27/Jan/2025
A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, com políticas que apontam para escassez de dólares no mundo, tornam o Brasil mais vulnerável a choques externos, avalia o economista-chefe do Andbank, Alex Fuste. Países aliados dos Estados Unidos e com elevadas reservas internacionais devem ser os menos expostos à nova administração Trump. Ainda que sejam robustas, superiores a US$ 360 bilhões, as reservas do Brasil têm mostrado percentual menor em relação à dívida externa. O Brasil hoje está em situação mais vulnerável. Um ano após advertir que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) teria dificuldade em começar a reduzir os juros, o que se mostrou uma previsão correta, o economista-chefe do Andbank vê espaço para mais cortes, ainda que incertezas possam suspender o ciclo. Segue a entrevista:
O que o sr. espera para as próximas decisões do Fed diante das incertezas com o governo Trump? Haverá uma suspensão no ciclo de cortes de juros?
Alex Fuste: O Fed tem motivos para fazer ambas as coisas [suspender e seguir cortando]. O núcleo de inflação está bem controlado. Não há nenhum tipo de gargalo, problemas de abastecimento. Acredito que o barril do petróleo WTI pode cair de US$ 75 para algo por volta de US$ 65. Temos uma perspectiva baixista aos preços de energia para 2025 e 2026. Há mais oferta do que demanda por petróleo. Isso deve ajudar o Fed a continuar cortando as taxas de juros. Mas, sim, Powell [Jerome, presidente do Fed] pode dizer, como já insinuou, que vai adotar uma abordagem de esperar para ver onde nos leva a estratégia de tarifas de Donald Trump.
Como o sr. acompanhou as primeiras declarações e medidas de Trump na volta à Casa Branca?
Alex Fuste: Minha perspectiva sobre a estratégia de tarifas é otimista. Mais do que com o que vi, estou confortável com o que não vi. As pessoas estão prestando atenção em tudo o que Donald Trump assinou e decidiu, mas não estão prestando atenção no que ele não decidiu. E aí é onde está a chave. Nesse sentido, me parece muito alentador ver que nos primeiros dias a nova administração Trump não veio com tarifas massivas. Não aconteceu, o que me faz pensar que a estratégia de Trump será um pouco de usar as tarifas como uma arma poderosa para negociar e alcançar objetivos. Será uma abordagem mais gradual, mais de país para país. Não será algo massivo. Se isso for verdade, o Federal Reserve deve continuar cortando as taxas de juros. Há espaço para cortar as taxas de juros entre duas e quatro vezes. Pode cortar as taxas de juros quatro vezes, em 100 pontos-base. Não vai ser imediato, mas há espaço para isso.
Então, deve apenas fazer uma pausa para voltar a cortar?
Alex Fuste: Sim, sem dúvida alguma, haverá um modo de esperar e ver como se desenrola a estratégia de tarifas de Trump. Para mim, é alentador ver que no dia um, o primeiro dia de administração, ele não impôs tarifas a todos os países. É verdade que falou dos 25% sobre México e Canadá. Falou de 10% para a China a partir de 1º de fevereiro. Mas ele não saiu massivamente com tarifas universais para todos. Isso é alentador.
Isso significa que Trump está desistindo da ideia de impor tarifas para todos os lados?
Alex Fuste: Não tenho a resposta. Mas posso dizer que o que vi até agora é alentador. Ele quer aplicar tarifas. Isso está muito claro. A visão de Trump é captar dinheiro de fora porque isso está associado à sua promessa de cortar os impostos das empresas americanas. Trump precisa aplicar tarifas porque é a única maneira de não violar a lei que obriga a compensação [de cortes de impostos que afetem o orçamento]. O objetivo de aplicar tarifas é triplo: compensar os cortes dos impostos; reverter o déficit em contas correntes; e utilizar as tarifas como meio para conseguir coisas.
Quais as implicações dessa estratégia no valor do dólar?
Alex Fuste: A balança de contas correntes é a mangueira que esguicha dólares ao mundo. Se piorar, esguicha muitos dólares, dólar barato. Se melhorar, esguicha poucos dólares, haverá escassez de dólares no mundo. O dólar subirá. E isso afeta o Brasil. O dólar estará alto se a balança de contas correntes melhorar. Quais instrumentos têm Donald Trump para melhorar a balança? As tarifas. O risco importante é a administração americana impor tarifas altas, e depois negociar. Mas creio que será gradual. Primeiro virá uma negociação, as tarifas virão depois. Fiquei também positivamente surpreso que Trump parece estar um pouco mais calmo em relação à China. Se aplicar uma tarifa à China de 10%, creio que Pequim celebrará. Porque Pequim e o mercado estavam precificando a possibilidade de uma tarifa de 60%. Se for 10%, é positivo, porque não é um grande golpe para Pequim. Segundo, não acredito que tenha um efeito inflacionário muito relevante nos EUA.
