13/Dec/2024
Os conflitos por territórios e uso do solo vêm alimentando a violência armada na Amazônia Legal, sobretudo na tríplice divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia. As disputas violentas deram à região a alcunha de “Faroeste Amazônico”, que se espalha cada vez mais, enquanto o poder público não avança com a regularização fundiária. A terceira edição do Cartografias da Violência na Amazônia, estudo elaborado pelo Fórum de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula, foi lançada na quarta-feira (11/12), e mostra que o conflito por terra é o principal eixo da violência na Amazônia Legal. Embora a região tenha registrado queda de 6,2% nos homicídios entre 2021 e 2023, a interiorização da violência para zonas rurais e de floresta tornou municípios pequenos e tidos como pacatos em alguns dos mais violentos do País.
Os conflitos se acirraram desde 2011, com o assassinato de Adelino Ramos, liderança local e assentado do Projeto de Assentamento Florestal Curuquetê. Depois disso, as comunidades locais sofrem com a ação de grileiros que desmatam. Após a devastação ambiental, eles passam a utilizar a terra para a pecuária ou monocultura. Neste processo, pistoleiros atuam a serviço dos grandes fazendeiros, invadindo terras públicas da União como unidades de conservação e terras indígenas, levando a essa explosão de conflitos fundiários. A pesquisa mostra correlação entre o desmatamento e a violência. Só três das dez cidades mais desmatadas na Amazônia Legal não constam no ranking das 100 mais violentas da região: Porto Velho (39,6 mortes por 100 mil habitantes), Lábrea (AM - 8,8) e Apuí (AM - 6,5) têm taxas de homicídio que as deixam fora da lista.
As demais são Altamira (PA), São Félix do Xingu (PA), Novo Progresso (PA), Itaituba (PA), Colniza (MT), Pacajá (PA) e Novo Repartimento (PA). O estudo aponta que as elevadas taxas de homicídios têm relação com uma “dinâmica de sobreposição de ilícitos” que passa pela exploração de commodities da floresta, como madeira, ouro e outros minerais, pescado e animais silvestres. Trata-se de produtos lícitos em si, mas cujas práticas de exploração têm sido ilegais, realizadas em unidades de preservação e em territórios indígenas, por exemplo. Esse cenário tem se agravado na última década com a chegada de outros crimes, como o tráfico de cocaína, maconha, armas e pessoas, que se acirraram com a chegada e a concorrência entre si de facções do Sudeste, sobretudo o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho. Em 2023, houve 8.603 homicídios na Amazônia Legal, taxa de 32,3 mortes para cada 100 mil habitantes, 41,5% maior do que o índice nacional (22,8).
Embora a presença das facções criminosas seja questão grave atualmente, os problemas relacionados à violência na Região Amazônica são anteriores à chegada dessas organizações. A expansão da fronteira agrícola, os grandes projetos minerais e redes de infraestrutura implementadas pelo Estado e pelo capital privado foram a base para um modelo desenvolvimentista, tecnocrata e autoritário que deu início à ocupação da região na segunda metade do século 20. Em suma, em todos os casos trata-se de conflitos fundiários, isto é, de conflitos em torno do controle ou posse da terra, que têm produzido mortes e outras dinâmicas criminosas, como exploração sexual infantil, tráfico de drogas e armas e tráfico de pessoas, que ameaçam a sobrevivência dos povos tradicionais da região. O documento traz ainda um levantamento de cadastro de propriedades rurais, apontando que mais de 20 mil imóveis estão localizados de forma ilegal. Há 8,6 mil propriedades rurais sobrepostas a terras indígenas, segundo o Sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Outras 11,8 mil estão em áreas de unidades de conservação, fenômeno intimamente ligado ao desmate. Essa situação se perpetua enquanto o poder público não avança com a regularização fundiária, uma vez que parte da Amazônia corresponde a áreas de conservação e terras indígenas ou terras não destinadas, isto é, sob responsabilidade estatal e sem uso definido, ficando suscetíveis a grilagem e desmatamento. Mais de 70% dos desmatamentos em florestas públicas não destinadas as transformam em pasto para gado, diz o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). A fiscalização é importante, e caberia à União. Essa fiscalização deveria incorporar um papel para as Forças Armadas, porque, nessas regiões, o governo está abrindo mão da soberania nacional. Um dos elementos da repressão ao crime organizado passa pela retomada de territórios. Hoje, 260 dos 772 municípios da Amazônia Legal (um terço) registram a presença de facções criminosas, ante 178 (cerca de um quarto) no ano passado. O aumento é de 46%.
Os pesquisadores chamam de “surpreendente” a velocidade com que a expansão das facções da Região Sudeste, como o PCC e o Comando Vermelho (CV), ocorre na Região Amazônica. Ao mesmo tempo em que facções chegam a cidades ermas da floresta, cresce o monopólio do crime nos nove Estados que compõem a Amazônia Legal. Desde o ano passado, a quantidade desses grupos caiu de 22 para 19, com destaque para o aumento da influência do CV. Em 176 municípios, há uma única facção dominante, e em 84 tem ocorrido a disputa entre dois ou mais grupos. O CV aparece à frente dos demais, com monopólio em ao menos 130 municípios, muitos em regiões de fronteira com a Bolívia, o Peru e a Colômbia. O estudo aponta para estabilização em alguns dos conflitos entre facções. Mas ressalva que a dinâmica criminosa muda rapidamente; de um ano para o outro, certos grupos do narcotráfico são extintos, absorvidos e outros, criados. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.