26/Sep/2024
Após assumir um protagonismo inédito dentro do governo na agenda ambiental, com o Plano de Transformação Ecológica, o Ministério da Fazenda quer usar instrumentos fiscais, creditícios e financeiros para induzir o agro a adotar práticas econômicas cada vez mais sustentáveis. Segundo Carina Vitral, gerente de projetos para transformação ecológica do Ministério da Fazenda, o Plano Safra ficará “cada vez mais verde” nos próximos anos e irá condicionar o acesso ao crédito subsidiado para induzir o setor a aderir cada vez mais à economia de baixo carbono. Segue a entrevista:
O que é o Plano de Transformação Ecológica?
Carina Vitral: É um plano pioneiro, e ter a Fazenda na liderança demonstra a força dessa agenda dentro do governo Lula. Não é só um plano de descarbonização ou um plano ambiental, que já seria importante, mas é um plano de desenvolvimento que enxerga vantagens comparativas para o Brasil, seja com seus recursos naturais, com uma rede elétrica renovável robusta, mas também a sua infraestrutura, terras com culturas alimentares e energéticas, um parque industrial diversificado, sistema financeiro robusto e sólido.
O que já foi colocado em prática nessa agenda?
Carina Vitral: Há projetos já aprovados, outros em tramitação no Congresso. O Mover (Programa Mobilidade Verde), por exemplo, cria incentivos para o setor automotivo. Há estimativas de mais de R$ 100 bilhões em investimentos. Há o marco legal de hidrogênio de baixa emissão de carbono, aprovado e aguardando sanção. Concede crédito financeiro e incentivos fiscais de até R$ 18 bilhões. Esse projeto pode alavancar R$ 130 bilhões em investimentos. O “combustível do futuro” foi aprovado, para investimento em etanol, biodiesel, diesel verde, combustível de aviação, muitas modalidades, com mais de R$ 200 bilhões de investimentos.
Há a necessidade hoje de fazer o País crescer, mas de forma ‘verde’. Como conciliar esses dois objetivos, sendo que há um custo para a transição?
Carina Vitral: O plano tem essa inspiração forte do conceito de desenvolvimento sustentável, que é garantir a qualidade de vida e o direito ao uso sustentável dos recursos naturais pelas gerações futuras, sem comprometer a nossa geração.
Crescer, mas de outra forma.
Carina Vitral: Exatamente, o que temos sentido é que a iniciativa privada está à espera disso para destravar os investimentos. Muitas das coisas que anunciamos são regramentos setoriais. Talvez para outros países vá acontecer um custo no ‘hoje’, para garantir o futuro. O Brasil tem uma característica sui generis: o mundo tem o setor de energia como o que mais emite (poluentes), e o Brasil tem mais de 90% da sua matriz elétrica renovável, e da energética, mais de 50%. Então, temos vantagens, não faz sentido não colocar a transformação ecológica no centro do empurrão do desenvolvimento.
Nossas emissões estão muito ligadas ao agro, com desmatamento e queimadas. Como incentivar esse setor a mudar certas práticas?
Carina Vitral: Existem muitos produtores rurais se conscientizando e apostando no mercado voluntário de carbono, práticas sustentáveis. A nossa grande aposta é criar incentivos e regulações que incentivem boas práticas e desincentivem as ruins. Há instrumentos financeiros, administrativos, fiscais, creditícios e regulatórios, que podem induzir à economia de baixo carbono.
Quais seriam esses instrumentos?
Carina Vitral: Vários. O Plano Safra é uma linha de crédito fundamental para o desenvolvimento da agricultura e está cada vez mais verde. E, cada vez mais, ano a ano, vai condicionar o acesso ao crédito às práticas sustentáveis. Já anunciamos esses critérios ecológicos e de sustentabilidade, com vedação completa a desmatamento, recursos que podem ir para recuperação de áreas degradadas e estímulos a práticas sustentáveis e de baixo carbono.
O que mais?
Carina Vitral: O mercado de carbono, quando amadurecer, a floresta em pé, a unidade de conservação e área de preservação das terras terão valor comercializável. E queremos que a manutenção da floresta seja um complemento da renda dos agricultores. Não só uma regra para ser cumprida. Também estratégias de bioeconomia. A floresta em pé pode ter manejo sustentável, com produção de culturas e produtos florestais não madeireiros, como castanhas, açaí, que vêm da floresta em pé. Fitoterápicos. Isso é um conceito que o Brasil tem a ganhar.
Vai ficar mais fácil para o banco cobrar mais de quem polui mais?
Carina Vitral: Na medida em que o governo se propõe a criar critérios, a utilizar câmaras científicas para medir essa sustentabilidade, você consegue incentivar que as instituições financeiras criem linhas de crédito para favorecer empreendimentos sustentáveis. Hoje, é difícil saber o que é sustentável. Outros países já têm esse critério mais claro.
Como está a agenda ESG no Brasil?
Carina Vitral: Temos avançado muito. Essa agenda é da sociedade, tem um fator claro que é o aumento da consciência de que a mudança climática já chegou, e que países como o Brasil estão sendo mais afetados.
Fonte: Broadcast Agro.