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29/Nov/2024

EUA: setor agrícola enfrenta incertezas e alto custo

A abundância agrícola dos Estados Unidos alimentou o mundo por décadas, mas nos últimos anos essa posição tem se enfraquecido. O economista Dan Basse, fundador da empresa de gestão de riscos agrícolas e consultoria AgResource, teme que o declínio da globalização e a ruptura econômica e política entre Estados Unidos e China coloquem os agricultores norte-americanos em desvantagem diante dessas mudanças. A divisão entre os países do G7 e os Brics provavelmente culminará em padrões comerciais diferentes que prejudicarão o agricultor dos Estados Unidos. Há hoje mais incertezas em relação à política agrícola e geopolítica do que desde o início dos anos 1970. Segue a entrevista:

Como os padrões de comércio agrícola mudaram ao longo dos anos?

Dan Basse: Quando comecei nesse negócio, em 1979, os EUA eram responsáveis por 62% do comércio agrícola mundial. Agora, esse porcentual caiu para cerca de 11%. A demanda continua aumentando globalmente com o crescimento da população, mas vimos o surgimento desse gigante chamado Brasil. Hoje, o Brasil é o maior exportador mundial de soja e milho - títulos que acreditávamos que os agricultores americanos manteriam por muitos e muitos anos. O comércio agrícola tem sofrido bastante nos últimos anos. O déficit dos EUA no comércio agrícola está em US$ 42 bilhões, um recorde. A China era tradicionalmente o maior importador agrícola dos EUA por anos, mas neste ano, o México ocupa o primeiro lugar, seguido pelo Canadá. A China está agora em terceiro lugar.

Como as tarifas de Trump afetaram o comércio com a China?

Dan Basse: Durante a guerra comercial de 2018, o governo Trump impôs tarifas à China. Em 2019, assinamos um acordo que deveria durar dois anos, segundo o qual a China importaria entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões em produtos agrícolas por ano. O governo Biden manteve essas tarifas, mas, por algum motivo, não obrigou a China a cumprir o acordo. Em 2023, a China comprou cerca de US$ 35 bilhões em produtos agrícolas, mas até agora, neste ano, esse valor caiu para cerca de US$ 22 bilhões. Nos últimos 12 meses, os chineses decidiram que depender dos EUA como principal fornecedor de produtos agrícolas talvez não fosse uma boa ideia. Assim, começaram a comprar trigo da Rússia, um pouco de milho da Argentina e milho e soja do Brasil.

O que o próximo governo Trump deveria priorizar na agricultura?

Dan Basse: As oportunidades de exportação agrícola deveriam ser prioridade no apoio à renda agrícola. É isso que estimula os mercados futuros. Eu receio que, ao passarmos de um mundo globalizado para o que chamo de duopólio de poder econômico e político entre Washington e Pequim, o discurso contra a China acabe levando este país a buscar alimentos em outros mercados, excluindo os agricultores americanos. Se perdermos a China, realmente não haverá substituto. Não quer dizer que não possamos desenvolver a Índia ou a África como mercados substitutos, mas isso levará anos.

Durante a campanha, Trump defendeu tarifas de 60% sobre produtos chineses. O que pode ser diferente desta vez, caso o governo tente negociar um acordo para a compra de produtos agrícolas?

