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30/Jan/2025

Entrevista: André Corrêa do Lago-presidente COP30

Após a posse do presidente Donald Trump, os Estados Unidos anunciaram que vão deixar o Acordo de Paris, tratado internacional para frear o aquecimento global. Isso trará consequências para a Cúpula do Clima (COP30), que será em novembro em Belém (PA). Uma delas, na opinião do presidente da conferência, embaixador André Corrêa do Lago, é justamente a ascensão de países em desenvolvimento e outras forças, como a China, na liderança das negociações. Cada país deve encontrar o próprio caminho para adaptar a sua economia às necessidades da mudança do clima. Segue a entrevista:

A COP-30 tem como objetivo rever o que foi definido no Acordo de Paris e traçar novas metas. Como a saída dos Estados Unidos afeta a conferência?

André Corrêa do Lago: A saída tem impacto grande porque, na realidade, o acordo foi criado para trazer os Estados Unidos de volta à negociação de clima. O fato de os Estados Unidos saírem é naturalmente um baque considerável.

O que a presidência da COP fará para contornar essa situação?

André Corrêa do Lago: Os Estados Unidos não são apenas o governo americano. São as universidades, os Estados, as empresas, toda a parte de pesquisa americana. Há várias maneiras de trazer certas dimensões dos EUA para negociação, mesmo que o governo federal não queira participar. Já estamos sentindo que há uma reação muito determinada de certos setores dos EUA.

Mas o Brasil pode fazer interlocução? Como será isso na prática?

André Corrêa do Lago: Nenhum outro ator americano pode participar das negociações, mas, além da dimensão de negociação, uma COP tem, por exemplo, a agenda de ação, criada para trazer outros atores para as discussões. A grande diferença, naturalmente, é o que é decidido pelos países por consenso. É, de certa forma, legislação internacional.

Com a ausência dos EUA, quem ocupa o papel de liderança na conferência?

André Corrêa do Lago: Normalmente, um dos maiores atores nessas negociações é a União Europeia. E como se viu nesses últimos dias a (presidente da Comissão Europeia) Ursula Von der Leyen foi cobrada em Davos de que a legislação europeia estava dura demais, que diante das dificuldades com os Estados Unidos seria importante isso ser revisto. A União Europeia está sendo questionada dentro da União Europeia. E vários países da UE são menos entusiastas do que outros sobre as agendas ambiental e do clima. Não está fácil a situação da UE para tentar ter liderança maior. Portanto, há espaço para que outras grandes economias possam ter papel mais determinante nesse período todo que antecede a conferência, com vistas a resultados na COP. É óbvio que grandes países em desenvolvimento são atores sempre importantes, mas talvez possam adquirir nova dimensão.

Quais seriam esses países?

André Corrêa do Lago: Entre os países em desenvolvimento com economias maiores há um grupo muito influente, que é o Basic, composto por Brasil, África do Sul, Índia e China. As pequenas ilhas em desenvolvimento também têm influência, porque são as primeiras vítimas, sofrem até a possibilidade de desaparecer. E há outros atores importantes entre os países em desenvolvimento, e todos vão procurar ocupar o espaço que visivelmente deve ser deixado pela ausência americana e pelas dificuldades da UE.

A China é um país relevante, mas resiste ainda em adotar medidas pró-clima. Sendo um parceiro da China, o que o Brasil fará para que esse país tome medidas mais contundentes?

André Corrêa do Lago: A China é um dos atores mais importantes de mudança do clima, porque faz muito mais do que declara. Está antecipando vários dos seus objetivos climáticos em vários anos. A gente sabe o quanto o mundo está reagindo à eficiência da China, por exemplo, na produção de carros elétricos, de painéis solares e outros equipamentos. Como a China tem relação especial com o Brasil, vamos trabalhar os objetivos da COP-30 com esse país. Também vamos trabalhar com a Índia, com a Indonésia, com vários outros grandes países e com a África do Sul, que está presidindo o G-20 (grupo das maiores economias) logo após o Brasil.

O Brasil tinha receio de que o tema do financiamento não fosse totalmente resolvido no Azerbaijão e sobrecarregasse a COP-30. Isso de fato aconteceu - foi falado em US$ 1,3 trilhão para urgência climática, mas o texto final menciona US$ 300 bilhões. O que a presidência pretende fazer para tocar esse tema e a revisão do Acordo de Paris ao mesmo tempo sem que um esvazie o outro?

André Corrêa do Lago: Será um equilíbrio delicado, por isso já estamos trabalhando de forma intensa, inclusive com outros ministérios, para levar ao presidente Lula os caminhos que podemos tomar para que a COP-30 seja reconhecida como algo que teve influência verdadeira. Estamos montando uma estratégia. Não há a menor dúvida de que o mundo espera que o Brasil, país que tem a maior floresta do mundo, venha com ideias inovadoras sobre florestas, como o TFFF (sigla em inglês para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, mecanismo proposto pelo Brasil em 2023 para pagar países florestais pela preservação do bioma), entre outras coisas. A questão da justiça climática, por exemplo, é tema importantíssimo para o presidente, porque a mudança do clima pode fazer com que haja retrocesso em avanços sociais recentes.

Há um pleito de países desenvolvidos para aumentar o número de doadores climáticos, incluindo países em desenvolvimento. Qual a posição do Brasil?

André Corrêa do Lago: É claramente contrária, como a de todos os países em desenvolvimento. Tem de haver compreensão de tudo que Brasil, China, Indonésia e Índia gastam. Infelizmente, a sensação que tivemos em Baku é de que os países desenvolvidos querem que os países em desenvolvimento substituam as doações deles.

Isso vale para grandes economias como a China?

André Corrêa do Lago: Todos temos contribuído de maneira diversa, primeiro com os nossos próprios orçamentos. A redução, por exemplo, do custo de uma placa solar, graças à China, é um elemento de cooperação internacional extraordinário. Ficou mais barato para a África adotar energia solar graças à China. A contribuição do Brasil desenvolvendo biocombustíveis é uma solução que pode ser adotada por outros países em desenvolvimento.

Na COP dos Emirados Árabes, pela primeira vez houve menção à transição rumo ao fim do uso de combustíveis fósseis. Embora o Brasil tenha acompanhado o consenso sobre isso, Lula já deu declarações a favor de explorar petróleo na Margem Equatorial. Não é uma contradição?

André Corrêa do Lago: Todos os países enfrentam alguma forma de contradição no combate à mudança do clima. Temos de entender que cada país tem de desenvolver suas soluções de acordo com prioridades de desenvolvimento.

A COP será no Pará, que acumulava 42% dos focos de incêndio do País (no fim do ano). Por que não temos conseguido conter as queimadas? Como fará para que isso não atrapalhe a credibilidade do Brasil?

André Corrêa do Lago: Nenhum país está indiferente à possibilidade de ter incêndios com consequências extremamente negativas. Mas os resultados têm sido positivos e apontam para uma capacidade cada vez maior de combate a esses incêndios. Por outro lado, o mundo assistiu perplexo aos incêndios de Los Angeles, nos Estados Unidos. Como é que é possível no país mais rico isso acontecer? Recebi comentários de vários países, dizendo: “Agora a gente se dá conta do quanto deve ser difícil lidar com um território do tamanho da Amazônia ou do Pantanal, sendo um país em desenvolvimento”. Sou naturalmente otimista, mas não há a menor dúvida de que estamos todos, países desenvolvidos e em desenvolvimento, aprendendo muito sobre a dificuldade crescente de enfrentar a mudança do clima. (Paula Ferreira)

Fonte: Broadcast Agro.