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25/Jul/2024

Entrevista com Guilherme Campos Junior - SPA

O novo secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Guilherme Campos Júnior, quer trabalhar com a realidade que se impõe no financiamento do agronegócio. O setor cresceu mais que o País e o orçamento do Estado não acompanha a demanda do agro, avalia. "O que sobra para o agro em relação à participação do governo nos financiamentos da safra é relativamente menor do que era há dez anos, 20 anos atrás. A participação do Estado era maior há duas décadas do que é hoje", disse. "Cabe procurar alternativas para poder ofertar ao mercado opções que sejam inovadoras, disruptivas e adequadas a essa nova realidade na qual o Estado participa, mas não é o suficiente". Ciente das limitações orçamentárias, Campos descarta soluções milagrosas para alavancar a verba disponibilizada ao setor, o que já foi aventado por seus antecessores.

Ele defende ampliar a captação de recursos externos a juros mais atrativos e encontrar fontes alternativas de crédito no mercado privado. "Tem de se procurar alternativas, tanto nos financiamentos de custeio e investimento, quanto no seguro", observou. Assim, diminui a dependência do Tesouro. Essas medidas já estão no desenho inicial do próximo Plano Safra, antecipa ele. Outra preocupação do secretário é a efetivação dos R$ 400 bilhões do Plano Safra para agricultura empresarial já anunciados para a temporada atual. Campos assumiu a pasta em 9 de julho depois da saída conturbada do ex-ministro e ex-deputado federal Neri Geller. Antes de assumir o cargo, ele comandava a Superintendência Federal da Agricultura em São Paulo. Também já foi deputado federal por dois mandatos e presidente dos Correios no governo Temer. Segue a entrevista:

O senhor completa duas semanas à frente da pasta. Dado o que tem visto e recebido de demandas do setor, quais são os principais desafios e prioridades?

Guilherme Campos Junior: Há duas preocupações. A primeira é a aplicação do Plano Safra anunciado, com o acompanhamento para que a execução dele aconteça efetivamente e os recursos cheguem na ponta final, ao produtor rural. A segunda demanda é já pensar na proposta do Plano Safra do ano que vem. São duas questões que caminham em paralelo. O agronegócio cresceu muito mais que o Brasil, ganhou mercados e conquistou liderança mundial. Porém, o Estado brasileiro, o governo federal, os Estados e municípios não evoluíram na mesma velocidade. Em paralelo, as demandas de educação, saúde e infraestrutura são também crescentes em orçamento. Em resumo, o que sobra para o agro em relação à participação do governo nos financiamentos da safra é relativamente menor do que era há dez anos, há 20 anos atrás. A participação do Estado, então, era maior há duas décadas do que é hoje.

E isso é uma preocupação para o senhor?

Guilherme Campos Junior: É uma realidade que é cada vez mais percebida e vista com alívio e preocupação ao mesmo tempo. É bom porque mostra que o setor produtivo tem capacidade de se autofinanciar e de se mostrar como competidor sem ter a necessidade de uma intervenção do Estado. Como o próprio presidente Lula diz, se o Estado não atrapalhar já é um grande passo. Cabe aqui, dentro das nossas delimitações, procurar alternativas para poder ofertar ao mercado opções que sejam inovadoras, disruptivas e adequadas a essa nova realidade na qual o Estado participa, mas não é o suficiente. O Plano Safra mostra isso com forte participação do Estado nos últimos dois anos. Em um cenário de orçamento apertado, é muito representativo mostrar essa disposição do Estado brasileiro de estar presente e mantendo aquilo que dá certo, mas tem de se procurar alternativas, tanto nos financiamentos de custeio e investimento, quanto no seguro.

Que alternativas são essas, secretário?

Guilherme Campos Junior: A missão que me foi dada é procurar essas alternativas, procurar essas soluções para poder atender toda a demanda. O agro brasileiro teve uma pequena amostra que foi a linha em dólar via BNDES para o produtor focado na exportação, com recurso barato, lastreado na sua produção. Uma alternativa que está sendo cada vez mais utilizada. Isso diminui a necessidade de o Tesouro olhar para esse perfil de produtor. Já para o produtor que não tem atividade voltada à exportação, é preciso encontrar um outro mecanismo para ofertar alternativas a ele também. Há possibilidade de se ter os recursos dos grandes fundos estrangeiros para isso também. É uma engenharia que está sendo construída.

Uma das queixas do setor em relação ao Plano Safra atual é o patamar de juros, com linhas de financiamento com taxas acima da Selic. A captação de recursos externos pode ampliar a oferta de recursos com juros mais atrativos aos produtores?

