27/Aug/2024
Com o desenvolvimento de projetos de crédito de carbono em comunidades indígenas praticamente paralisado há mais de um ano, parte do setor pede que a Funai amplie a fiscalização para os projetos voltarem a sair do papel e agilize a criação de critérios que permitam o desenvolvimento do segmento. As atividades estão estancadas após surgirem diferentes denúncias de que as empresas cometiam abusos ao trabalhar com povos originários. O tema é sensível. Há quem defenda que os créditos podem garantir recursos para populações vulneráveis. Mas, há os que apontam que os projetos de carbono vão contra o modo de vida das comunidades tradicionais. A Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considera preocupante a forma como o debate está chegando. Ele não agrega em nada ao modo de vida dos povos indígenas. Há um crescimento forte da mercantilização da floresta. Dependendo do conteúdo dos contratos firmados com empresas desenvolvedoras de projetos, pode haver interferência na cultura das populações e no modo como elas usam matérias-primas da floresta.
As comunidades originárias não conseguirão “fugir” desse mercado. Portanto, a orientação da Apib é de que os povos tradicionais aguardem o projeto de lei que deverá regular o mercado de carbono, para que haja mais clareza de como o setor vai funcionar. Em abril, a Funai publicou uma nota orientando as comunidades a não participarem de negociações envolvendo a venda de créditos de carbono até que haja a definição de critérios e orientações para a inserção das terras indígenas no mercado voluntário de carbono. Porém, afirmou que era “desejável” que as populações se preparassem para o debate sobre o assunto. A Funai aguarda a tramitação de legislação específica no Congresso Nacional sobre o tema para que possa realizar análises técnicas sobre aspectos legais dos projetos. Do lado do setor privado, há pedidos para que essa definição saia logo. Segundo a Wildlife Works Carbon, tem muitas empresas trabalhando com comunidades tradicionais (a maioria em fase de consultas) em um clima de insegurança jurídica. A empresa norte-americana é pioneira no desenvolvimento de projetos de carbono com comunidades tradicionais. Começou sua atuação no continente africano, no Congo e no Quênia.
Agora, está trabalhando na Colômbia e pretende avançar no Brasil. No ano passado, a companhia foi alvo de denúncias de ONGs que apontaram casos de abuso sexual e assédio em uma comunidade no Quênia entre 2011 e 2023. Em novembro, a empresa publicou nota em que afirmava que havia demitido o chefe de segurança do projeto Corredor Kasigau, por má conduta grave, incluindo comportamentos que violaram a política da empresa contra assédio sexual, e o gerente de recursos humanos, devido à criação de uma cultura de medo e intimidação que impedia a denúncia de incidentes de assédio sexual. O Ministério dos Povos Indígenas destacou ser necessária a consulta aos órgãos indigenistas, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), para garantir que projetos desta magnitude resguardem os direitos dos povos indígenas, como previstos na Constituição Federal (no artigo 231) e na Convenção 169 da OIT. A Aliança Brasil Nature-based Solutions, associação que reúne empresas desenvolvedoras de projetos de crédito de carbono, afirma que, apesar de os créditos de comunidades originárias serem negociados em um mercado voluntário, seria “ideal” ter uma regra para disciplinar o segmento e dar segurança jurídica aos envolvidos.
A existência de projetos em comunidades indígenas é um fato. Se há muita insegurança, é melhor que isso seja disciplinado. A Systemica, desenvolvedora de projetos de carbono que tem o banco BTG como sócio, tem trabalhado, por ora, na capacitação de povos indígenas. A empresa já mapeou territórios na Amazônia onde os projetos poderiam ser desenvolvidos, mas destaca que abordagens diretas às populações não são realizadas. Dez comunidades já procuraram a companhia, mas a conversa continua, ainda numa fase inicial, com apenas três delas. Algumas foram descartadas, seja porque o interlocutor é alguém que não tem representatividade no território, seja porque a área não tem condições para gerar o ativo. Apenas áreas que estão sob pressão de desmatamento são capazes de produzir créditos. Para a indigenista Neidinha Suruí, o mercado de carbono pode ajudar povos tradicionais a ter renda e reduzir a insegurança alimentar, desde que os proponentes dos projetos sejam indígenas. O que as empresas podem fazer é apoiar os projetos indígenas, mas nunca serem proponentes.
O povo Suruí, hoje formado por cerca de 2,2 mil pessoas que habitam a Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia e Mato Grosso, foi pioneiro na venda de crédito de carbono no Brasil. Ainda em 1999, o líder indígena e pai de Txai Suruí, Almir Suruí, ouviu falar, em um evento em Nova York, que o mercado de carbono se tornaria uma ferramenta importante para a preservação ambiental. Ao voltar ao Brasil, trouxe a ideia para sua comunidade, que levou quase dez anos para implementá-la. O projeto de carbono da Terra Sete de Setembro foi posto em pé pela própria associação do povo Suruí, após fechar parcerias com o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), criar um fundo para gerir os recursos e conseguir a anuência da Funai. O projeto acabou, porém, após desentendimentos na comunidade em relação aos recursos. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.