10/Jan/2025
O posicionamento conservador e protecionista de Donald Trump, presidente recém-eleito dos Estados Unidos e que tomará posse no dia 20 de janeiro, é notoriamente conhecido pelo mercado. Considerado por alguns imprevisível, é adorado por muitos e odiado por outros tantos. Trump, antes de assumir, vem norteando o mercado sobre a condução de seu segundo mandato ao enfatizar posicionamentos e antecipar ações. Se para alguns o segundo mandato dele seria mais flexível, menos conservador, este período de vacância entre eleição e posse vem definindo o cenário do futuro governo. Trump, que não tem as famosas "papas na língua", mostra-se comprometido ao extremo com a sua fala nacionalista de palanque. O recente posicionamento dos Estados Unidos em relação ao bloco Brics chacoalhou por alguns dias as estruturas do cenário comercial internacional e este artigo apresenta uma análise macro sobre as transações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, com ênfase nos negócios entre os dois países e impactos para o agronegócio brasileiro.
O que é o Brics?
O Brics é um bloco econômico e político que busca a cooperação entre os países membros para promover o desenvolvimento conjunto em diversas áreas, como segurança, política e finanças. Recentemente, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos aderiram ao bloco, junto a Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, ampliando seu alcance e relevância. Este ano, já sob a presidência do Brasil, o bloco anunciou a entrada da Indonésia e outros países devem se juntar ao bloco.
O papel do dólar nas transações globais
O dólar é a moeda predominante nas transações comerciais e cambiais globais, participando de aproximadamente 90% das operações, conforme dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Esse organismo funciona como uma instituição central para os bancos centrais de cerca de 60 países, garantindo estabilidade no sistema financeiro global.
Declarações de Lula e a mudança de paradigma
Em abril de 2023, durante a posse de Dilma Rousseff na presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como banco do Brics, o presidente Lula questionou o monopólio do dólar nas transações internacionais: "Quem decidiu que era o dólar a moeda depois que desapareceu o ouro como paridade? Hoje um país precisa correr atrás de dólar para poder exportar, quando poderia exportar com sua própria moeda e os bancos centrais poderiam cuidar disso. Todo mundo depende de uma única moeda, e tem muita gente mal-acostumada." Recentemente, Lula reiterou a necessidade de alternativas ao dólar em reunião de cúpula do Brics. Esse posicionamento contrasta com o discurso protecionista de Donald Trump, que, em sua nova candidatura à presidência dos Estados Unidos, prometeu medidas para fortalecer o dólar, incluindo tarifas rigorosas contra países que busquem alternativas monetárias.
As Ameaças de Trump ao Brics
Donald Trump declarou que, caso o Brics avance na criação de uma moeda alternativa ou substitua o dólar nas transações, imporá tarifas de 100% sobre produtos desses países. O Brasil, que tem nos Estados Unidos um importante parceiro comercial, exporta manufaturados, máquinas, combustíveis, celulose, café, suco de laranja e proteína animal. Essas tarifas desequilibrariam o mercado exportador, especialmente em setores onde a dependência é mais significativa.
Impactos no agronegócio brasileiro
Sendo os Estados Unidos o segundo maior destino das exportações brasileiras, qualquer taxação gerará reações em diversos níveis nos setores de cada insumo taxado. Vale lembrar a máxima econômica que diz que o aumento de demanda não aumenta na mesma proporção que o oferta. Para equalizar a perda da competitividade, enquanto não se abrem novas frentes comerciais, num curto prazo os produtos ficam mais suscetíveis a correções de preço devido ao direcionamento do fluxo de produção para o mercado doméstico. Em uma segunda etapa não muito longa, e à medida em que as taxações continuem, custos aumentam e são transferidos novamente para os consumidores domésticos. Em paralelo podem ocorrer ajustes nas produções, demissões, fechamentos de negócios e recuo de dinheiro circulante no comércio local.
Brasil - Brics e China
A China, além de compor o bloco do Brics, é o maior parceiro comercial do Brasil. O país pode originar com maior intensidade commodities brasileiras, uma vez que seria prejudicado com as taxações dos Estados Unidos e o Brasil teria condições de suprir o volume faltante do mercado norte-americano.
