08/May/2024
A reforma tributária em votação no Brasil ficou no meio do caminho entre os projetos mais modernos do mundo e os primeiros modelos de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) da Europa. Essa é a avaliação da consultora Melina Rocha, que prestou assessoria técnica para o governo brasileiro, diretamente do Canadá, para onde se mudou para estudar essa forma de tributação. “Os IVAs mais modernos em geral têm alíquota única. Então, ficamos no meio-termo, porque abrimos muitas exceções. Mas, tendo em consideração nosso sistema atual, acho que o resultado foi muito satisfatório”. Ela avalia que o avanço para o Brasil com a troca de modelo é imensurável, porque saímos de um sistema altamente complexo, que afasta investimentos, estimula disputas judiciais e é pouco transparente. Com a provável aprovação da regulamentação ainda este ano, Melina entende que os benefícios da reforma vão começar a ser sentidos em 2027, ou seja, no primeiro ano do próximo governo, com substituição do PIS/Cofins pelo CBS, o novo imposto federal.
O IVA completou 70 anos de criação, na França. O Brasil chegou por último a esse modelo, com o lado bom de aprender com a experiência internacional. Como ficamos com esse projeto?
Melina Rocha: O IVA mais antigo, principalmente da União Europeia, tem alíquotas diferenciadas e muitas isenções. Já o IVA mais moderno, de Nova Zelândia, Canadá, África do Sul e Índia, vem com menos diferenciações. O projeto tomou decisões de cunho político de introduzir uma série de bens e serviços sujeitos à alíquota reduzida. Então a nossa reforma está no meio-termo, entre os IVAs mais antigos e os mais modernos, que, em geral, têm alíquota única.
Mesmo tendo ficado por último, não podemos nos comparar com os mais modernos?
Melina Rocha: Sim, mas acho que é um bom resultado ficar no meio-termo, tendo em consideração o ponto de partida do modelo atual, com ICMS, várias alíquotas, regimes diferenciados, benefícios fiscais, que também ocorrem no PIS/Cofins, IPI e ISS. Passar desse sistema para um que tem só três alíquotas, acho que é um grande avanço. O ideal seria uma alíquota única, mas acho que o resultado foi muito satisfatório.
Em quais pontos o governo enfrentará mais resistência na tramitação da regulamentação?
Melina Rocha: A espinha dorsal da reforma está garantida pela aprovação da emenda constitucional. Base ampla de incidência, não cumulatividade plena, o princípio do destino muito bem colocado. Não há muita margem para mudar. Acho que as discussões principais que o Congresso vai enfrentar é a questão da cesta básica. Que produtos terão alíquota zero e quais terão redução de 60%. Mas isso vale para todos os serviços sujeitos a essas alíquotas diferenciadas. Acredito que vai haver pressão dos grupos para incluir mais coisas.
Muita gente reclamou que o projeto tem 500 artigos, que isso demonstraria que não há tanta simplificação.
Melina Rocha: Não acho que seja exagerado ter 500 artigos, só o regulamento do PIS/Cofins tem 800 artigos. Fora o ICMS, com leis complementares, mais as leis estaduais, municipais. Além disso, uma lei mais detalhada dá mais segurança jurídica para os entes federativos, e os contribuintes terão regras bem claras.
Quais os principais pontos positivos da reforma?
Melina Rocha: Haverá uma redução de custo da cadeia produtiva, por causa da não cumulatividade plena. Acho que esse é o grande ganho. Mas a gente só vai realmente ver a consequência disso quando for implementado. Hoje é difícil calcular o impacto.
Só daqui a dez anos o País começará a colher esses benefícios?
Melina Rocha: Como a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, o IVA federal) vai ser implementada em 2027 e vai substituir dois tributos muito ruins, PIS e Cofins, vamos ver algum impacto em termos de diminuição de custos.
Ou seja, próximo governo.
Melina Rocha: Sim, mas com a promulgação da emenda constitucional acredito que já teve um ganho de expectativa, principalmente do investidor estrangeiro. A multinacional que tem subsidiária no Brasil já conhece o IVA, já sabe que vai ter menos contencioso, regras mais claras, mais segurança jurídica. Essa expectativa já começou, principalmente para os investidores estrangeiros.
O que destacaria do projeto brasileiro?
Melina Rocha: Três coisas vão colocar o Brasil como pioneiro com essa reforma, em nível mundial. Primeiro, o comitê gestor. Há outros países no mundo, como Índia e Canadá, e a própria União Europeia, que não têm sistema centralizado, em que Estados e municípios vão gerir as receitas de forma autônoma. Há também o split payment. Como funciona o IVA? Você coloca na nota fiscal R$ 100, mais o IVA de R$ 18, por exemplo, aí o preço vai para R$ 118. O fornecedor pega o dinheiro, e no final do período de apuração ele abate os créditos. Se não tiver crédito, ele recolhe R$ 18 para o Fisco. Com o split payment, em vez de pagar os R$ 18 para o fornecedor, para depois ele repassar, já vai ser feito o pagamento diretamente para os cofres públicos. O benefício é que vai diminuir evasão fiscal. Por fim, o Brasil está trazendo um modelo inovador para tributar a intermediação financeira, em geral isenta no IVA. Vários países estudam essa possibilidade.
Fonte: Broadcast Agro.