27/Nov/2024
É no calor das tratativas tidas como decisivas para o acordo comercial Mercosul-União Europeia (UE) que o episódio envolvendo o Carrefour veio à tona. Não é de hoje que a França nem disfarça em posicionar-se contra as negociações, que, para o país, representaria um massacre para seus agricultores. É que aqui a situação se inverte e é o Brasil o primeiro mundo do setor, com tecnologia de ponta, logística avançada e muito investimento em pesquisa. O vaivém de informações do CEO da rede de supermercados, Alexandre Bompard, chegou em pleno feriado de 20 de novembro. Imediatamente, atingiu o setor produtivo e, aos poucos, foi sendo transferido às diferentes esferas políticas. A iniciativa, alegada no começo como um aceno ingênuo aos produtores franceses, se transformou numa questão diplomática. Das grandes. A embaixada do país no Brasil tentou fazer o meio de campo com o Ministério da Agricultura, mas não surtiu muito efeito até aqui.
Bompard pediu desculpas, mas não foi fácil engolir o trecho em que leva para um problema de interpretação da nota inicial: "Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas". Não foi erro de leitura, pois estava com todas as letras no comunicado assinado pelo CEO e divulgado no X, Linkedin e Instagram, quando argumentou que o acordo Mercosul-UE traria o "risco de a produção de carne que não cumpre com seus requisitos e padrões se espalhar pelo mercado francês". O segundo documento, portanto, divulgado após a abertura de um comitê de crise na sede do supermercado, em Paris, acionou a diplomacia, atingiu produtores e chegou à ala política pode ser ironicamente descrita como um “je ne sais quoi”, expressão francesa que é utilizada em quase todo o mundo quando alguém deseja explicar algo que é inexplicável.
Numa coisa, o executivo tem razão: a agropecuária doméstica fornece carne de alta qualidade e com sabor. Não comprar mais a proteína do Brasil seria um castigo também para os franceses, famosos por apreciar alimentos de primeira. O mais curioso é que tudo ocorreu meses depois que os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron visitaram a Amazônia de forma tão íntima e aproximando as partes que acabou virando meme nas redes sociais. Esta não é a primeira vez que varejistas europeus usam importações agropecuárias brasileiras, em especial, a carne, como uma forma de protesto. Em 2019, o British Retail Consortium (BRC), que reúne 96,8% da cadeia varejista britânica, alertou que a aprovação do "PL da Grilagem" poderia representar um risco para o negócio entre os dois países. A desconfiança britânica se estendeu para o resto do continente e uma fonte diplomática chegou a alertar Brasília sobre a gravidade do assunto, já tendo o Mercosul-UE como pano de fundo: "Prestem atenção a isso. A questão é bastante grave", enfatizou.
Em 2021, a comunidade internacional monitorava não apenas o 'PL da Grilagem" como o da "Boiada", inclusive com investidores escandinavos dizendo que não tinham mais intenção de destinar recursos ao Brasil, pelo temor com o desmatamento da Amazônia. Mas nestes dois casos, eles eram os mocinhos e os brasileiros estavam no papel dos bandidos. A situação agora é totalmente diferente. Para o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, o executivo do Carrefour se retratou e agora é "bola pra frente". A dias da cúpula do Mercosul, com as tratativas do acordo com o bloco da Europa a todo o vapor, no entanto, não será surpresa se outros episódios como este voltarem a vir à tona. Há muito em jogo. Vale lembrar que, no dicionário, a tradução mais fiel à palavra Carrefour é cruzamento. O termo também pode ter como versão a expressão encruzilhada. Dada a situação atual da varejista, parece ser o mais apropriado. Fonte: Célia Froufe. Broadcast Agro.