ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

19/Jul/2024

Crise climática: entrevista com Paulo Saldiva - USP

O patologista Paulo Saldiva enxerga cada corpo como uma cidade ou um pequeno planeta. Para ele, cada órgão é um bairro e as artérias são os rios. “Você pode imaginar que, quando não chove, faz febre e desidrata. Quando chove demais, faz edema e inunda”, explica. Desde o fim da década de 1970, ele estuda essas “pequenas cidades” no subsolo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), onde funciona o Serviço de Verificação de Óbitos da capital paulista. O lugar lhe deu uma visão privilegiada do que tem ocorrido em nosso planeta. “Você aprende muito a entender uma cidade ou um planeta a partir da vida de um componente deles.”

Saldiva participou de pesquisas pioneiras que mostravam a associação entre mortalidade e variação da poluição atmosférica, que lhe renderam convites para dois comitês da Organização Mundial da Saúde (OMS). Um deles definiu padrões de qualidade do ar e o outro, o potencial carcinogênico da poluição do ar. Não tardou para que as mudanças climáticas, principalmente as temperaturas extremas, se tornassem objeto de estudo dele. Participou de uma pesquisa que mostrou fortes evidências de excesso de risco de morte quando a temperatura se torna extrema. A pesquisa, que teve dados de 384 cidades do mundo, foi publicada em 2015 pela revista científica The Lancet e demonstrou, por exemplo, que o risco de morte pode aumentar em quase 50% durante extremos de frio e de calor.

Recentemente, o senhor falou que ‘a saúde humana é um enorme indicador do que já está acontecendo em função do clima’. O que esse indicador diz?

Paulo Saldiva: Os indicadores de saúde são um reflexo da educação, do urbanismo, da gestão local, do transporte, de tudo. Se a saúde melhorar, você vai saber que isso pode ter ocorrido pela melhora no sistema educacional, queda na violência. A saúde, se for bem compreendida, é um indicador muito preciso do nível de cidadania. Quando você tem aumento dos casos de febre amarela na zona norte, está falando do quê? De devastação de corredores ecológicos. O mosquito não passa de mil metros, mas o macaco infectado passa.

O que o senhor via antes e vê agora? O que as mudanças climáticas têm feito?

Paulo Saldiva: Estão pegando as pessoas mais frágeis e fazendo elas morrerem antes. Não importa só saber quanto vai ser a temperatura, tem de saber como é que vai ser a demografia. A população está diminuindo, as pessoas vão estar mais velhas, o termostato delas está quebrando. Possivelmente, os primeiros sapiens saíram do continente africano e chegaram aos polos às custas de processos, não só de evolução, epigenética, cultura, organização social, mas também de um sistema muito eficiente de termorregulação. Tem vários mecanismos fisiológicos para isso. Só que ele quebra, por aterosclerose, que impede o vaso de contrair; por diabete, que faz o termostato não transmitir mais tanto a mudança de temperatura. Você tem a fragilidade do adoecimento. E na criança o termostato está sendo construído. Não importa só a temperatura. Importa a vulnerabilidade do receptor. Por que insisto na saúde como tema regulador de clima? Porque todo o mundo tem medo de morrer. Enquanto está morrendo o urso, você vai falar ‘que pena do urso’, mas ele come muito peixe, está longe. O ser humano pode mudar hábitos conscientemente. Os bichos nascem e se adaptam. Demora um tempo. Vão migrar para outro lugar. Mas hoje você não consegue migrar. O ser humano tem barreiras criadas por fenômenos culturais. A adaptação fisiológica e a aclimatação existem. É uma mudança que você faz em uma ou duas gerações. A seleção natural é mais difícil. Você tem a aclimatação, mudança de características fenotípicas e fisiológicas, que permitem que você sobreviva. Só que aqueles que eram com design antigo não têm reciclagem, eles vão morrer. Você começa a colocar gente dentro das espécies ameaçadas, uma parte de nós.

Então parte de nós vai se tornar ou já se tornou uma espécie em extinção?

Paulo Saldiva: Não é bem uma espécie em extinção, você vai perder variabilidade, perder indivíduos. Hoje, a única alternativa que considero eficaz, que está ajudando (a controlar as mudanças do clima), é a redução da população mundial. A China já começou a cair, o Brasil também, e com isso, teoricamente, vai reduzir o número de indivíduos da espécie daqui a 100, 200 anos. Mas se os hábitos de consumo se mantiverem iguais, não adianta diminuir.

Quem são essas pessoas que estão sendo mais ameaçadas pelo risco do clima?

Paulo Saldiva: É unânime, já se sabe, são crianças abaixo de 5 anos e pessoas acima de 70. São esses que vão pagar a conta, por enquanto, dessa história. Hoje, por incrível que pareça, nós temos mais gente no mundo morrendo de frio do que de calor. Mas isso vai mudar em 20 anos. O calor vai ser o grande problema. O problema do calor é que, para reduzir a exposição ao calor, é muito mais caro do que reduzir a exposição ao frio. No frio, você põe um casaco, acende uma fogueira, se aproxima um do outro. Para calor, não. Você tem de usar ar-condicionado. Ou você tem de parar de sair para trabalhar no sol. Os mecanismos disponíveis hoje para reduzir as ilhas de calor, além de implementar a vegetação e mudar as casas, dependem também de condicionamento de ar.

Fonte: Broadcast Agro.