08/Nov/2024
Para o professor Armando Castelar, do FGV Ibre, a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos vai acentuar a mudança de rumo na política econômica norte-americana. São propostas relativamente radicais em quatro áreas: política comercial, imigração, tributação e regulação. Trump promete aumentar as barreiras às importações em especial, mas não apenas, da China, para substituí-las por produtos fabricados no país. Também quer reduzir a imigração, inclusive com a expulsão de ilegais. Pretende ainda reduzir os impostos incidentes sobre empresas e, possivelmente, pessoas físicas, e reduzir a carga regulatória em áreas como energia, dando menos ênfase à questão climática. O resultado será um forte estímulo fiscal à atividade, mas também aumento ainda maior do déficit e da dívida pública norte-americana, além de mais inflação.
Isso vai forçar o Fed (o banco central norte-americano) a adotar uma política monetária mais contracionista, de forma que os juros curtos e longos subirão, o que, com uma alta do mercado acionário, atrairá capitais para o país, valorizando o dólar. É um cenário ruim para os emergentes, que devem sofrer com o dólar e os juros mais altos. Além disso, as barreiras às importações e os impactos negativos sobre a atividade econômica na China e, em menor escala, na Europa também dificultarão as exportações desses países. O Brasil deve ser negativamente afetado por esse cenário, ainda que, por ter um déficit nas suas transações comerciais com os Estados Unidos, não venha a ser tão visado pela política comercial de Trump.
De qualquer forma, haverá mais pressão sobre o câmbio e os juros, o que tornará ainda mais necessário conter os gastos públicos e reduzir o déficit fiscal. Ainda que as linhas gerais desse cenário com Trump sejam consensuais, há dúvidas em três dimensões. Uma, que se resolverá logo, é se os republicanos também controlarão, além do Senado, a Câmara dos Deputados. Se não, as medidas nas áreas regulatória e fiscal ficarão mais difíceis. Dois, se Trump adotará uma postura mais pragmática e menos ideológica, usando a ameaça de barreiras comerciais mais como meio de atrair investimento direto para os Estados Unidos, em especial da China. E, três, se Trump procurará um acordo com outros países para enfraquecer o dólar, para facilitar a (re)industrialização do país. Nos três casos, são caminhos que melhoram o cenário. No todo, porém, a conclusão é que a situação ficou mais desafiadora para a economia brasileira.
Para a Neo Investimentos, a maior surpresa com a volta de Donald Trump ao poder é a extensão da sua vitória. Ele deve ter a maior votação no colégio eleitoral (vencendo em quase todos os “swings states”) desde Obama em 2012, venceu também no voto popular e, provavelmente, ter maioria nas duas câmaras do Congresso. Terá um mandato popular amplo e meios políticos para executá-lo. Na economia, ainda que não se saiba de detalhes cruciais, a agenda ‘MAGA’ é o protecionismo e melhora do ambiente de negócios, entendida por menos impostos e regulação. A agenda protecionista deve levar a um choque no comércio global de extensão e profundidade ainda desconhecidas. Parece certo que o alvo principal é a China; há menos clareza sobre a materialização da tarifa horizontal para todos os países, com impactos inflacionários nos Estados Unidos e recessivos no mundo todo. A agenda pró-negócios deve melhorar a lucratividade das companhias norte-americanas à custa de déficits públicos maiores.
Com maior inflação, isso deve levar a juros maiores em dólares. Ativos norte-americanos serão mais atrativos para poupadores do mundo todo. Essa combinação pode ser muito ruim para o Brasil, no curto e no médio prazos. De imediato, o País sentirá o efeito da depreciação adicional do Real nos preços e nos juros. Com a inflação já partindo de um patamar alto, o Banco Central dificilmente poderá acomodar essa pressão adicional nos preços sem precisar apertar ainda mais a política monetária. Isso implicará crescimento menor e mais dificuldade para equilibrar a dívida pública. Quanto ao comércio internacional, será preciso avaliar os efeitos no comércio com os Estados Unidos e indiretos no que transbordar para a China, já que estes são os dois maiores parceiros comerciais do Brasil. A pauta de exportações do Brasil para os Estados Unidos é bastante diversificada (os cinco maiores grupos de produtos correspondem a menos de 40% do total exportado nos últimos três anos), de forma que o agregado não seria muito prejudicado se as tarifas forem direcionadas a alguns setores específicos.
Além disso, a depreciação acumulada recentemente no Real mais que compensa qualquer aumento plausível de tarifas a serem aplicadas para o Brasil. Na China, é bem mais difícil de estimar para além do ‘susto’ inicial com um choque negativo no crescimento global. Não é absurdo imaginar que a China poderia direcionar para o resto do mundo, a preços mais baixos, o que deixar de vender para os Estados Unidos. O efeito disso na produção agregada e, portanto, no crescimento do país e em sua demanda por matérias-primas é ambíguo e impossível de ser quantificado a esta altura. A “onda Trump” atinge o Brasil em um momento crucial de definição de política econômica. O que será feito dela depende da leitura do governo: se um chamado à austeridade, como preparação para um mundo mais turbulento nos próximos quatro anos, ou se um incentivo ao populismo com foco no mercado doméstico.
Para a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a eleição do republicano Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos é contemplada com certa preocupação, mas ao mesmo tempo como uma grande oportunidade para a indústria brasileira. A preocupação se faz presente porque se Trump levar a cabo a promessa de elevar para 50% ou 60% a taxação de produtos chineses que ingressam no mercado norte-americano, poderá ocorrer um aumento do desvio de comércio da China para outras regiões, em especial o Brasil. O setor já tem percebido uma enchente desses produtos no Brasil. No setor de máquinas e equipamentos; só de janeiro a setembro, o aumento da importação de bens chineses para o Brasil foi de 29%.
Aí uma coincidência de números: a China tem 29,6% do mercado no Brasil, e esse ano aumentou em 29% a importação da China. A percepção é de que Donald Trump vai aumentar as barreiras, vai se proteger mais ainda, e isso pode causar um problema para Brasil: desvio de comércio do produto que iria para os Estados Unidos. Mas, por outro lado, a briga entre Estados Unidos e China pode redundar em uma grande oportunidade para a indústria brasileira. Isso porque hoje os Estados Unidos, que já são o maior parceiro comprador de produtos de maior valor agregado do Brasil, podem abrir o espaço que se abrirá com a saída dos produtos chineses para os brasileiros.
O professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues avalia que, mesmo com a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, as demandas de mercado devem prevalecer sobre as questões ideológicas na relação com o Brasil. O que importa é o mercado funcionar adequadamente para que o Brasil continue participando dele também adequadamente. Para o professor, ainda é "cedo" para avaliar a política a ser adotada por Trump. É precisamos ver as declarações dele como presidente eleito e o ministério que irá escolher. Se considerado o primeiro mandato de Trump, a tendência é de maior "desglobalização", com implicação nas organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial do Comércio (OMC). Pode ser que haja uma redução do protagonismo das organizações multilaterais. Isso é ruim para todo mundo, mas é ruim para o Brasil também. Sem organismos multilaterais, não há rumo. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.