ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

29/Apr/2024

Reforma Tributária: entrevista com Melina Rocha

Estudiosa da introdução do IVA, o imposto sobre valor agregado, em diversas economias, a consultora internacional da área tributária Melina Rocha entende que a reforma tributária no Brasil ficou num "meio-termo". Se não entregou uma alíquota única do IVA, como seria o ideal, ao menos não trouxe o excesso de alíquotas da Índia, país considerado como uma boa referência ao Brasil por também ter feito uma reforma a partir de um sistema caótico. "Do ponto em que estamos saindo, de muitas alíquotas, de vários regimes diferenciados, é um resultado positivo, embora não seja o melhor", avaliou Melina.

Para ela, o fim da cumulatividade (o acúmulo de créditos tributários não compensados hoje ao longo da cadeia) representará uma economia de custo para as empresas que contribuirá para a diminuição de preços dos produtos. Por outro lado, Melina, que presta consultoria ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ressalta o alerta, também feito por outros especialistas da área, de que o Congresso não pode ceder à pressão dos setores por alíquotas reduzidas e mais exceções na tramitação do projeto de regulamentação, sob o risco de os demais produtos ficarem com uma maior alíquota de referência do IVA. Segue a entrevista:

Qual avaliação a senhora faz do andamento da reforma tributária até aqui?

Melina Rocha: A reforma, como um todo, é muito positiva ao País. Primeiro porque estamos saindo de um sistema totalmente caótico - com sobreposição de tributos, diversos tributos com competências diferentes - para outro que é padrão internacional. O IVA hoje é adotado em 175 países. O Brasil está nada mais do que indo ao padrão internacional da tributação sobre o consumo. Estamos muito atrasados porque a reforma tem sido discutida desde 1988, e só em 2023 foi adotada.

A senhora vê avanços ou retrocessos no projeto de regulamentação encaminhado ao Congresso?

Melina Rocha: Havia uma dúvida sobre como seria o IVA dual (um federal e outro que unifica o ICMS, dos Estados, e o ISS, dos municípios. Vamos ter dois tributos potencialmente bem diferentes. O projeto acolheu a diretriz constitucional para os dois tributos serem tratados de forma idêntica. Então, apesar de serem dois tributos separados, com administração que será separada, e com, possivelmente, a fiscalização também separada, as regras gerais vão ser as mesmas. Para o contribuinte, vai ser um único tributo.

Apesar disso, a alíquota do IVA, de 26,5% na média, é apontada como uma das maiores do mundo. Como mudar isso?

Melina Rocha: Numa reforma neutra, essa alíquota de 26,5% é a necessária para substituir os atuais tributos de forma que a carga tributária seja a mesma. Então, hoje, pelos atuais tributos, já temos essa carga tributária de 26,5%. Para mudar, são necessárias outras discussões, como melhoria e eficiência de gasto público e jogar a carga tributária para outras bases, caso dos impostos de renda e sobre a propriedade. Alguns países têm um IVA menor, mas concentram mais a tributação no imposto de renda, por exemplo. É muito difícil fazer essa comparação com outros países em termos de alíquota.

A senhora vê risco de a alíquota ficar ainda maior?

Melina Rocha: Precisamos que o Congresso não aumente, que evite colocar mais produtos na alíquota zero da cesta básica, ou estender mais os benefícios que já foram dados. Quanto mais benefícios, maior pode ser a alíquota padrão. Temos que ter cuidado na tramitação política. A emenda constitucional deu a diretriz do que entra na cesta básica, dos alimentos, os serviços de educação, saúde, profissionais liberais que vão ter a alíquota reduzida. Cabe à lei complementar detalhar o que entra nas listas efetivas. Vai haver uma pressão muito grande no Congresso para essas listas se alargarem, abarcarem mais produtos, mais serviços. Mas a possibilidade de que isso leve a um aumento de alíquota padrão talvez ajude a barrar a entrada de novos produtos e serviços nas alíquotas reduzidas.

De toda forma, a reforma tributária do Brasil está alinhada às melhores experiências internacionais?

