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04/Feb/2025

Entrevista: José Augusto de Castro - presidente AEB

Segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, as tarifas de 25% dos Estados Unidos contra México e Canadá surpreenderam o mundo. Os porcentuais são muito elevados e vão aumentar diretamente a inflação norte-americana, com efeitos sobre a economia mundial. Por outro lado, os 10% sobre a China ficaram abaixo, após meses de ameaças de Donald Trump contra o país asiático. A medida parece uma forma de “assustar” os chineses e abrir negociações futuras. Mas, a elevação da barreira comercial sem acordos prévios vai dificultar as conversas. O Brasil será atingido indiretamente, via aumento de inflação mundial e redirecionamento de produtos, principalmente da China, para o mercado brasileiro. Ainda assim, por ora, o melhor que o governo brasileiro deve fazer é se manter distante da briga e só adotar medidas de reciprocidade após atitudes concretas por parte dos Estados Unidos. Segue a entrevista:

Como o senhor viu o anúncio feito pela administração Trump, de aumento de tarifas para China, Canadá e México?

José Augusto de Castro: Apesar de Trump ter dito antecipadamente que tributaria exportações do México, do Canadá e da China, foi uma surpresa anunciar exatamente no início do mandato essas tarifas. Principalmente para México e Canadá, que são parceiros do Acordo de Livre Comércio da América (Nafta). E 25% é uma alíquota muito elevada. No fundo, ele pode estar importando inflação. Já sobre os 10% da China, é uma surpresa pelo porcentual baixo. Para quem falava tanto que as relações com a China não eram das melhores, se imaginava que haveria uma tributação maior, principalmente por tipos de produtos. Até agora estamos vendo uma tarifa relativamente baixa, alcançando praticamente todos os produtos. Então, a surpresa é, primeiro, os porcentuais, basicamente, que fogem do previsto: 25% é muito alto, e os 10% são relativamente baixos. No início do mandato não houve nenhuma tentativa de negociação. Simplesmente se impôs uma tarifa. Isso é claro que vai dificultar negociações futuras.

Que tipos de produtos devem ser mais impactados, olhando para a corrente de comércio entre os EUA e esses países?

José Augusto de Castro: México e Canadá sempre foram vistos como países que produzem para vender para os EUA. Por essa razão, todos os produtos são passíveis de serem tributados pelos EUA. A base industrial do México e do Canadá são voltadas para produzir e exportar para os EUA. Esta semana a gente também viu que o Trump está taxando também o petróleo do Canadá, que é uma matéria-prima para os EUA. Isso vai significar elevação de custos para o país. Normalmente, você preserva as commodities, porque o principal produto que você quer gerar são empregos através de produtos manufaturados. Então, a surpresa aqui é basicamente o fato de você taxar pesadamente produtos do México e do Canadá.

A medida deve gerar inflação nos EUA?

José Augusto de Castro: Essa taxação que está sendo feita, por enquanto, alcançando o México, Canadá, China, seguramente vai alcançar, como a gente anunciou, a União Europeia. Possivelmente sobre para o Brasil alguma coisa. Sim, deverá provocar inflação mundial. Por quê? Se todos aumentarem as tarifas, os processos produtivos aumentarão automaticamente, o custo de importar um produto aumenta. Se o custo aumenta, vai ter que ser repassado para o custo final. Então, a tendência é que você gere inflação nos Estados Unidos e, indiretamente inflação mundial. Neste momento em que temos muita indefinição, a tendência é as empresas se prevenirem, já elevando preços.

O senhor vê os 10% para a China como algo simbólico, diante das ameaças que foram feitas?

José Augusto de Castro: A adoção de uma alíquota de 10% me faz deduzir que seja um gesto de boa vontade, porque não há nenhuma justificativa de você estabelecer 25% para México e Canadá e 10% para a China. Acho que os 10% são para assustar, pelo menos criar um ponto de partida que possa ser aumentado em um dado momento da negociação. Criar condições para se fortalecer politicamente em uma negociação. O índice 10%, para quem já disse muitas coisas, é muito baixo. Nós não podemos esquecer que, no passado, o Trump ameaçou a China de obrigá-la a comprar commodities nos Estados Unidos, mas isso nunca aconteceu. Ele pode fazer alguma coisa hoje, anunciar, e que não vai ser concretizado posteriormente.

Dá para dizer que a zona de livre comércio entre EUA, Canadá e México (Nafta) chegou ou está chegando ao fim?

José Augusto de Castro: Com as ações tomadas até agora contra o México e contra o Canadá, infelizmente a gente tem que dizer que o antigo Nafta dos Estados Unidos, México e Canadá, pelo menos foi trincado, porque a gente imaginava que o México e o Canadá seriam os últimos a serem tributados. E, na verdade, foram os primeiros. Hoje está trincado com o risco de ser, não desmoronado completamente, mas sofrer alterações tanto do México quanto do Canadá.

Como esse aumento de tarifas pode impactar países como o Brasil?

José Augusto de Castro: O Brasil não foi atingido diretamente, mas seguramente vai ser atingido indiretamente. Se México, Estados Unidos, Canadá e China aumentam tarifas, no fundo eles estão aumentando o custo de importação dos produtos. O Brasil poderia, se nada acontecesse, se beneficiar dessa não elevação de tarifa (contra o Brasil), mas, seguramente, vai ser atingido indiretamente, porque isso vai elevar custos das matérias-primas no mundo. Indiretamente, todos os produtos serão tributados. Infelizmente, acho que o mundo todo vai ser atingido por conta da elevação das tarifas.

Como o governo Lula deve agir em relação aos EUA?

José Augusto de Castro: O governo Lula, neste momento, deve falar o mínimo possível, esperar exatamente para ver, para comentar assuntos com bases concretas, não com bases em expectativas. O governo deve acompanhar o que está se passando, mas sem emitir parecer pró ou contra. Neste momento, é mais fácil aguardar do que tomar alguma decisão ou emitir alguma opinião que possa ser negativa no futuro. Caso o Brasil seja atingido diretamente por uma tarifa, em teoria, a gente deveria ver o que é possível fazer, antes de tomar uma medida de retaliação ou mesmo uma medida recíproca. Essa é a tendência, porque a gente tem que saber que o Brasil não tem condição de discutir economicamente com os Estados Unidos. Basicamente, o poder econômico americano é muito superior ao do Brasil, então não podemos querer medir força com os Estados Unidos. Isso pode significar mais aumento de tarifas, e o Brasil, que já tem um custo elevado por si só, ficaria praticamente fora do mercado mundial em função de elevação de custos.

E como o governo Lula deve agir em caso de redirecionamento de produtos, principalmente da China, para o Brasil?

José Augusto de Castro: A primeira coisa que se pensa é: vamos aumentar as tarifas para evitar a importação. Mas veja que no ano passado o Brasil aumentou a tarifa de uma série de produtos e ainda assim as importações subiram. Então hoje você tem um câmbio que já esteve mais alto e agora está mais baixo, o câmbio por si só já não é um fator que vai impedir a importação. A tarifa pode impedir a importação, mas nós sabemos que a China, como economia estatal, simplesmente pode baixar os preços e baixando o preço ela vai abrir o mercado para ela mais uma vez. Assim como em relação aos Estados Unidos, em relação à China o Brasil não tem como se prevenir, porque a economia chinesa é muito mais competitiva do que a economia brasileira. Aumentar a tarifa é a medida mais simples, mas que não necessariamente tem os efeitos desejados. Então precisamos mais uma vez dar tempo ao tempo para saber exatamente o que vai acontecer.

Fonte: Broadcast Agro.