27/Nov/2024
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29) deste ano, realizada em Baku, no Azerbaijão, definiu uma nova meta de financiamento climático: US$ 300 bilhões anuais, até 2035, será o valor pago pelas nações ricas para os países em desenvolvimento enfrentarem as mudanças climáticas. A cifra não é muito maior do que a meta anterior (de US$ 100 bilhões) e está muito aquém do necessário, segundo projeções internacionais. O pessimismo já era evidente, mas o desfecho foi considerado frustrante e inspirou análises sombrias sobre a falta de vontade política, a ausência de uma liderança central que promovesse uma concertação eficaz e a indefinição de como virão os recursos e como serão aplicados. Apesar disso, convém cautela para que o mundo não embarque nem no catastrofismo nem no desespero, não só porque um impasse favoreceria a inércia dos negacionistas, mas também porque há avanços em curso que precisam ser registrados.
É o caso dos movimentos regulatórios do mercado de carbono, do estímulo crescente à descarbonização, dos novos mecanismos pensados para reduzir o risco climático em países em desenvolvimento e até mesmo as mudanças na arquitetura financeira global, de modo a fazê-la suportar a pressão que a emergência climática trará nas próximas décadas. Previsivelmente, ambientalistas consideraram a COP29 um fracasso, uma “sentença de morte para inúmeras pessoas”, segundo palavras da ativista Greta Thumberg. Um impotente secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que esperava um resultado mais ambicioso, enquanto alguns dos principais arquitetos do multilateralismo climático, como Ban Ki-moon, ex-secretário-geral da ONU, e Christiana Figueres, ex-secretária executiva da organização guarda-chuva da COP, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, chegaram a criticar o processo, pedindo uma reforma para uma governança que seja “mais adequada ao propósito”. As críticas acabaram amplificadas pela simbologia de 2024, que deve ser o ano mais quente já registrado.
Mas não dá para avaliar a COP29 desconsiderando o seu contexto. As negociações em Baku começaram afetadas pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Ele, afinal, promete iniciar seu mandato tirando o país do Acordo de Paris e até da Convenção do Clima. Com isso, o peso das finanças recaiu sobre a União Europeia, que não quer arcar sozinha com o financiamento climático do mundo em desenvolvimento, sobretudo diante das crises que o bloco enfrenta, como a ascensão de forças de direita explicitamente hostis à pauta climática, a instabilidade política e econômica na Alemanha e uma França em crise orçamentária. E há a China, cuja responsabilidade pelas mudanças climáticas tornou-se incontroversa. O modelo, desenhado em 1992, é hoje um contrassenso. O financiamento caberia aos países ricos e industrializados, enquanto países como China, Índia e Arábia Saudita ainda são classificados como “em desenvolvimento” pela Convenção-Quadro das Nações Unidas, todos protegidos sob o manto do tal “Sul Global”. Hoje, no entanto, essa distinção não faz mais sentido.
Primeiro pela potência que a China é. Segundo porque a China gera hoje praticamente o dobro de emissões dos Estados Unidos e é responsável por 90% do crescimento das emissões de carbono desde 2015. Ainda que a China tenha fornecido dinheiro para outros países em desenvolvimento e seja um líder global em investimento e expansão de energia limpa, faltam-lhe compromisso e transparência. Esse é um dos vespeiros com os quais o Brasil e os outros países precisarão lidar até a COP30, que ocorrerá em Belém (PA), em 2025. A palidez da COP29 exigirá mais da COP30, com a presidência brasileira, não só para ajudar a restaurar as negociações climáticas, como também para retomar a confiança no regime multilateral, que saiu de Baku com mais fraturas. No Azerbaijão, o ditador local, Ilham Aliyev, elogiou o petróleo como um “presente de Deus”. No Brasil, o presidente Lula da Silva e a ministra Marina Silva precisarão mostrar que o País tem mais a oferecer do que belas palavras em favor da transição. Não haverá vida fácil até lá, mas ainda assim os prognósticos estão longe de resumir-se a um horizonte sombrio e desesperançado.