Melina Rocha: Temos países que adotam o IVA desde a década de 1960. Os IVAs mais antigos tinham, em geral, muitas alíquotas reduzidas, muitas isenções. Mas com o tempo, com a aprendizagem em relação ao impacto dessas alíquotas reduzidas, que tendem a beneficiar mais as famílias mais ricas, houve uma leva de países, a partir da década de 1990, que adotaram IVAs mais modernos. Neste caso, com uma base mais ampla, englobando mais coisas na alíquota padrão e pouquíssimas, ou quase nada, na alíquota reduzida, com pouquíssimas isenções. Foi o caso da Nova Zelândia, do Canadá, da África do Sul. A Índia foi um dos últimos países que adotaram o IVA, e tinha um sistema até mais caótico do que o nosso. A Índia tem um IVA dual, mas com uma série de diferenciações, e cinco ou seis alíquotas. Em termos de alíquotas e isenções, a Índia não tem um bom IVA. O Brasil é um meio-termo: tem uma alíquota padrão, uma reduzida e outra intermediária, além da alíquota zero para itens da cesta básica. Do ponto em que estamos saindo, de muitas alíquotas, de vários regimes diferenciados, é um resultado positivo, embora não seja o melhor.

Qual seria o modelo ideal?

Melina Rocha: O ideal seria uma alíquota única e devolver o dinheiro para as famílias mais pobres através de cashback. Esse é o modelo que efetivamente desonera quem precisa.

Ficamos no meio do caminho...

Melina Rocha: Sim, não é tão ruim quanto o modelo, por exemplo, da União Europeia, nem tão bom, obviamente, como o modelo da Nova Zelândia. Mas há inovações. O projeto de lei complementar adotou muitas regras da economia digital que começaram a ser adotadas a partir de 2021 pelos países, como a tributação de não residentes, a exigência de que não residentes se inscrevam no IVA e cobrem o IVA do consumidor na hora da venda [caso das plataformas de comércio eletrônico internacionais]. O Brasil traz essas inovações a partir dos melhores modelos mundiais nesse projeto.

Quais serão os impactos da reforma tributária na economia?

Melina Rocha: O fim da cumulatividade será o maior benefício que o IVA vai trazer para o Brasil. Se o produtor, o comerciante ou o distribuidor, como acontece hoje, não pode recuperar o tributo pago ou parte do tributo pago ao longo da cadeia, isso é custo, aumenta o preço dos produtos finais. A principal vantagem do IVA é não onerar a cadeia produtiva. Tenho certeza de que a maioria dos produtos vai ter uma diminuição de preço, porque vai ter uma diminuição de custo.

A proposta de tributar benefícios concedidos a funcionários, como educação, alimentação e plano de saúde, não vai gerar custo trabalhista e inibir contratações?

Melina Rocha: Não é fora do comum no padrão internacional tributar benefícios e salário indireto. Segue o princípio da neutralidade, de tributar de forma igual consumos feitos de forma igual. O uso de um carro [por um trabalhador], por exemplo, será igual se for comprado diretamente ou fornecido pela empresa. Senão, você imagina, todo mundo vai comprar tudo por meio da empresa, da pessoa jurídica. Não estamos fazendo nada de diferente. Nunca vi em nenhum país do mundo algum tipo de impacto no trabalho ou emprego por conta disso.

A proposta de recolhimento de imposto pelos bancos já no momento dos pagamentos [o split payment] pode levar a um movimento de judicialização por contribuintes que não querem ter recursos retidos antes de o tributo ser apurado?

Melina Rocha: Já houve tentativas de implementar esse sistema em alguns países do mundo, mas esses outros países não têm o grau de nota fiscal eletrônica do Brasil, nem o grau de bancarização que o Brasil tem para aplicá-lo. Ele é muito positivo porque hoje temos muitos problemas de fornecedor que coleta dinheiro do adquirente e nunca recolhe aos cofres públicos. Então, quando o pagamento vai diretamente para o Fisco, reduz a evasão fiscal, permitindo uma redução de alíquota. A vantagem principal é controlar a evasão e as fraudes e, com isso, uma diminuição da alíquota. O Brasil pode ser pioneiro internacional na adoção do split payment.

Fonte: Broadcast Agro.