30/Aug/2024
Um grupo de 53 empresários assinou, na quarta-feira (28/08), manifesto em defesa da articulação entre setor público e privado para gerar uma coalizão em defesa do ambiente, da economia e do bem-estar da população. O ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, um dos signatários, defendo que o setor privado tem de assumir também essa tarefa, que é heroica, porque as coisas não estão indo muito bem. Quando, de um lado, se vê Porto Alegre (RS) e, no outro, o Pantanal, alguma coisa não está funcionando. A natureza está dando esse recado. O documento reúne nomes de diferentes setores. Pedro de Camargo Neto, produtor rural que foi presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-secretário do Ministério da Agricultura, também está entre os defensores do chamado “pacto econômico com a natureza”.
O objeto é mostrar uma união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver, porque não será uma resolução fácil. O documento começou a ser costurado por Pedro Bueno (CEO do grupo de saúde Dasa), Candido Bracher (membro do conselho de administração do Itaú), Roberto Klabin (conselheiro da Klabin) e Walter Schalka (membro do conselho da Suzano), que reuniram outras figuras do setor privado como Fraga, Camargo, Ana Maria Diniz, José Luiz Setúbal e Rubens Ometto. Em entrevista, Fraga e Camargo criticam a ideia de explorar petróleo na Margem Equatorial, uma proposta que racha o governo Lula atualmente. A receita adicional com a exploração de petróleo seria ínfima perto do ganho que esse sinal (de não explorar) traria para o País, afirma Arminio. Os empresários querem ajudar o governo a compreender que não é o momento de explorar petróleo. Segue a entrevista:
Como o manifesto do pacto econômico com a natureza chegou aos srs.? E qual a importância de divulgá-lo neste momento?
Armínio Fraga: Não fui do núcleo inicial, mas no momento em que me apresentaram o texto, eu assinei na hora. E, essencialmente, porque eu vejo essa situação como sendo um problema global. O Brasil tem peso, o Brasil pode liderar dando exemplo. O setor privado tem de assumir também essa tarefa, que eu diria hoje é heroica, porque as coisas não estão indo muito bem. Acho que quando, de um lado, nós enxergamos Porto Alegre e, no outro, o Pantanal, alguma coisa não está funcionando. A natureza está dando esse recado. No geral, eu às vezes acho que o Brasil poderia ter ambições que vão além do econômico. O Brasil poderia ter, no mundo verde, um elemento de qualidade de vida, de autoestima. Isso tudo vem junto. É uma frente extraordinária para o Brasil.
Pedro de Camargo Neto: Entrei já com um processo de articulação. Não estou na base inicial, mas me identifico com o manifesto. Vivemos um momento único. Tem uma catástrofe, o clima está mudando mesmo e acho que hoje já não se discute mais. Vivemos um passado de negacionismo. Mas o objetivo aqui não é polarizar, é olhar para frente, é unir, é criar consensos. Então, vimos o documento dos Três Poderes da semana passada. Que bom que eles estão lá, também, conversando, se unindo. E vamos construir em cima disso. O objetivo é de união, o empresariado entrando, compreendendo o momento e se colocando interessado em ajudar a resolver, porque não será uma resolução fácil.
Como o Brasil chegará à COP, no ano que vem?
Pedro de Camargo Neto: Temos uma característica meio única. Primeiro, os combustíveis fósseis são pequenos nas nossas emissões. Temos os biocombustíveis todos crescendo. Começamos com o álcool lá atrás, agora virou etanol, etanol segunda geração, biodiesel. O que aconteceu na eólica no Nordeste é inacreditável. O que está acontecendo na fotovoltaica também é inacreditável. Então, o Brasil é um país líder. Qual é o maior problema do aquecimento global? Combustíveis fósseis. Então, temos de enfrentar o que os outros estão fazendo, pressioná-los de que eles também têm de caminhar em uma direção que está devagar.
O governo brasileiro deveria desistir da ideia de explorar petróleo na Margem Equatorial?
