de alimentos, na saúde da população e impacto na infraestrutura urbana, mas a adaptação ainda é possível, explicou Márcio Astrini, do Observatório do Clima. Um aumento de 3ºC é catastrófico, não é administrável.
Significa extinção em massa de várias espécies, 3 bilhões de pessoas vivendo em vulnerabilidade extrema e fome, o Sul Global em estado de calamidade permanente. O mundo simplesmente não será mais habitável para boa parte das espécies. Responsável pelos graves incêndios que atingiram Los Angeles no mês passado, o fenômeno da alternância rápida entre condições climáticas muito secas e extremamente úmidas tem aumentado exponencialmente em todo o mundo por causa das mudanças climáticas, segundo estudo publicado na revista Nature. Essa alternância entre condições climáticas extremas causa muito mais impacto sobre a população do que eventos extremos isolados. Nos últimos anos, o fenômeno foi relacionado a graves enchentes na África, no Paquistão e na Austrália, e ao agravamento de ondas de calor na Europa e na China. O novo estudo revelou que, desde meados do século 20, com a elevação das temperaturas, praticamente todo o planeta já experimentou alta de 31% a 66% desses eventos extremos alternados em intervalo curto de tempo.
O fenômeno deve se agravar exponencialmente com o contínuo aquecimento do planeta, levando ao aumento médio global da temperatura para muito perto de temerosos 3°C. Uma atmosfera mais quente abriga mais vapor de água. Isso implica a ocorrência de grandes tempestades quando chove, mas também de seca mais intensa quando o clima está mais seco. Esse comportamento ocorre porque a atmosfera sedenta absorve mais água dos solos e das plantas. O estudo foi feito com base em uma revisão de centenas de trabalhos anteriores para determinar a tendência da alternância de eventos extremos opostos. Os incêndios de Los Angeles são o último exemplo do fenômeno, em que anos de seca severa foram seguidos de muita chuva e neve no inverno, o que levou ao aumento da vegetação. Então, um verão de temperaturas recordes e uma seca igualmente incomum no início da estação chuvosa fizeram toda a vegetação secar, propiciando os incêndios. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.