21/Aug/2024
O crédito subsidiado acessado por produtores para a recuperação de pastagens degradadas no Cerrado tem sido pouco efetivo. Até seis anos após a tomada dos recursos pela linha específica do programa ABC do Plano Safra, 72,5% das áreas financiadas permanecem inalteradas, sem melhoria significativa na qualidade do pasto nem conversão para lavouras. É o que aponta estudo do Climate Policy Initiative/PUC-Rio (CPI/PUC-Rio). O documento faz recomendações para se aprimorar a eficácia da política de recuperação de pastagens, uma das prioridades da atual gestão e peça-chave para o País alcançar suas metas de redução de gases de efeito estufa. O Ministério da Agricultura nega baixa efetividade do programa.
Pesquisadores cruzaram imagens de satélites dos polígonos georreferenciados de mais de 5,6 mil operações de crédito rural registradas no Banco Central, entre 2016 e 2018, com dados sobre uso da terra e vigor de pastagens da Plataforma MapBiomas e do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG) para analisar o efeito na recuperação das pastagens até 2022. Na média, os investimentos ajudaram a reduzir em apenas 3% a área de pasto degradado. A pesquisa não identificou efeitos significativos da tomada de crédito em áreas que estavam severamente degradadas. O cenário do Cerrado, que tem um terço das pastagens brasileiras e mais da metade dos financiamentos no ABC Recuperação no período (2,9 mil operações), repete-se nas demais regiões.
Entre 2016 e 2018, foram financiados R$ 976,6 milhões para a recuperação de 358,3 mil hectares de pastos degradados no Cerrado. Um ano antes dos financiamentos, 72,3% dessa área era composta por pastagem (259,1 mil hectares), dos quais 71,5% (185,1 mil hectares) possuíam indícios de degradação com médio e baixo vigor. Após o cruzamento das imagens, os pesquisadores estimaram que apenas 3,8% da área total financiada no bioma foi recuperada até 2022, cerca de 13,7 mil hectares. Nesses locais houve melhoria do grau vegetativo das pastagens. Já em 10,3% da área total houve conversão do pasto para outros usos. Foram 36,8 mil hectares que migraram para lavouras ou para o “mosaico” agricultura-pecuária. Esse número inclui também a pastagem recuperada. Foi observado que a tomada do crédito não está gerando um aumento relevante da qualidade geral das pastagens e não tem provocado mudanças significativas no uso da terra.
Os recursos subsidiados não estão gerando retornos efetivos para a sociedade. Os resultados são modestos e o intervalo analisado, entre quatro e seis anos após a tomada do crédito, é suficiente para gerar mudanças no ambiente de recuperação ou conversão de área. Cerca de 3/4 das áreas não tiveram modificação alguma, especialmente nos locais onde a degradação é mais severa. Segundo o estudo, a linha específica para recuperação de pastagens contribuiu, no máximo, para 2,5% da meta brasileira do Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (ABC) de recuperar 15 milhões de pastagens degradadas entre 2010 e 2020. Ainda que 100% da área financiada fosse efetivamente recuperada, a contribuição da linha teria sido de 18%, com 2,7 milhões de hectares recuperados.
O estudo reforça a importância da política de financiamento subsidiado, mas indica a necessidade de se criar mecanismos para monitorar a aplicação dos recursos e o atingimento do objetivo para o qual eles foram contratados ao longo do tempo, com a efetiva transformação das áreas. Algumas recomendações são atrelar os financiamentos aos serviços de assistência técnica e o seguro rural. Outra ideia é garantir uma complementaridade de renda a quem faz esses investimentos, já que a área fica imobilizada e sem rentabilidade durante o período de transição e recuperação. As observações valem também para as novas ferramentas de incentivo à recuperação das áreas degradadas que o governo tem criado, como o programa lançado em dezembro de 2023 para atrair recursos internacionais privados para conversão das pastagens.
É importante criar critérios de quem será elegível para buscar esses recursos, ter um monitoramento efetivo e articular o crédito com outros instrumentos, como assistência técnica e seguro rural. O Ministério da Agricultura negou que a efetividade do crédito direcionado à recuperação de pastagens seja baixa. A Pasta disse que 26,8 milhões de hectares degradados foram recuperados entre 2010 e 2020, quase o dobro da meta do Plano ABC para o período. Afirmou também que seria necessário conhecer melhor a metodologia adotada no estudo para realizar um comentário mais aprofundado dos resultados, inclusive se houve eventos climáticos, pragas ou de mercado que possam ter prejudicado o projeto. A área não se torna permanentemente produtiva sem a devida manutenção e a análise da viabilidade técnica dos projetos e a fiscalização das operações de crédito são de competência das instituições financeiras que concedem os empréstimos, fiscalizadas pelo Banco Central. Fonte: Globo Rural. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.