13/Dec/2024
Nos últimos anos, o Brasil perdeu 6,7 mil cientistas, de acordo com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Muitos pesquisadores deixaram o País para buscar no exterior melhores condições para seguirem com seus estudos. O fenômeno da fuga de cérebros atinge todas as principais áreas de pesquisa acadêmica, mas afeta o agronegócio em particular, já que o Brasil é referência mundial em áreas como energias renováveis, agricultura tropical, manejo sustentável e bioinsumos, entre várias outras. A fuga de cérebros tem relação direta com as restrições que os profissionais enfrentam para se dedicar aos seus estudos. No ano passado, o governo federal anunciou um aumento expressivo no valor das bolsas oferecidas por Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as duas principais instituições que oferecem incentivos para estudantes de pós-graduação no País.
No entanto, ainda que bem-vinda, a medida foi incapaz de eliminar a defasagem dos valores, que ficaram congelados por uma década. As bolsas de mestrado passaram de R$ 1,5 mil para R$ 2,1 mil, as de doutorado, de R$ 2,5 mil para R$ 3,1 mil, e as de pós-doutorado, de R$ 4,1 mil para R$ 5,2 mil. Para receber bolsas do gênero, mesmo antes do último reajuste, o estudante de pós-graduação ainda precisava se dedicar exclusivamente à pesquisa e não ter vínculo empregatício, a não ser para ensino. Caso buscasse outro trabalho para complementar a renda, ele correria o risco de perder a bolsa. A Capes flexibilizou as normas em julho de 2023, liberando, em casos específicos, o acúmulo da bolsa com atividade remunerada. As restrições orçamentárias afetam diretamente os estudantes de mestrado e doutorado, que são parte central da mão de obra produtora de conhecimento no País, mostra o “Dossiê Florestan Fernandes: pós-graduação e trabalho no Brasil (2023)”, produzido pela Cátedra do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ), em parceria com a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG).
Isso leva à fuga para o exterior de pesquisadores que estão em fase de formação, o que significa que profissionais que ainda teriam décadas de trabalho pela frente acabam levando esse potencial de geração de conhecimento para outros países. De fato, o Brasil vive esse problema. Não é uma dificuldade exclusiva, mas outros países têm adotado iniciativas para minimizar a fuga de talentos, enquanto o Brasil tem sido muito inconstante em relação ao tema. Coreia do Sul e China, para citar dois exemplos, desenvolveram programas para repatriar pesquisadores. Não por acaso, Coreia e China estão entre os países mais inovadores do mundo; eles aparecem em 6º e 11º lugar, respectivamente, na edição mais recente, de outubro, do Índice de Inovação Global, elaborado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO). O ranking tem, ao todo, 133 países. O Brasil figura na 50ª posição. A fuga de pesquisadores tem sobre a agropecuária.
Proporcionalmente, a fuga de cérebros na agropecuária é até menor do que em outros setores, já que praticamente todas as grandes multinacionais que atuam no agronegócio têm operações no Brasil, ainda que não deixe de ser preocupante. As limitações financeiras e de estrutura têm como pano de fundo as inconstâncias de cunho político. Muda governo, mudam as prioridades. Um exemplo é o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), mantido pelo governo de São Paulo. Com 137 anos, o centro é o mais antigo do gênero no Brasil, mas, ainda que seja referência internacional em diferentes áreas, ele enfrenta restrições orçamentárias, que ameaçam a continuidade de vários programas de pesquisa. Casos como esse abrem caminho para a fuga de cérebros. O agronegócio é um pilar da economia brasileira, o que torna essencial a priorização da ciência aplicada. Essa é, por exemplo, a natureza da Embrapa.
Para citar dois casos, a estatal de pesquisa agropecuária desenvolveu soluções bem-sucedidas contra pragas que ameaçaram seriamente as lavouras de soja e algodão no Brasil. Dada a dimensão e a variedade de clima do País, é naturalmente um ambiente propício a pragas. Assim, é preciso ser extremamente criativo em pesquisa e desenvolvimento. No início dos anos 70, ninguém imaginava que a soja pudesse superar o café e o açúcar na produção nacional, e hoje o Brasil é uma potência mundial nessa cultura. As decisões que afetam o desenvolvimento da ciência têm que refletir uma visão que o país tenha sobre seu próprio futuro. Nesse quesito, China e Coreia do Sul são referências. Na Coreia do Sul, impressiona a capacidade de pensar o futuro, analisar cenários, definir modelagem. Há 20, 25 anos, a Coreia definiu que que tomaria a liderança das marcas japonesas de automóveis nos Estados Unidos, o que foi feito. O Brasil não costuma trabalhar no planejamento de ciclos longos.
No caso do agronegócio, é necessário pensar em “rupturas possíveis”, contexto em que a tecnologia é imprescindível. O mundo evolui com muita rapidez. Uma ruptura muito recente foi a inteligência artificial, que “criou uma onda de choque em várias direções”. Além de visão de futuro, o trabalho da ciência brasileira precisa estabelecer conexões com outros campos de conhecimento e com a sociedade. Às vezes a área de pesquisa tende a se isolar em seu tema de interesse. Essa conexão entre campos distintos é necessária em particular no agronegócio, que, para produzir alimentos e energia, envolve conhecimentos sobre temas como clima, meio ambiente, saúde, nutrição, tecnologia e mineração, entre outros. São temas imbricados. É preciso formar cientistas com senso de nexo. Fonte: O Globo. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.