O cenário ficou mais adverso para as economias emergentes?
Alex Fuste: Um dos temas mais relevantes de investimento em 2025 é o friendshoring [transferência dos investimentos para países aliados]. Acredito que morreu a temática de investimento do nearshoring, aqueles investimentos em mercados próximos aos grandes centros de consumo. México, por exemplo, está muito próximo ao grande centro de consumo, que são os EUA. Isso morreu, sendo o México uma das vítimas. Dessa perspectiva, nossas duas preferências são Índia e Vietnã. São os grandes representantes, para mim, desse tema do friendshoring. Parece que a Argentina também entrou nessa dinâmica. Está buscando um tratado de livre comércio com os EUA fora do Mercosul. Isso demonstra que a Argentina quer entrar nessa dinâmica de ser uma economia amiga [dos EUA]. Como eu disse antes, as tarifas vão ser usadas pela nova administração Trump como ferramenta para alcançar objetivos. Então, uma maneira de evitar altas tarifas é se apresentar como um país colaborativo, próximo em valores, próximo em legislação econômica. Países que fecharem mais memorandos de entendimento com os EUA são os que provavelmente vão ver de longe a crise das tarifas. Além disso, como Trump quer melhorar o saldo de contas correntes - e isso provoca sempre escassez de dólares no mundo -, países com volume elevado de reservas em dólares vão se sair bem. Aqueles com escassez de reservas em dólares, vão se sair mal.
Nesse sentido, o Brasil está bem-posicionado?
Alex Fuste: O Brasil tem reservas, mas o percentual das reservas em relação à dívida externa está se deteriorando. Isso significa que o Brasil hoje está em situação mais vulnerável do que há alguns anos. Como o que temos pela frente, fruto da estratégia de tarifas, é um choque externo por escassez de dólares, posso dizer que o Brasil hoje está em situação mais vulnerável. Isso é o que nós, investidores com foco em mercados emergentes, observamos.
Como a China deve reagir às tarifas de Trump?
Alex Fuste: A China já precificou bastante o risco das tarifas. Por isso digo que, se no final só aplicarem 10% de tarifa, será bom para os ativos chineses. Mas eu não investiria na China em bloco. Por que investir em painéis solares, em baterias, em carros elétricos se sei que o governo tem para esses três setores o objetivo de ser líder mundial em produção? Ou seja, produzir em quantidades infinitas. Isso é ruim para essas empresas porque elas têm que escoar todo esse excedente de produção a preços que não são bons. A empresa perde dinheiro. Digamos que, na China, o que vai a favor dos objetivos nacionais vai contra os interesses do acionista.
Uma guerra comercial entre EUA e China aprofundaria o problema de excesso de capacidade da economia chinesa? Seria um risco para a China?
Alex Fuste: Uma política agressiva de tarifas do Ocidente contra a China pode acentuar o problema de excesso de capacidade, sem dúvida alguma. Se a China continuar com sua política de subsídios para alcançar seus objetivos nacionais, isso pode levar a uma tensão tarifária que agravaria sua situação de excesso de capacidade.
Diante dessas ameaças sobre a economia chinesa, o fim da história pode ser um acordo comercial entre EUA e China?
Alex Fuste: Isso é muito complexo, há aspectos como segurança nacional. Se a China quer substituir o dólar como reserva, os EUA têm uma ameaça. Os EUA não podem permitir porque controlar a moeda de reserva é uma enorme vantagem. A arma mais poderosa do mundo é a moeda de reserva. Hoje, a moeda de reserva é o dólar, que pode exercer todo o seu poder, obrigando, por exemplo, que um país não faça negócios com o Irã ou que um banco não opere em paraísos fiscais. Assim, os EUA não podem permitir que ninguém troque o dólar como moeda de reserva. Então, os EUA veem a China como uma ameaça e, portanto, a questão da segurança nacional estará sempre na mesa, o que significa que não podem ser amigos. Parece que o destino de ambos os países é se enfrentarem.
Fonte: Broadcast Agro.