02/Aug/2024
Os tratados multilaterais ambientais aprovados na Rio92 terão suas Conferências das Partes (COP) entre outubro e dezembro de 2024: a COP 29 de mudanças climáticas, a COP16 de biodiversidade e a COP16 de combate à desertificação. Apesar de a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC) ser a Convenção mais conhecida e que movimenta uma densa agenda global perante os desafios gerados pelo aumento da temperatura e seus efeitos, as irmãs de biodiversidade e desertificação tornam-se cada vez mais relevantes. Na COP16 da Convenção de Combate à Desertificação (CCD), por exemplo, a pauta tratará, dentre outros assuntos, do papel da restauração florestal, da recuperação de áreas degradadas, da produção sustentável de alimentos, e do aumento da preparação, resposta e resiliência à seca como forma de conter processos de desertificação.
O Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal aprovado no contexto da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) em 2022 e em fase de implementação pelas Partes contempla metas de restauração de vegetação nativa e recuperação de áreas degradadas. Na prática, existe uma intrínseca relação entre as agendas de clima, biodiversidade e combate à desertificação. O propósito deste artigo é jogar luz sobre dois temas que perpassam as 3 Convenções. A recuperação de áreas degradadas é um desafio global que merece muita atenção quando se mira objetivos climáticos, de biodiversidade e de combate à desertificação. De acordo com o Programa das Nações Unidas de Meio Ambiente, cerca de 3,2 bilhões de pessoas (40% da população global) são afetadas negativamente pela degradação da terra. Ademais, estima-se que entre 50 e 700 milhões de pessoas poderão ser forçadas a migrar até 2050 por conta de efeitos da degradação da terra e das mudanças climáticas.
Existem diferentes processos que geram degradação, como aridez, declínio da vegetação, erosão, salinização, declínio do carbono orgânico do solo, contaminação por metais pesados, contaminação por pesticidas. Terras degradadas, em maior ou menor grau, implicam na impossibilidade de promover o uso sustentável para produção de alimentos, energias renováveis, fibras, biomassa e, além disso, fomentar a restauração de vegetação nativa e recuperação de ecossistemas. Levando-se em conta distintos fatores de degradação, estima-se que 93,8% das áreas agrícolas da União Europeia estejam degradadas, em estágios que variam de muito baixo a muito alto. Isso significa 184 milhões de hectares com diferentes níveis de degradação, sendo 63,9 milhões de hectares com níveis de médio a muito alto. No Brasil, dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade de Goiás (LAPIG-UFG) e do Ministério da Agricultura, apontam que existem 177 milhões de hectares de pastagens no País, sendo que 72 milhões de hectares encontram-se em estágio intermediário e 37,5 milhões de hectares em níveis severos de degradação.
Recentemente foi lançado o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD), que visa recuperar 40 milhões de hectares. Esse Programa está sendo desenvolvido pelo Ministério da Agricultura, com o propósito de priorizar áreas, considerando os potenciais produtivos (agricultura, pecuária, restauração) e potencializar a captação de recursos que viabilizem a recuperação dessas áreas. No âmbito do Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, com vistas ao Desenvolvimento Sustentável (Plano ABC+), espera-se recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030. Na prática, essa ação foi crucial para a primeira fase da política de agropecuária de baixo carbono, alcançando 26,8 milhões de hectares. Recentemente a União Europeia aprovou a Lei da Restauração da Natureza, visando abranger pelo menos 20% das áreas terrestres e marítimas até 2030 e todos os ecossistemas que necessitem de restauração até 2050.
Os países deverão aprovar e enviar planos de restauração nacional à Comissão Europeia. Ainda é prematuro antever como os países irão definir e priorizar as áreas a serem restauradas. No Brasil, o Plano Nacional de Recuperação de Vegetação Nativa (Planaveg) prevê uma meta de restaurar 12 milhões de hectares. A meta tem como base a implementação efetiva do Código Florestal, visando restaurar passivos de Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal. Destravar a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e vencer a judicialização que ainda persiste obstam o fortalecimento da agenda de restauração. É relevante observar que há um novo catalisador da restauração, via empresas que foram criadas para restaurar áreas tendo o potencial de gerar créditos de carbono como um fator catalítico. Mesclando a recuperação de áreas com restauração florestal, o potencial de incentivar projetos de Sistemas Agroflorestais pode gerar diversos co-benefícios socioeconômicos e ambientais.
Em tempos de aprovação das novas metas de biodiversidade do Brasil, bem como de atualização do Plano Clima, da contribuição nacionalmente determinada (NDC) para 2031-2035 e da aprovação do novo Plano de Adaptação, potencializar as agendas de recuperação de áreas degradadas e restauração é estratégico para o Brasil construir pontes para fortalecer desenvolvimento sustentável. Voltando para as sinergias entre as 3 Convenções, torna-se crítico aprofundar como mobilizar financiamento para fomentar as ações necessárias para atingir os objetivos climáticos, de biodiversidade e de desertificação. A liderança do Brasil no G20 e na COP30 deve servir como trampolim para impulsionar a implementação desses objetivos como ambiciosas ações globais necessárias para permitir alcançar os benefícios sinérgicos entre clima, biodiversidade e combate a diversificação. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.