29/Nov/2024
A COP29 da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), que acabou em Baku, no Azerbaijão, na madrugada de domingo (25/11), aprovou uma nova meta de financiamento e os elementos necessários para que os mecanismos de mercado de carbono comecem a funcionar, entre outras decisões. Triplicar o financiamento com recursos de países desenvolvidos, saltando dos US$ 100 bilhões para US$ 300 bilhões por ano, é um resultado muito aquém do esperado para os países em desenvolvimento. Paralelamente, se aprovou uma meta de US$ 1,3 trilhão, o que dependerá de um amplo processo de debates visando destravar múltiplas fontes de recursos. As conferências da UNFCCC se tornaram, na perspectiva do multilateralismo, o espaço para buscar solucionar diversos problemas do mundo complexo e desigual, atrelados aos impactos climáticos que se tornam mais e mais evidentes.
Migração, pobreza, insegurança alimentar, água, fragilidades no tocante à adaptação, falta de acesso a tecnologias e recursos financeiros, dependência de energias fósseis, falta de acesso a eletricidade e saneamento, falta de acesso a moradias dignas, questões de gênero são temas intrínsecos ao debate global que encontram espaço na agenda climática. O princípio base da UNFCCC, pelo qual os países desenvolvidos são os maiores responsáveis pelo acúmulo histórico de gases de efeito estufa (GEE) e, portanto, devem apoiar financeiramente países em desenvolvimento, foi acordado em 1992 e repactuado em 2015, com a aprovação do Acordo de Paris. O Brasil apresentou sua contribuição nacionalmente determinada (NDC) atualizada na COP29, visando mostrar liderança, visto que a COP30, em 2025, será no coração da Amazônia, em Belém. Espera-se que até fevereiro de 2025 todas as Partes apresentem suas NDCs atualizadas, o que permitirá medir a nova ambição das metas climáticas voltadas para limitar o aumento de temperatura em no máximo 1,5 grau Celsius.
As ações climáticas exigem financiamento, acesso a tecnologias, serviços e capacitação, para que possam ganhar escala e gerar desenvolvimento local atrelado a benefícios climáticos. Esperar que financiamento climático chegue a todos os países para que implementem suas ações de mitigação, adaptação, incluindo remediação dos efeitos dos eventos climáticos extremos (perdas e danos), exige reformular a arquitetura de financiamento global e, sobretudo, ampliar e diversificar as fontes desses recursos. Esperar que os países desenvolvidos doarão os US$ 300 bilhões por ano é menosprezar a realidade geopolítica e as mudanças que ocorreram no mundo desde 1992, quando a UNFCCC foi acordada. É válido dizer que a demanda por financiamento vindo de países desenvolvidos continuará a ser um argumento negociador relevante, uma questão de ordem. Mas, na prática, os limites de acesso a esses recursos mostram que, em um cenário realista, não é razoável esperar somas vultosas de doações para países implementarem várias ações que transcendem a agenda climática.
É preciso reconhecer que há uma crise de financiamento na UNFCCC e é razoável imaginar que, mesmo com a nova meta, ela continuará. Vale lembrar que, na COP16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, não se adotou uma decisão sobre financiamento, o que é sintomático e reforça a tese de que os países desenvolvidos não querem contribuir com recursos de doação como deveriam, o que exige ampliar e qualificar o que é financiamento e quais seus diferenciais com recursos privados. A dinâmica das Conferências das Partes (COP), com dezenas de grupos de negociação, precisa ser urgentemente revisada. Em Baku, foram adotadas mais de 50 decisões considerando a UNFCCC, o Acordo de Paris e o Protocolo de Kyoto! Há grupos temáticos criados antes e depois do Acordo de Paris que se sobrepõem, mas que continuam a se reunir, tomar decisões e que exigem o envolvimento dos negociadores. Isso gera uma ineficiência enorme e desgastante.
