06/Feb/2025
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos acentua a desaceleração nos compromissos corporativos sobre ambiente e clima, e o risco no Brasil, hoje, é o de companhias locais seguirem as americanas e pediram adiamento dos acordos relativos à redução das emissões, diz o engenheiro Fábio Coelho, presidente-executivo da Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais). À frente de uma associação de gestoras e assets que têm R$ 900 bilhões sob administração, Coelho tem uma visão privilegiada do panorama de governança corporativa global e aponta que o trumpismo vem a calhar para empresas que prometeram muito e vão entregar pouco na agenda climática. "O risco maior é o de elas contaminarem outras empresas em busca de flexibilidade dos avanços obtidos nos últimos anos", afirmou. Segue a entrevista:
Como a eleição de Trump tem impacto no comportamento corporativo sobre sustentabilidade?
Fábio Coelho: Um impacto já aconteceu e há a expectativa de outros retrocessos. A agenda climática será a mais afetada. Vemos um movimento de acomodação do ímpeto de muitas companhias que claramente assumiram compromissos que não conseguirão entregar. O risco maior é o de elas contaminarem outras em busca de flexibilidade dos avanços dos últimos anos.
Desde quando as empresas vêm se acomodando?
Fábio Coelho: A discussão sobre o clima já foi muito impactada nos últimos anos. A guerra na Ucrânia trouxe discussões sobre a questão energética na Europa. Vimos um arrefecimento das discussões e uma redução da velocidade de adesão a compromissos. Então, vários estados norte-americanos com lideranças republicanas influenciaram empresas e fundos de pensão a sinalizaram uma redução de ímpeto na promoção da sustentabilidade.
E agora?
Fábio Coelho: O movimento que estava restrito a certos estados, agora obviamente ganha escala nacional nos EUA. E isso vai se espraiar mundo afora porque as empresas americanas têm relações com diversos países. É natural que os esforços e adesões voluntárias, principalmente sobre clima, tenham um tipo de mudança, adiamentos e cancelamentos. O pior cenário seria o de revisão dos avanços já obtidos.
E a COP [Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima], que acontecerá em novembro, em Belém, será esvaziada?
Fábio Coelho: É um contexto emblemático para o Brasil, pois um dos temas discutidos nesses encontros são os compromissos climáticos. E o ato número um de Trump foi anunciar a saída do Acordo de Paris [que fixou metas de redução de emissões]. Uma pergunta é: até onde vai a soberania americana em relação aos compromissos assumidos por empresas?
A sociedade já está mais consciente. Como recuos das empresas serão vistos?
Fábio Coelho: Algumas pessoas vão dizer que boa parte desses compromissos nunca foram firmes, o que em alguma medida é verdade. Mas, por outro lado, ainda que não tenham sido compromissos que chegassem num resultado no tempo esperado, eles ainda tinham uma leitura positiva de que as empresas estariam em uma curva de aprendizado. E que isso ganharia escala ao longo do tempo.
E no Brasil, em que ponto estão as empresas?
Fábio Coelho: Os padrões de divulgação de informações de sustentabilidade foram incorporados em muitas jurisdições por meio de regulação. Aqui no Brasil foi assim. A CVM [Comissão de Valores Mobiliários] editou uma resolução [193] que trouxe um calendário flexível, com entrega voluntária até 2027 e a partir daí obrigatória. Mas, de maneira voluntária, só duas empresas formalizaram a adesão até agora. A pergunta é se as demais companhias vão fazer o dever de casa até o início da vigência da norma.
A expectativa é de maior adesão?
Fábio Coelho: Este é um grande desafio. Um risco que a gente pode correr é um pleito das companhias, seguindo a onda que vem dos EUA, de buscar um adiamento dos compromissos já firmados. É um risco que temos que endereçar.
E quanto a outros temas de sustentabilidade?
Fábio Coelho: Tem muitas pautas que avalio como irreversíveis. Nos últimos cinco anos, avançamos na atenção das empresas a questões relacionadas a direitos humanos, equidade de gênero e pautas trabalhistas - as empresas fizeram um trabalho estupendo no combate ao trabalho escravo e infantil nas cadeias de produção. Não podemos dar um passo atrás. O saldo é positivo. Teve um período de efervescência - até com greenwashing, em que se prometia o que não ia ser entregue. Mas o tema cresceu, explodiu, e agora estamos colhendo frutos do que sobrou.
Quais setores são mais sujeitos a riscos de retrocesso?
Fábio Coelho: Aqueles que envolvem os desafios da transição energética, com maior exposição a carbono e emissões, como empresas de petróleo, e a cadeia do agronegócio com o risco de desmatamento, por exemplo.
Fonte: Broadcast Agro.