10/Sep/2024
A falta de transparência na divulgação de informações sobre responsabilidade ambiental dificulta a análise de empresas brasileiras por gestores que escolhem ativos para receber investimentos. A opinião é de Luzia Hirata, responsável na Santander Asset Management por definir os critérios que classificam fundos ESG (ambiental, social e governança sustentáveis). “Muitas vezes, a gente vai avaliar as companhias do Brasil e elas acabam tendo uma nota um pouco menor na comparação com empresas europeias porque não temos informação suficiente. Não conseguimos ter um retrato do desempenho em relação à sustentabilidade dessas empresas”, diz.
A criação de uma taxonomia, ou seja, um sistema de classificação de atividades e ativos que têm objetivos ambientais e sociais, deve facilitar o trabalho dos gestores e das empresas que querem se enquadrar nos padrões ESG. Enquanto a União Europeia (UE) tem uma taxonomia desde 2020, o Brasil começou a desenvolver a sua no apenas ano passado. “Não consigo dizer se estamos atrasados, mas, quanto mais tempo demorar, talvez a gente perca mais oportunidades de mostrar esse diferencial ambiental.” Sobre a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), prevista para ocorrer em novembro de 2025 em Belém (PA), a executiva diz que o fórum pode ajudar a trazer recursos para o Brasil, desde que o País consiga se vender como um local com soluções sustentáveis para o mundo. Segue e entrevista:
As empresas brasileiras estão preparadas para atrair capital de quem quer investir em companhias ou fundos ESG?
Luzia Hirata: Tem muitas empresas que estão se preparando bem. Empresas que enxergam isso há mais tempo. Quando a gente fala dos temas social e governança, isso é um debate recente. Mas, quando se fala de sustentabilidade das empresas, é um assunto de mais de 20 anos. A gente vive um momento em que as empresas se posicionam bem, mas ainda estão expostas a alguns eventos críticos - acidentes, questões trabalhistas e de governança -, o que demonstra fragilidade. É nesse ponto que o mercado financeiro tem atentado e tentado avaliar se aquilo que está sendo reportado é o que a empresa tem como prática. A gente vive um momento em que as empresas estão se expondo um pouco mais, porque investidores e sociedade têm questionado mais o comportamento das companhias.
Nas questões ambientais, as empresas brasileiras estão preparadas tanto quanto as europeias e americanas?
Luzia Hirata: As europeias têm uma maturidade maior. Algumas empresas lá fora estão amadurecendo isso há mais tempo, ou são mais cobradas pelos reguladores. Outro aspecto é a questão da transparência. As companhias europeias têm uma exigência muito maior em relação à transparência e à divulgação de informações. No Brasil e nos países da América Latina, não se reporta tanto. Isso dificulta uma análise do ponto de vista de investimentos. Muitas vezes, a gente vai avaliar as companhias do Brasil e elas acabam tendo uma nota um pouco menor (na comparação com empresas europeias) porque não temos informação suficiente. Não conseguimos ter um retrato do desempenho em relação à sustentabilidade dessas empresas.
Como está a demanda dos investidores por esses ativos? Parece que houve um ‘boom’ na pandemia, mas depois o mercado esfriou.
Luzia Hirata: Sim, houve uma explosão e depois isso se acomodou. Não só no Brasil, mas no mundo. Aqui, a gente teve uma definição para a identificação de fundos que podem ser classificados como investimento sustentável. A Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) definiram regras. Isso fez com que o mercado conseguisse identificar melhor qual é esse tipo de fundo. A gente tem um mercado que não é grande. Está na faixa de R$ 11 bilhões de ativos. Esse número corresponde a muito menos que 1% do mercado total. Como o Brasil tem um mercado muito grande em ativos de renda fixa, em títulos públicos, essa comparação às vezes fica difícil. Ainda assim, é um mercado pequeno, que tem crescido muito em número de fundos, mas o que está sendo alocado nesses fundos tem permanecido estável.
A demanda, então, está baixa?