Pedro de Camargo Neto: Estamos aqui para construir, não é para criticar o governo. É para ajudá-lo no propósito. Mas o governo tem uma divergência interna. É claro que tem. Queremos ajudá-los a compreender que não é o momento. Não é o momento porque o Brasil exporta petróleo, mas o mundo não está precisando de petróleo. Você tem de liderar o antifóssil, anticombustível.
Armínio Fraga: O governo vai ter de tomar uma decisão corajosa de dar um basta. A receita adicional (com a exploração de petróleo), acho que seria ínfima perto do ganho que esse sinal traria para nós, e o risco ambiental é inaceitável a essa altura do jogo. Tem de ser encarada não como uma decisão puramente econômica de ‘vamos arrumar lá mais uma receita’, mas algo muito maior. O Brasil precisa também cuidar da sua imagem.
Armínio, o sr. está por trás de uma das empresas de crédito de carbono, a Re.Green. Como tem visto o potencial do Brasil no reflorestamento ambiental?
Armínio Fraga: É uma fronteira extraordinária, o Brasil precisa aproveitar esse espaço. Não me sinto nem um pouco conflitado, eu vejo o que nós fazemos como sendo uma atividade que é um ganha-ganha. Estamos diante de um momento de estruturar esse mercado direito, estruturar o arcabouço do carbono de tal forma que o Brasil possa não só dar uma contribuição, vamos chamar assim, atmosférica, mas econômica também, e é mais do que isso. Eu insisto no ponto de autoestima, de qualidade de vida, que me faz pensar em Costa Rica, me faz pensar na Nova Zelândia. Por que não?
O manifesto fala que os Três Poderes e o empresariado precisam se unir o quanto antes para dar velocidade a esse desafio. Essa interlocução com Brasília por parte do setor privado tem se dado de maneira eficiente?
Armínio Fraga: Vejo um debate ocorrendo de uma maneira saudável. O resultado a gente vai saber em breve, como é que esse setor vai ser estruturado, regulado aqui no Brasil. E eu vejo nesse diálogo entre setor privado e setor público aquilo acontecendo da maneira como deve ser. Não estamos falando de empresas que estão lá batendo na porta do governo para pedir um subsídio, uma proteção contra concorrência estrangeira, é o oposto.
Muitas vezes, se coloca o agronegócio como um obstáculo na discussão de um desenvolvimento econômico sustentável, especialmente no Brasil, onde a maioria das emissões de carbono vem do uso do solo - e desmatamento. Como os srs. veem o papel do agro neste debate?
Pedro de Camargo Neto: Isso é reflexo da polarização. Primeiro, a gente ainda vive uma polarização partidária, eleitoral, muito grave, muito negativa. E vivemos também, no governo passado, o negacionismo em diversos aspectos. Na questão ambiental, eu vejo uma polarização com o rural. Publiquei um artigo no Estadão/Broadcast onde eu lembrei que, quando eu fui presidente da Sociedade Rural Brasileira, em 1992, fizemos uma cartilha cujo título era ‘Valorize Sua Propriedade, Preserve o Meio Ambiente’. Desde 1992, não nos vemos como problema. Atualmente, já fiz a crítica ao governo diretamente: eles não podem tratar de desmatamento legal junto com o ilegal. É um número que atrapalha. Porque, se está na lei, você tem de evoluir mais para convencê-lo de não desmatar. E o grosso que é na Amazônia é basicamente ilegal.
Armínio Fraga: Estou com o Pedro sobre a importância de se separar com clareza o que é legal do que é ilegal. Eu até defendo publicamente uma meta global para o País de reflorestamento, mas ela tem de ser encarada nas suas componentes. O desmatamento ilegal é colossal. E ele hoje claramente depende de um esforço em várias frentes. Tem um lado que só o governo pode entregar, que é o lado da repressão mesmo. Então, é uma tarefa que é muito grande e complexa, mas é preciso ter clareza do que se trata. O grosso da produção agrícola brasileira ocorre dentro de padrões extremamente rigorosos.
Fonte: Broadcast Agro.