Guilherme Campos Junior: O grande custo hoje é a Selic. Não é competência do Ministério da Agricultura. É a política monetária. Hoje, infelizmente, com esse patamar de Selic, tudo fica caro. O que foi colocado como proposta e disponibilizado para todos no Plano Safra é o que foi possível dentro dessa realidade de orçamento e de taxa Selic. Essa foi a melhor proposta disponível por parte do Ministério para esse momento. O grande impacto ao custo financeiro é a taxa básica de juros do Brasil. Por isso, há procura de recursos externos que são, via de regra, mais baratos. Esses recursos têm um risco cambial e agora o desafio é tornar viável o acesso para o produtor que não tem a produção lastreada em moeda estrangeira, como transformar isso em real e diminuir a sua exposição à questão cambial. Esse tipo de alternativa vem sendo buscada para o desenho do próximo Plano Safra.

O senhor citou buscar novos mecanismos de financiamento também ao seguro rural. O seguro rural é um dos principais dilemas do Ministério da Agricultura nos últimos anos. Como o senhor pretende resolver esse impasse de limite orçamentário e demanda crescente por seguro?

Guilherme Campos Junior: Desde quando fui deputado, há dez anos, o seguro rural era uma questão. Há cerca de R$ 1 bilhão disponibilizados (de orçamento ao programa de subvenção ao seguro rural) para uma demanda de mais de R$ 4 bilhões por ano. Vamos repetir esse modelo ou vamos procurar uma alternativa para tentar mitigar essa distância? Essa é uma das lições colocadas pelo ministro: encontrar fontes alternativas também para o seguro. A ideia é buscar modelos alternativos, soluções diferentes das apresentadas hoje e olhando as ações bem-sucedidas pelo mundo. A própria Frente Parlamentar da Agropecuária esteve nos Estados Unidos conhecendo o modelo do seguro rural e vendo o que pode ser adaptado para o Brasil.

Há um desejo expresso pelo ministro Fávaro de ampliar os recursos do Tesouro para o seguro rural já no orçamento de 2025. O pedido de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões será encaminhado junto à Lei de Diretrizes Orçamentárias?

Guilherme Campos Junior: Há uma liberação de recursos extraordinários de R$ 211 milhões para o Rio Grande do Sul. O pedido para 2025 será encaminhado na construção da LDO. O desafio não é fazer o pedido, mas sim saber de onde vem a folga orçamentária para tornar viável essa demanda. É preciso fazer um exercício porque o cobertor é curto.

A ideia é diminuir a dependência do seguro do Tesouro também com captação de recursos externos?

Guilherme Campos Junior: A ideia é buscar um pouco mais deste montante do Tesouro e outras fontes alternativas, aumentando o portfólio das soluções a serem ofertadas. Hoje há tecnologia para fazer acompanhamento das culturas com maior acurácia, tornando viável um novo tipo de seguro. Outro agravante são os eventos climáticos extremos, o que aumenta o risco para a seguradora e o preço para o produtor. Isso também entra na equação porque o seguro tem de ser viável economicamente. A necessidade de segurar as lavouras é cada vez mais premente.

Uma das preocupações atuais do governo é o controle da inflação de alimentos. Quais são as alternativas que estão no radar, do ponto de vista de política agrícola, para estimular a produção de alimentos básicos, arroz, feijão, milho, trigo?

Guilherme Campos Junior: O Ministério tem que olhar o agro brasileiro como um todo e pensar nas políticas de produção das diversas culturas que hoje são produzidas no Brasil. Houve toda a polêmica do arroz, que está superada, mas o arroz é um produto que exige um olhar diferenciado. O feijão é outro item, que praticamente o que se produz é para consumo interno. Há também o trigo no qual o Brasil não é autossuficiente, mas existem pesquisas e variedades que são colocadas como uma próxima fronteira a ser batida. Para uma cultura como o trigo, faz sentido ter um estoque regulador. São itens básicos que exigem um olhar ainda mais atento para garantir a oferta na mesa dos brasileiros.

Estimular esses alimentos básicos passa pela retomada dos estoques reguladores?

Guilherme Campos Junior: No passado, o governo era muito mais protagonista em estoques. Hoje, pelos volumes, pelo consumo, pelo tamanho da produção, o governo não consegue ser tão protagonista assim. Há um estoque dentro das limitações orçamentárias. Não há recurso para ter estoque em volume que seja realmente um colchão de segurança para essas culturas, mas é possível garantir preços mínimos.

Há uma pressão baixista sobre os grãos com a perspectiva de preços ainda menores para a safra 2024/2025 que será plantada no Brasil. Neste cenário, o senhor vê o agro mais dependente das políticas públicas de apoio à comercialização? O governo está preparado para isso?

Guilherme Campos Junior: Mesmo com esse cenário mais desafiador, o setor está capitalizado para enfrentar. Um exemplo disso é a adesão de apenas 3% de produtores no Brasil às medidas de alongamento das dívidas lançadas no início do ano pelo governo. Se o cenário se confirmar, o governo está preparado para entrar em campo, atuar, conversar, ver as necessidades e os possíveis remédios.

Fonte: Broadcast Agro.