Nos últimos anos, além da negociação formal dos temas da agenda, as conferências se tornaram um imenso lugar para mostrar, debater, criticar e pensar soluções que são adotadas por países, empresas e sociedade civil. Paira uma verdadeira guerra de narrativas que exacerbam o quanto o mundo é desigual e que não há um conjunto básico de ações climáticas que possam ser adotadas em todos os cantos do planeta. Basta ver que há um grupo de 25 países comprometidos em triplicar a geração de energia nuclear! Para outros, a transição energética precisa contar com fontes de bioenergia, envolvendo biocombustíveis, biogás, biometano e bioeletricidade. Há quem preconize a transição para dietas "plant based" como uma solução necessária, o que enseja acabar com a produção de todas as fontes de proteína animal no mundo! A agroecologia é outra tese aventada como a solução para a transição dos sistemas alimentares, desconsiderando todos os outros sistemas produtivos.
A defesa do transporte com 100% de veículos elétricos é um dos enfoques preconizados. Eliminar os combustíveis fósseis integralmente no curto espaço de tempo é outra solução. Há ideias e narrativas para todos os gostos. Nesse contexto, sempre é válido lembrar que as metas dos países são criadas com base nas suas realidades, necessidades e oportunidades para implementar ações climáticas, o que, por si só, sugere que não existe solução única. Essas receitas de soluções climáticas precisam ser plasmadas pelos países idealmente no contexto do conceito de transição justa, que se tornou um tema mais do que relevante nas negociações, tratado no âmbito do Programa de Transição Justa dos Emirados Árabes, criado na COP28. Não houve decisão sobre o tema em Baku, o que se explica, em parte, pelas dissidências sobre como qualificar transição justa. A UNFCCC e o Acordo de Paris padecem de uma crise de governança, relacionada à capacidade de negociar temas estritamente necessários para potencializar a implementação de ações climáticas que entreguem resultados essenciais espelhados nas NDCs das Partes.
A agenda climática de Baku a Belém incita lembrar os caminhos trilhados por outra organização multilateral, a Organização Mundial do Comércio (OMC). Hoje, a OMC vive uma crise sem precedentes, e tenta encontrar caminhos para revisar e criar regras que orientem o comércio internacional, partindo da premissa que regras comuns a todos - multilaterais, são mais benéficas do que uma fragmentação de medidas que favorecem protecionismo e criam um "campo de jogo" (level playing filed no jargão da OMC) desbalanceado. As negociações do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que levaram à aprovação da OMC, acabavam sendo tomadas em salas menores, com a participação de poucos países, as chamadas "green rooms", em alusão à cor do tapete das salas onde se fechavam os acordos em Genebra. As negociações mais complexas da UNFCCC acabam sendo acordadas no formato de "green rooms" e depois aprovadas nas plenárias que, por vezes, entram madrugada adentro nos fins de semana.
Aproveitando a alusão à OMC, é fundamental destacar que os países desenvolvidos passaram a adotar medidas que visam atingir objetivos climáticos criando obrigações extraterritoriais, como forma de cumprir suas metas no Acordo de Paris. Não há que se discutir a relevância de medidas climáticas, mas a proliferação de medidas unilaterais, que menosprezam as ações climáticas adotadas pelos países no âmbito do Acordo de Paris, tende a fortalecer o protecionismo e enfraquecer o multilateralismo. Olhar para o passado e presente de uma organização internacional como a OMC ajuda, numa perspectiva de relações internacionais e direito internacional, a compreender o que acontece com a UNFCCC e o Acordo de Paris. Muito além das guerras recentes, a geopolítica global parece alinhada à defesa de interesses unilaterais ou de pequenos grupos.
É inegável que a agenda climática precisa fomentar as transições que permitam com que todos os países adotem tecnologias e inovações que possam reduzir emissões de GEEs e viabilizem adaptação de forma abrangente. No entanto, as crises de financiamento e de governança climática incitam refletir que é premente reformular como o multilateralismo trata a agenda climática respeitando diferenças entre os países, especialmente os mais pobres, e como as próximas COPs entregarão resultados concretos, capazes de impulsionar ações voltadas para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Menosprezar que o mundo atual é mais protecionista e tenderá a continuar assim por um bom tempo é arriscado e pode gerar impactos desastrosos para a UNFCCC e o Acordo de Paris, prejudicando a almejada transição para economias de baixo carbono, catalisadas por negócios, empregos e recursos alinhados ao desenvolvimento efetivo de países extremamente desiguais. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.