Luzia Hirata: Está baixa. Mas existem altos e baixos. Tem períodos, como na pandemia, que todo mundo queria ter alocação e fundos de investimentos sustentáveis. Mas a gente ainda não tinha uma regulação pronta. Agora, a gente tem um mercado mais bem preparado. A demanda vai crescer? Não depende só da demanda por ativos ESG. Tem uma condição de mercado que influencia bastante. O mercado geral da indústria de fundos de investimento acaba tendo seus fluxos maiores ou menores dependendo do momento. Agora, o momento é mais difícil. Entendo que a demanda de alguns tipos de investidores, como fundos de pensão e seguradoras, tende a crescer. Os próprios reguladores estão começando a tentar direcionar recursos para essa economia de mais baixo carbono e para uma economia que olhe para o desenvolvimento sustentável. Aí as companhias têm que estar preparadas. Os gestores de fundos de investimento também têm de estar preparados para conseguir acompanhar o crescimento desse mercado.
Desde 2020, a União Europeia tem uma taxonomia. A Taxonomia Sustentável Brasileira ainda está sendo elaborada. Estamos atrasados?
Luzia Hirata: Não consigo dizer se estamos atrasados, mas, quanto mais tempo demorar, talvez a gente perca mais oportunidades de mostrar esse diferencial. A gente não vai fazer uma taxonomia exatamente como a europeia. Nosso cenário é diferente. Temos alguns pontos melhores para serem mostrados. Por outro lado, a gente tem outros desafios. Temos questões sociais, que também têm que ser incluídas. Isso dá mais trabalho. Acho que esse atraso acaba sendo um pouco em relação a isso, mas espero que, quando a taxonomia sair, seja bastante consistente. Aí vai ajudar muito não só os gestores de fundos, mas as próprias empresas vão saber exatamente o que pode ser considerado sustentável, qual o porcentual de receita está alinhado a produtos considerados sustentáveis. Isso facilita muito.
A COP pode ajudar a atrair investimentos para empresas brasileiras?
Luzia Hirata: Acho que a ideia de a COP ser no Brasil é justamente atrair a atenção do mundo. Está todo mundo tendo esse olhar para o que vai acontecer na COP do ano que vem, e o Brasil tem que estar preparado. Será que a nossa política de mudanças climáticas vai sair até lá? A gente vai conseguir mostrar a redução de desmatamento na Amazônia e no Cerrado? Os setores vão estar mais alinhados em relação aos seus compromissos net zero? Tem uma série de ações que precisamos fazer e estar preparados para o ano que vem, mas tenho certeza de que vai atrair muito a atenção e, provavelmente, recursos. Mas hoje a gente está em um mundo mais complicado, com guerras. Vai ter eleição nos EUA, que vai redesenhar esse cenário. A gente precisa esperar para ver o que vai acontecer. Mas acho que a grande ideia é essa: trazer mais recursos, justamente se a gente conseguir demonstrar esse diferencial.
Qual é esse diferencial?
Luzia Hirata: A gente tem atividades e uma matriz energética mais limpa. Países que têm dificuldade para lidar com as questões do clima podem olhar para o Brasil como um apoio. Ter projetos de carbono, por exemplo. A gente tem esse diferencial não só em relação à energia mais limpa, mas por ter as florestas. A questão da biodiversidade é outro tema bastante discutido. Os setores precisam conseguir mostrar esse diferencial competitivo em relação à sustentabilidade.
A sra. disse que a eleição americana pode redesenhar o cenário. Vocês consideram a possibilidade de haver uma guinada na política climática e ambiental dos EUA, com impactos no setor energético?
Luzia Hirata: Talvez não haja uma guinada absurda (se Trump vencer a eleição). Quando ele foi eleito no passado, teve um posicionamento muito firme de que os EUA não faziam mais parte do Acordo de Paris. Só que essa não é uma decisão simples. Tanto é que eles não saíram do acordo. Acho que tem algumas questões que não vão mudar tragicamente. Muda o posicionamento e o apoio a alguns setores específicos. Ainda assim, o mercado americano é mais complexo. Mas o mercado americano também é mais pragmático. Tem setores que vão ganhar dinheiro com isso e que vão ter um posicionamento diferente, porque sustentabilidade é um posicionamento de negócio, de alinhar a estratégia para enfrentar os desafios.
Fonte: Broadcast Agro.