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03/May/2024

Entrevista com Eduardo Terra - presidente da SBVC

A onda de recuperações judiciais e extrajudiciais que atingiu o varejo nos últimos meses, e que voltou à cena nesta semana com o pedido da Casas Bahia, é resultado da combinação de fatores macroeconômicos, como as altas taxas de juros, e microeconômicos, como a transformação do modelo de negócio do varejo. A opinião é do presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, que é membro do conselho de administração de várias empresas do setor. No caso da Casas Bahia, tanto os juros quanto a transformação do modelo de negócio pesaram para as dificuldades enfrentadas pela companhia, que acumula dívidas de R$ 4,1 bilhões. “Dez, quinze anos atrás, o varejo brasileiro não era feito de Mercado Livre e de Atacadão”, diz. “Hoje, é dos marketplaces, de varejo físico ‘omnichannel’, cross-border (comércio online de sites estrangeiros) e muito atacarejo”, diz Terra. Segue a entrevista:

Qual é a razão de tantas recuperações judiciais e extrajudiciais no varejo?

Eduardo Terra: O varejo é um setor de muitas oscilações e ciclos. Nos últimos cinco anos, com a pandemia no meio, houve uma aceleração dessas oscilações. Setores de bens duráveis e semiduráveis, por exemplo, onde está o eletro, cama, mesa e banho, móveis, material de construção, tiveram altos e baixos. Para dar alguns exemplos: Tok&Stok, Casas Bahia, Americanas, Marisa, Polishop. São todas empresas desse conjunto de setores que passaram por altos e baixos muito grandes. Houve uma euforia, no primeiro momento, ali na pandemia, que gerou expansão, vendas e aceleração. Depois, veio uma depressão muito grande, que acabou durando bastante tempo. Vamos lembrar: na pandemia chegamos a ter uma taxa de juros (Selic) de 2% ao ano. Para setores onde os juros são determinantes, tanto para financiar o negócio quanto para financiar o cliente, isso gerou uma expansão. De repente, uma taxa de juros de 2% virou 13%, 14% ao ano e durou muito tempo. Isso virou uma ressaca, e essa ressaca gerou frutos. Essa é a explicação macroeconômica.

E qual é a explicação micro para tantas recuperações?

Eduardo Terra: A explicação micro é que, junto a isso, vem essa onda de mudança estrutural do varejo. Isso é o efeito, marketplaces, ecossistemas, plataformas. De um lado, você tem crescimento do Mercado Livre, Amazon, com propostas muito completas e no formato de ecossistema, que têm, pelos números, crescimento muito grande. De outro, você tem os cross-borders e os ecossistemas internacionais, como Shopee, Aliexpress e Shein, para dar três exemplos. Eles tomaram muito o mercado dessas empresas. Como exemplo, você tem o efeito Shopee na Marisa, o efeito Aliexpress na Polishop. Eles são muito fortes. Essas empresas (Marisa e Polishop) perderam muita competitividade por conta dessa concorrência. Esse é um efeito mais estrutural, porque a competitividade hoje é diferente da de cinco anos atrás.

É o efeito do comércio online?

Eduardo Terra: É principalmente online e em forma de ecossistemas, sejam eles locais, como Mercado Livre, sejam globais, liderados por Amazon, Shopee, Shein e o próprio Alibaba.

E o fato de muitas empresas de varejo serem administradas como empresas financeiras, isso pesou também?

Eduardo Terra: Não. Se a gente for pegar o caso de Casas Bahia, no passado - e os números mostram isso - foi muito importante e relevante o modelo de carnê. No passado, o resultado operacional era muito baixo, mas havia uma composição de resultado financeiro muito importante. Esse modelo de ganhos financeiros mudou muito, a gente foi do carnê para a ‘fintechnização’, que é o nome chique. Basicamente, é a forma mais digital de gerar crédito. Tem os bancos digitais, as carteiras digitais. O que a gente acabou vendo é que o varejo como um todo não conseguiu fazer tão bem essa fintechnização, que é basicamente o que se fazia via carnê. E hoje se faz de outras formas, como, por exemplo, o Nubank faz, como o próprio Mercado Livre faz com o Mercado Pago. Algumas empresas não conseguiram fazer essa mudança de modelo. E essa linha de resultado, que 15, 20 anos atrás era determinante, hoje não consegue cumprir esse papel.

O que pesou mais: a macroeconomia ou a mudança estrutural do negócio?

Eduardo Terra: Os fatores têm pesos diferentes para cada caso. No caso da Casas Bahia, eu atribuiria meio a meio. A Casas Bahia estava tentando fazer um trabalho de estruturação bem-feito, mas o macro teve um peso muito grande. Essa taxa de juros machucou muito e a venda dela depende muito do crédito, da confiança. Pelo longo período que a gente vem com a economia nessa avenida mais travada, isso acabou dificultando. Para outros, como a Polishop, talvez seja mais (o fator) micro do que macro. A própria Marisa é mais micro do que macro. Então, para cada um dos casos de recuperação extrajudicial ou judicial a ponderação é diferente. No caso da Americanas, por exemplo, foi mais micro do que macro, foi gestão.

Onde as varejistas erraram?

Eduardo Terra: Não foram todas que erraram. Há empresas indo muito bem. Há empresas do varejo que hoje estão voando, estão crescendo. Mas tem empresas que estão morrendo. O varejo nunca foi tão heterogêneo. No caso das que erraram, foi porque não souberam fazer a leitura da transformação e das mudanças estruturais a tempo. Primeiro, é preciso entender e ler; depois, fazer os ajustes e as mudanças. Há ajustes como mudar o modelo de negócio, mais omnichannel, mais digital. Tem casos de empresas que tinham resultados financeiros importantes. Daí, era preciso fazer a mudança para fintechs e menos via carnê. Fazer a mesma coisa que dava resultado lá atrás não quer dizer que vá dar resultado lá na frente. Acho que elas não se transformaram. Hoje, o que é o varejo? Hoje, você tem grandes empresas como Mercado Livre e Atacadão, para dar dois exemplos de quem lidera duas pontas diferentes de negócios. Há 10, 15 anos, o varejo não era feito de Mercado Livre e de Atacadão. Quem não se adaptou, indo para o atacarejo, online ou marketplaces, não está sobrevivendo. E para piorar, nos últimos anos o ambiente macro foi agressivo.

Fonte: Broadcast Agro.