Caso os Estados Unidos implementem tarifas em contexto global, o mundo deve presenciar desequilíbrio no quadro de oferta e demanda de insumos e a readequação natural pela busca de outros mercados ou mercados mais saudáveis tanto para os Estados Unidos e para os países envolvidos. Em um primeiro momento o caos e o desequilíbrio para o país taxado. Para o caso específico do Brasil e Brics, supondo-se que Trump anuncie uma cota de 100%, haverá mudanças em peso na cadeia global de suprimentos, com potencial crescente de novas alianças com países asiáticos e africanos. No Brasil o impacto será significativo, especialmente em setores estratégicos como o agronegócio e a indústria de base. Exportações de produtos como café, carnes, etanol, suco de laranja, aço e alumínio enfrentariam sérias barreiras, resultando em redução da competitividade e perda de espaço nos mercados norte-americanos. Este é o cenário de curto e médio prazo.
Problemas estruturais nos Estados Unidos poderiam suavizar um ou outro país ou produto. Caso do suco de laranja em decorrência do greening que afeta a produção de citros no país. Nada impediria o governo Trump de excluir um ou outro produto do tarifaço ou aliviar a mão com algum país do bloco. Como toda mudança brusca ou inesperada, haverá desconfortos e perdas. A taxação criaria um efeito cascata, desencadeando ajustes nas cadeias globais de suprimentos. Empresas brasileiras teriam que arcar com custos adicionais para redirecionar exportações a outros mercados, enquanto produtos concorrentes de países fora do Brics poderiam ocupar posições de destaque nos Estados Unidos. Do ponto de vista interno, o aumento dos custos de produção e exportação pode pressionar a inflação, afetando o preço dos alimentos e bens de consumo no Brasil. Setores dependentes de insumos importados também poderiam sofrer com reajustes, agravando o cenário econômico.
No longo prazo, mantidas as taxações, haveria o fortalecimento de uma zona de comércio alternativa liderada pelo Brics, com acordos bilaterais em moedas locais com Brasil buscando novos parceiros para compensar a dependência norte-americana. O caminho mais fácil seria o fechamento de acordos comerciais de maior peso dentro do próprio Brics. O mais duro seria buscar acordos novos com outras economias emergentes. No caminho mais fácil, indo para os braços dos Brics, esta reorganização poderia abrir oportunidades junto à Índia e países árabes, mas significaria um aumento na dependência comercial com seu maior parceiro que é a China. Muitos analistas atribuem um caráter de intempestividade a Trump, porém analisar a conduta dele durante a guerra comercial com a China, que será retomada em breve, nos mostra caminhos previsíveis.
O Brasil deve olhar para seu umbigo e focar em estreitar parceria com seus melhores compradores internacionais e em paralelo abrir novos mercados que garantam um fluxo de negócios que amplie nossa participação no comércio mundial. Uma guerra de taxações com Estados Unidos não seria positiva para o Brasil. O Brasil caminhará em terreno delicado em várias frentes. Caso decida apoiar iniciativas que desafiem o dólar como moeda de peso internacional enfrentará as ações do Estados Unidos, ou, caso recue na pauta do Brics, poderá abalar relações com os países membros. isso tudo por quê? Pelo fato de o Brasil ter assumido desde 1º de janeiro a presidência do bloco, chamando para si os holofotes do conflito. Caso decida seguir encabeçando a pauta, assumindo a postura como porta-voz de mudanças, absorverá o impacto retaliatório e com os vieses políticos altamente divergentes entre Brasil e Estados Unidos, e em um momento de extrema polarização mundial.
As relações entre os dois países podem se deteriorar e em um curto e médio prazos as consequências poderiam ser altamente prejudiciais à economia brasileira. Neste caso, o Brasil perderia dinheiro ao deixar parcerias seguras e já estabelecidas. Se o Brasil for ágil em articulações políticas internacionais, minimizaria as consequências ao promover novos acordos comerciais, mas independente muitos prejuízos seriam realizados. Por outro lado, estando junto ao Brics e desistir de levar o tema, o País correria o risco de abalar as relações comerciais com os demais países do bloco. O Brasil poderia ser forçado a defender como presidente do bloco um interesse maior de China, Rússia e Índia. O Brasil, ao se posicionar desta forma, fazendo declarações tão relevantes em um contexto mundial, decidiu se colocar em uma frágil posição, e no ditado popular se encontra entre a cruz e a espada. Estejamos todos preparados, pois temos momentos turbulentos a seguir. Fonte: Andrea Cordeiro. Broadcast Agro.