19/Jul/2024
As mudanças climáticas e a poluição do ar são problemas interligados. Temperaturas extremas como as que temos vivido aumentam a concentração de poluentes na atmosfera e, consequentemente, pioram nossa saúde. O primeiro impacto são os danos ao sistema respiratório, com maior prevalência de doenças como asma, bronquite e até câncer pulmonar. Mas não para aí. A poluição afeta também o sistema cardiovascular, aumentando o risco de enfarte e acidente vascular cerebral (AVC), a probabilidade de demência, de câncer de bexiga e esôfago, além de piorar eventos de dor em pacientes com esclerose múltipla e poder levar ao parto prematuro e baixo peso ao nascer. O homem contribui com o aumento da poluição e o aquecimento global com o uso intensivo de recursos, que gera mais gases do efeito estufa. Segundo alerta a Organização Mundial da Saúde (OMS), a crise climática é hoje uma das emergências de saúde mais urgentes.
A mudança do clima afeta a poluição e a saúde como um todo. As duas coisas andam juntas, é impossível separar. Os invernos estão ficando mais curtos, enquanto o outono e a primavera estão cada vez mais quentes, secos e longos. As temperaturas mais altas bloqueiam frentes frias e, com isso, aumentam a concentração de poluentes, o que acaba afetando a saúde geral da população, diz o Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo (USP). Os primeiros estudos relacionando a poluição a prejuízos à saúde são da década de 1950, após uma estagnação de massa de ar em Londres causar mortes de dezenas pessoas em curto espaço de tempo. A cidade possuía muitas indústrias movidas a carvão, e o dióxido de enxofre emitido pela queima do carvão se transformava em ácido sulfúrico. Respirar essa substância não fazia bem para a saúde.
Só em 1956 foram publicadas as primeiras medidas reguladoras com índices a serem respeitados sobre qualidade do ar, conta o patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP e estudioso dos impactos da poluição na saúde. Outro estudo, publicado na década de 1990, seguiu seis cidades norte-americanas e avaliou as variações de expectativa de vida e os níveis históricos de poluição ao longo de décadas, concluindo que o risco de morrer por doenças respiratórias e cardiovasculares aumentava com a poluição. Os problemas cardiovasculares mais comuns eram enfarte e acidente vascular cerebral (AVC). Esse estudo começou em 1970 e só foi publicado em 1993, no New England Journal of Medicine. A partir daí, foi possível perceber que não havia faixa de segurança nos níveis de poluição. Começaram a surgir padrões globais que seriam seguidos pelo mundo todo.
Em 2021, foram atualizadas as diretrizes, baseadas em estudos que avaliam efeitos crônicos de vários poluentes ao longo de anos. Um estudo recém-publicado pela equipe de Saldiva, feito em cadáveres, mostrou que aqueles que, em vida, foram expostos à poluição das grandes cidades (especialmente às partículas de carbono negro) tinham mais fibrose cardíaca, um indicador de doenças do coração. Para se chegar à conclusão, foram feitas autópsias em 238 corpos que passaram pelo Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) de São Paulo e entrevistas com familiares dos mortos para coletar dados sobre fatores de risco, como tabagismo e hipertensão, além de análises de amostras do tecido pulmonar, para estabelecer a presença e a quantidade de carbono negro nos pulmões, e de amostras do tecido do coração, para identificar a presença de fibrose cardíaca.
Os resultados apontam uma associação significativa entre a quantidade de carbono negro nos pulmões e a fibrose cardíaca nos corpos estudados, o que comprova que, quanto mais tempo a pessoa é exposta à poluição, maior a possibilidade de desenvolver fibrose. E, em caso de histórico de hipertensão, esse risco é ainda maior. Diversos fatores, entre eles a própria hipertensão, influenciam no desenvolvimento da fibrose cardíaca. O que esse estudo demonstra é que a poluição é mais um fator de risco a ser considerado. Evidências científicas também têm demonstrado aumento de casos de câncer de pulmão em mulheres jovens não fumantes, além de tumores de bexiga e de esôfago, todos relacionados à exposição à poluição do ar. Não é uma certeza ainda, mas há muitas evidências nesse sentido. Tudo o que um maço de cigarro provoca no corpo, por exemplo, é reproduzido em dose menor com a poluição. É claro que os riscos do cigarro são muito maiores do que os da poluição.
O problema é que a poluição é inescapável, todo o mundo respira ar poluído. E esse é um risco para o qual a pessoa não tem escolha individual, ela depende de políticas públicas. Não tem como comprar ar engarrafado. Os poluentes têm outro efeito reconhecido no desenvolvimento dos bebês durante a gestação, eles entram no organismo da mãe, atravessam a placenta e elevam o risco de a criança nascer prematura ou com baixo peso (menos de 2,5 Kg). Estudos encontraram partículas de materiais poluentes comumente detectados em grandes cidades na placenta de mulheres grávidas. Além disso, a exposição à poluição aumenta a possibilidade de a gestante de desenvolver hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia (os riscos são maiores no primeiro e terceiro trimestres da gestação). Embora a placenta tenha a função de filtrar um monte de coisas, ela não segura tudo. Essas micropartículas entram pelo pulmão da mãe e se espalham por todo o organismo.
Atravessam a placenta e chegam ao feto, promovendo uma reação inflamatória. Outro estudo recém-publicado constatou impacto da poluição no cérebro, acelerando o declínio cognitivo e levando a quadros de demência. Os pesquisadores acompanharam 25.233 enfermeiros dinamarqueses entre 1993 e 2020 e, no período, 1.409 desenvolveram demência. Após fazer ajustes para estilo de vida, condição socioeconômica e ruídos de tráfego, a pesquisa constatou que a exposição prolongada à poluição estava associada ao risco de desenvolver demência ao longo da vida. Um fato interessante, porém, é que essa relação não foi encontrada nos enfermeiros fisicamente ativos, o que sugere que a atividade física pode ser um fator que ajuda a proteger e, assim, diminuir os riscos. Um estudo brasileiro publicado no ano passado na revista Sclerosis constatou que a poluição também está relacionada a mais casos de internação por crises de dor causadas por desconforto térmico (frio ou calor) em pessoas com esclerose múltipla. Os pesquisadores avaliaram casos entre 2008 e 2015.
Estudos anteriores já demonstravam uma possível ligação entre poluição e as hospitalizações por esclerose múltipla, já que exposições a certos poluentes podem aumentar a resposta inflamatória sistêmica e a neuroinflamação. A esclerose múltipla é uma doença neurológica autoimune, caracterizada por uma inflamação e doença desmielinizante, em que a bainha de mielina vai sendo destruída e, consequentemente, diminui a função neurológica do paciente. Acredita-se que a doença seja causada por alguma predisposição genética e fatores ambientais que podem promover uma disfunção do sistema imunológico. Os rins também ficam sobrecarregados com a poluição, especialmente em pessoas que não se hidratam corretamente. É preciso beber muita água para que o organismo possa limpar essa poluição que é inalada o tempo todo. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.