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11/Apr/2024

UE: EUDR e as expectativas sobre próximos passos

No decorrer do mês de março, os debates na Europa sobre a EUDR (European Union Deforestation Regulation) ganharam nova vitalidade. Atores inusitados fizeram manifestações não esperadas e elas indicam que o assunto pode ganhar novas abordagens nos meses futuros. A primeira manifestação foi uma comunicação publicada por alguns países membros da União Europeia (UE) encabeçada pela Áustria, com participação de Finlândia, Itália, Polônia, Eslováquia, Eslovênia e Suécia. No documento, os países solicitam de forma explícita que o período de implementação seja estendido para permitir tempo suficiente para uma aplicação prática e com menor insegurança para os produtores do bloco europeu. O argumento central defendido por esses países é de que as obrigações sobre os agricultores do bloco vão gerar impactos nos modelos de produção deles, ao passo que os agricultores dos terceiros países apenas serão excluídos do mercado europeu.

Observa-se ser uma linha de raciocínio bastante voltada para o próprio umbigo, mas que, dependendo do que acontecer, pode se mostrar conveniente. Além disso, argumentam que a EUDR prejudicará a transição para a agricultura orgânica, dado que esse modelo de produção requer mais terra, o que poderia levar à necessidade de conversão de vegetação nativa, o que é contrário à legislação. Claramente mais uma preocupação centralizada neles mesmos. Usando uma expressão informal, eles não estão nem aí para os impactos da EUDR nos países que fornecem alimentos, madeira, couro e fibras para a UE. O segundo fato relevante foi a carta enviada por uma coalizão de 22 associações de setores europeus para o comissário de Meio Ambiente da Comissão Europeia. Aqui no Brasil temos relativa facilidade em publicar manifestações coletivas de associações do agronegócio. As entidades mantêm várias interações entre si e aqueles assuntos de interesse comum, muitas vezes, se transformam em manifestos públicos coletivos, até para demonstrar força do setor.

No entanto, na Europa não é tão comum esta atuação por meio de coalizões multissetoriais, ou seja, entre setores que são de negócios separados. Assim, considero essa carta uma novidade bastante relevante para o processo de implementação da EUDR. É a primeira vez que um grupo com tantas entidades e multissetorial apresenta demandas e preocupações concretas sobre a implementação da legislação, além de listar um conjunto de perguntas ainda não respondidas. O documento é bastante preciso na sua análise, apontando artigos específicos da legislação e identificando neles os aspectos que requerem urgente esclarecimento para os agentes privados. Para se ter uma ideia, o documento lista 21 artigos. Não custa lembrar que a data de início da implementação da EUDR é 1.º de janeiro de 2025. Isto significa que há dúvidas reais para esses setores de que a Comissão Europeia estará pronta para exercer o seu papel na implementação.

Adicionalmente, existem alguns pontos sem esclarecimento especificamente para o caso da carne bovina, dado que este tipo de animal tem um ciclo longo e há muitas dúvidas sobre como implementar determinados aspectos da legislação. São 14 pontos só para o caso da carne bovina. O documento também relaciona pontos de caráter geral que demandam soluções rápidas. São eles: fazer o sistema de informação ficar operacional, que o detalhamento da implementação trazido no "perguntas e respostas" e no documento de direcionamento (guidelines document) ainda a ser publicado não sejam mais restritivos do que a própria legislação; falta de uma abordagem harmonizada para exercer a cobrança de cumprimento da legislação sobretudo no que diz respeito às autoridades competentes dos países membros; garantir a proteção de dados, visto que há reais riscos sobre a proteção dos dados de coordenadas geográficas a serem compartilhados; falta de uma visão sobre questões específicas de cada commodity que são diferentes e têm cadeias de custódia distintas, e, por fim, adicionar uma funcionalidade no sistema de informação para acordos transitórios de commodities importadas no mercado europeu antes da entrada em vigor da legislação.

A comunicação liderada pela Áustria foi levada à reunião do Conselho para Agricultura e Pescados, do Conselho Europeu, este composto pelos Estados membros, em reunião ocorrida no fim de março. O resumo público da reunião afirma que o Conselho para Agricultura e Pescados precisa buscar medidas para reduzir o peso administrativo sobre os produtores rurais europeus, fortalecer a posição dos produtores na cadeia de suprimento e garantir competição em pé de igualdade. Embora não cite a EUDR, as nomenclaturas utilizadas estão muito condizentes com o documento da Áustria. Assim, concluo que a preocupação trazida, à luz das recentes flexibilizações no farm to fork obtidas a partir dos protestos dos agricultores, podem ganhar corpo no Conselho Europeu de Estados membros. Se este Conselho entender que há necessidade de se rever o prazo da EUDR, a revisão passa a ser algo concreto e deixa de ser especulação.

Nesse caso, o desafio seria o como fazer, pois haverá eleições para o Parlamento Europeu em junho e qualquer votação de alteração nos dispositivos da EUDR ocorreria sob o novo parlamento, isto é, depois do fim do verão europeu e a apertados três meses para o fim de 2024. Eu não vejo a Comissão Europeia abrindo a guarda quanto à mudança de prazo. No entanto, após conversas com representantes da Comissão e das autoridades nacionais de vários países no decorrer de março, enxergo o seguinte cenário. A Comissão Europeia considerava que já havia cumprido grande parte das suas obrigações no processo de implementação: publicou mais de uma versão do "perguntas e respostas", subiu o sistema de informação para pilotos, fez diálogos com países produtores (visita ao Brasil no início de março) e apresentou minuta (que foi vazada) do documento de direcionamento.

Mas as reações foram: o sistema de informação deveria estar em estágio mais avançado; o "perguntas e respostas" precisa de novas revisões; o documento de direcionamento não pode ser uma réplica dos dispositivos da EUDR, ele precisa orientar os Estados membros, e os países produtores querem algum endosso da Comissão sobre procedimentos e sistemas em desenvolvimento para atender à EUDR. Ou seja, a Comissão se descobriu numa trajetória mais longa e penosa do que ela esperava e o prazo está se encurtando. Minha impressão é de que a Diretoria de Meio Ambiente (famoso DG ENVI), que encabeça a EUDR, não tem estrutura suficiente para atender o que ainda resta dos quatro pontos acima mencionados. Enquanto os europeus não se decidem, precisamos seguir a estratégia que sempre caracterizou o comércio exterior do agro brasileiro: pragmatismo e orientação para o resultado. Na indústria da soja nosso objetivo é estar prontos para a nova realidade que se inicia em 2025. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.