Dan Basse: Não acredito que a China estivesse preparada para a primeira guerra comercial. Nesta nova guerra, caso Trump a inicie, acredito que eles estarão muito mais preparados. A China possui estoques significativos de alimentos em reserva e tem comprado a maior parte de seu milho e soja principalmente do Brasil. Não acho que a disputa será tão fácil como foi em 2018 e 2019. Será muito mais difícil negociar com os chineses. Os chineses estão se posicionando para se desvincular dos Estados Unidos, aproximando-se mais dos países envolvidos na iniciativa Cinturão e Rota (estratégia de desenvolvimento de infraestrutura global da China), que, no setor agrícola, inclui a Rússia, mas principalmente Brasil e Argentina. Talvez o presidente eleito, Donald Trump, consiga um acordo, mas isso levará tempo considerável, e os agricultores dos Estados Unidos precisarão ser pacientes para os desafios que estão por vir. Em 2018 e 2019, o governo, por meio da Commodity Credit Corp (CCC) do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), distribuiu os chamados Trump Bucks (cerca de US$ 28 bilhões) aos agricultores. O CCC é uma agência que pode tomar empréstimos do Tesouro dos Estados Unidos. Na época, ofereceu assistência para pagar determinados agricultores que perderam dinheiro durante a disputa comercial com a China e comprou produtos excedentes. Suspeito que, assim como em 2018 e 2019, os pagamentos do CCC possam ser o mecanismo pelo qual os agricultores se mantenham pacientes enquanto reconstruímos os mercados de exportação agrícola. Sei que tarifas são o "martelo" e todo o resto é "prego", mas veremos se esse conceito será um pouco mais eficaz desta vez.

Desde o início do ano, os preços do milho caíram 15% e os da soja, 20%, atingindo os níveis mais baixos em quatro anos. O que está pressionando os preços, além da fraca demanda por exportações?

Dan Basse: A colheita foi grande e, com maior oferta, os preços caíram. Embora este tenha sido o verão mais quente já registrado no geral, no centro dos EUA as temperaturas foram moderadas e a umidade foi suficiente. Isso resultou em rendimentos recordes este ano. Se não conseguimos enviar nossas colheitas para um consumidor final, leva muito mais tempo para consumir esse estoque. Os preços das commodities agrícolas terão uma tendência de baixa por um período mais longo, até encontrarmos um novo impulsionador de demanda.

A renda líquida dos agricultores (dos EUA) caiu 31% desde 2022, a maior queda já registrada para um período de dois anos. Quais outros fatores estão contribuindo para essa queda?

Dan Basse: Além dos preços baixos, os custos variáveis para 2025 devem ser mais altos, principalmente devido aos custos de fertilizantes e sementes, os dois maiores componentes.

Onde estão os custos de produção em relação aos preços futuros? Os agricultores perderão dinheiro este ano?

Dan Basse: O custo médio nacional de produção de milho é de US$ 4,69 por bushel, e de soja é de US$ 10,97 por bushel. Os preços futuros do milho na Bolsa de Chicago estão em torno de US$ 4,25, e os da soja, em torno de US$ 9,80. Isso significa que os agricultores terão renda, por assim dizer, mas perderão dinheiro em relação aos custos de insumos. Se você é dono de sua própria terra e não paga aluguel, isso é uma coisa. Já os agricultores que alugam terras, cerca de 30% da população agrícola dos Estados Unidos, enfrentarão dificuldades e não terão renda este ano. Será um ano difícil, mas isso faz parte do ciclo da agricultura.

Qual é o futuro da agricultura americana?

Dan Basse: A saúde do solo será a próxima discussão que a agricultura americana precisará enfrentar. O que podemos fazer para reduzir o uso excessivo de produtos químicos e cuidar da fertilidade do solo para as próximas gerações? Estamos avançando na saúde do solo. Esta é realmente a próxima revolução na agricultura, mas ainda não fizemos um bom trabalho em estudá-la de forma abrangente. Precisamos entender o panorama completo: como os micróbios, bactérias e tudo mais agem em conjunto.

Quais práticas nos ajudarão a economizar água, capturar carbono e melhorar a fertilidade?

Dan Basse: Como agricultor, acredito que já fazemos o possível para cuidar do solo, mas precisamos de ciência e liderança para nos ajudar a entender o que estamos fazendo. Ao observar Elon Musk pousando foguetes, penso: sabemos mais sobre o que está mais de 300 quilômetros acima de nossas cabeças do que sobre o que está 60 centímetros abaixo de nossos pés.

Fonte: Broadcast Agro.