O documento final da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, foi recebido com frustração por especialistas e parte das autoridades. O objetivo principal da reunião deste ano, definir um fundo de financiamento para ações de combate e resiliência à crise climática, trouxe uma meta menor do que 1/5 do montante calculado como necessário. Esse valor a ser repassado pelos países ricos aos emergentes ou pobres deve ser, no mínimo, de US$ 300 bilhões (R$ 1,74 trilhão) até 2035. Estudos, porém, calculavam a necessidade de ao menos US$ 1,3 trilhão (R$ 7,5 trilhões). Para especialistas, isso reflete o cenário geopolítico tenso e expõe a insuficiência da ONU para mediar conflitos. Reforça o alerta de que o modelo de consenso multilateral para decisões não vai acelerar significativamente a luta contra a crise climática, ao menos em curto prazo. E eleva a pressão sobre a conferência de Belém. Mesmo assim, os fóruns da organização são vistos como a principal alternativa para soluções de alcance amplo. Em outras crises, como a do buraco na camada de ozônio, o esforço global teve êxito.
O cenário mudou na última década. O mundo saiu da pós-Guerra Fria e entrou na 2ª Guerra Fria (entre Estados Unidos e China). Intensificou-se o conflito entre as grandes potências, incluídas duas guerras no centro do sistema (Israel contra Hamas, Hezbollah e Irã e o conflito na Ucrânia), e diminuiu a cooperação. O multilateralismo está em crise profunda. Para o Observatório do Clima, trata-se de uma ‘encruzilhada’, porque o processo multilateral climático é um desastre, mas é a única coisa que separa hoje do aquecimento global de 3°C ou mais (na comparação ao nível pré-Revolução Industrial, em meados do século 19). O Acordo de Paris prevê limitar o aquecimento a 1,5°C. Para o Instituto Climainfo, o modelo de decisão por consenso, adotado nos fóruns internacionais climáticos, é considerado ultrapassado. Mas isso só poderia ser resolvido com uma reforma completa da ONU, o que não é tarefa fácil, ou sequer possível. A ONU não pode invadir a soberania dos países. Tudo repousa na boa vontade ou vergonha dos países. O sistema está muito complicado pela questão da falta de governança.
Países mais ricos, como os da Europa e os Estados Unidos, dominaram completamente a agenda, impedindo que basicamente 95% dos países tivessem voz, diz Paulo Artaxo, professor da USP que integrou o IPCC, grupo da ONU que reúne cientistas que estudam o aquecimento global. Segundo ele, tanto o conselho de segurança quanto outros órgãos da ONU precisam passar por revisão. É uma bandeira importante porque já são 29 COPs, 29 anos sem progresso efetivo. Isso vai continuar até a COP 50, 60, até quando todos nós estivermos “fritos”. Climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, Carlos Nobre assinou uma carta do Clube de Roma, grupo de especialistas no debate climático que pediu mudança nos critérios de escolha das sedes nesta COP. O ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon estava entre os signatários. “Três COPs seguidas em países interessados nos combustíveis fósseis (Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão) não foi boa ideia. Para os próximos anos há o questionamento em relação aos Estados Unidos sob Donald Trump. Especialistas apontam, porém, que isso não significa ausência dos norte-americanos na luta contra o aquecimento global. Isso porque vários governos locais tendem a manter seus esforços de adaptação e as empresas norte-americanas não vão recuar totalmente em seus investimentos para a transição energética.
Para o Observatório do Clima, é preciso aproveitar que Trump vai retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris para desenhar um jeito, dentro da convenção, de tocar essa agenda sem contar com esse país. Se ficar esperando pelos Estados Unidos, não se conseguirá resolver nunca. Outra discussão que fica é como ampliar os recursos para mitigação da emergência climática. Novos ricos, China e Arábia Saudita, se negam a contribuir, apoiados pelo Brasil, um país de renda média alta, entre outros. O quadro tende a piorar nos próximos anos com o governo Trump e o aumento dos gastos militares em todo o mundo. Foram colocadas na mesa alternativas de financiamento. Mas, vale lembrar que, nos países pobres, o risco de inadimplência é alto e, portanto, os juros exigidos nessas operações também são altos. Até quatro vezes mais altos do que os praticados num país rico. Ou seja, o país pobre que usar bem esses recursos estará, no fim, enriquecendo ainda mais os ricos. Não parece que se possa chamar isso de ‘justiça’. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.