21/Mar/2024
Terceira maior produtora do mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos, a indústria cervejeira brasileira intensificou a defesa de alíquotas diferenciadas no imposto seletivo, chamado "do pecado". A mobilização ocorre diante de um movimento da indústria de destilados, contrária a distinções. Para os fabricantes de cerveja, o tributo deveria incidir de acordo com o teor alcoólico, caso adotado no novo sistema decorrente da reforma tributária. O argumento contra a alíquota única foi levado à da Câmara Setorial da Cerveja do Ministério da Agricultura (MAPA) e Frente Parlamentar do Empreendedorismo da Câmara Federal nos últimos dias. A parlamentares, executivos apresentaram dados de pesquisa recente do Guia da Cerveja, que coloca a questão tributária no topo da lista de maiores problemas, para 77% dos empreendimentos. Ainda, eles recorreram a números do Anuário da Cerveja do MAPA, que reconhece 1.729 fábricas em atividade no País.
Juntas, elas geram cerca de 2 milhões de empregos diretos e indiretos no País e, em 2022 (dados mais recentes) faturaram R$ 77 bilhões, o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. O recolhimento aos cofres públicos foi de R$ 49,6 bilhões em impostos. Segundo a Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva) e a Câmara Setorial da Cerveja no MAPA, as diferenças por graduação alcoólica existem não só em outros países, como Dinamarca e Suécia, por exemplo, como também na Organização Mundial da Saúde (OMS). São regras já existentes. É uma diretiva da União Europeia há pelo menos 20 anos. Já a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) afirma que, no cenário internacional, não há um consenso sobre a forma mais eficaz de tributação, já que é preciso observar as especificidades de cada nação, especialmente em relação aos padrões de consumo e tamanho do mercado ilegal.
Não há evidências de que a taxação por teor alcoólico inibe o consumo nocivo, em especial em um país com as características do Brasil. Pelo contrário, estudos já mostram que o dano à saúde está mais vinculado à bebida mais consumida em determinada cultura e país. No Brasil, são 84 litros per capita de cerveja por ano, enquanto dos destilados representam 4,1 litros per capita. Para a entidade, é fundamental compreender que álcool é álcool e que as políticas públicas e os tributos, como o imposto seletivo, devem atender o princípio da isonomia dentro da categoria para cumprir sua função: mitigar o consumo excessivo e preservar a saúde do consumidor. Fazer distinções infundadas entre diferentes formas de produtos alcoólicos e deixar de fora a bebida em que se concentra a parcela preponderante do consumo é, no mínimo, imprudente e as consequências positivas esperadas pela redução de consumo de bebidas não serão percebidas no longo prazo.
O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) diz se guiar pelo que reza a Constituição Federal e a Legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Se for cumprido o que determina a Constituição Federal e respeitado o princípio da seletividade da tabela do IPI anexada ao decreto que criou o próprio imposto, a cerveja deve continuar pagando menos imposto. Se a Constituição e o princípio da seletividade não forem respeitados, as cervejarias podem entrar com uma ação de inconstitucionalidade. E não será só com o setor cervejeiro que o governo vai ter problemas. É preciso ver como o imposto seletivo vai ser incluído no novo sistema tributário. Se for como é hoje no IPI, a seletividade terá que ser mantida. O IPI tem uma tabela de classificação fiscal por produto válida para todo o Mercosul. Há nesta tabela um código que vai de 0,0001 a 99,0, definindo que para cada produto, matéria-prima ou acabado, incida uma alíquota diferente.
Ali, a cerveja, que é um produto final, é tipificada como sendo diferente do vinho, que é diferente da vodca, que é diferente do uísque e assim por diante. No caso específico do IPI, o governo pode alterar a lista com o imposto podendo entrar em vigor imediatamente, ao contrário dos demais tributos, que precisam cumprir uma carência para poder vigorar. É nesta janela que os destilados poderão tentar convencer o governo a atender suas demandas. A ABBD e o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) assinam juntos a peça publicitária sob o slogan "Álcool é Álcool". A campanha se baseia na dosagem alcoólica de cada bebida e quantidade consumida por pessoa. Assim, considerando que uma cerveja tenha, em média, 5% de álcool, o vinho 12% e o destilado 40%, as duas entidades concluem que uma lata de 350 ml de cerveja teria a mesma dosagem alcoólica de uma taça de 150 ml de vinho e a mesma quantidade de álcool de uma dose de 40 ml de destilado. Ou seja, o problema estaria na quantidade de bebida ingerida.
O Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) afirma que as propostas que sugerem alíquotas diferenciadas com base no teor alcoólico das bebidas se baseiam na falsa percepção de que o teor alcoólico das bebidas é o único fator de dano quando a bebida alcoólica é consumida de forma nociva. Aqueles que defendem essa proposta esquecem que o princípio que deve ser considerado no consumo de bebidas alcoólicas é a quantidade de álcool puro consumida, que não tem correlação única com o teor alcoólico e sim com a quantidade da bebida alcoólica ingerida. Com isso, pode-se afirmar que aquele que consome duas latas de cerveja está consumindo mais álcool puro do que aquele que ingere uma dose de cachaça. É importante ter em mente que o imposto seletivo tem um efeito extrafiscal e indutor, de maneira que a aplicação de alíquotas reduzidas para determinado produto cujo consumo em excesso pode ser prejudicial à saúde, como por exemplo, bebidas alcoólicas de baixo teor, no lugar de inibir, acaba por incentivar o consumo deste produto.
No Brasil, por exemplo, o consumo de cerveja é 20 vezes maior do que o consumo de destilados. Uma alíquota menor para cerveja, baseada na argumentação de seu baixo teor alcoólico, apenas impulsionaria o consumo de cerveja no Brasil. O objetivo da instituição do imposto seletivo é exatamente o oposto: o de criar barreiras ao consumo em excesso de alguns produtos. Em meio ao embate sobre a adoção de alíquotas diferenciadas para bebidas de acordo com a dosagem alcoólica, o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) surge com uma proposta que pode unir em um ponto as cervejarias e as fabricantes de destilados: isenção do imposto seletivo para todas as empresas listadas no Simples. Representante de 85% da produção de cerveja no Brasil, a entidade que tem entre suas associadas as internacionais Ambev e Grupo Heineken, vê com preocupação a questão do imposto seletivo. Não por conta das grandes, mas porque 83% das 1.729 cervejarias existentes no País são empresas são de pequeno porte e estão enquadradas no Simples.
Tanto que o Sindicerv está alinhando com outras entidades cervejeiras em âmbito nacional para redigirem um comunicado defendendo que as produtoras de bebidas cadastradas no Simples não paguem o imposto seletivo. O imposto seletivo vai criar mais uma camada de dificuldade para estas empresas. Embora a reforma fale em neutralidade da carga tributária, estamos vendo que terá um aumento. Por isso, defende que as empresas do Simples não paguem o imposto seletivo. Esse pleito visa a beneficiar todas as empresas produtoras de bebidas alcoólicas e não só o segmento cervejeiro. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), hoje são quase 1.000 produtores de cachaça devidamente registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), responsáveis por gerar mais de 600.000 empregos diretos e indiretos. Cabe pontuar que a cachaça já é hoje um dos produtos mais tributados do Brasil e que a sua produção, que é feita na sua maioria por micro e pequenas empresas, representa uma importante fonte de geração de emprego e renda.
A proposta do Sindicerv, por enquanto, transita apenas entre as cervejarias. Mas, depois de alinhado o comunicado, será levado às esferas governamentais no âmbito tributário. Agora, se o chamado imposto do pecado for mesmo adotado no Brasil, a sugestão é para que ele venha com alíquotas diferenciadas, de acordo com o teor alcoólico das bebidas. A defesa é que seja extrafiscal, para cumprir o intuito de coibir atividades potencialmente danosas. As melhores práticas internacionais de imposto seletivo visam inibir o uso nocivo de álcool sem destruir as indústrias. A Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entendem que a tributação deve ser feita conforme o teor alcoólico da bebida. O tema da tributação no Brasil é um olhado de perto pelas gigantes no setor. As duas maiores empresas de bebidas no mercado brasileiro citaram questões tributárias em comentários sobre 2024, nos respectivos balanços do quarto trimestre de 2023.
A Heineken afirmou esperar maior alíquota efetiva de impostos por conta de mudanças tributárias no Brasil. A taxa, que foi de 26,8% no ano passado, é projetada em 29% neste ano. No caso de Ambev, a mudança de regras para a subvenção do ICMS e a dedutibilidade de juros sobre capital próprio (JCP) são elencadas. Dado que a constitucionalidade das alterações legislativas tem sido questionada por várias partes, a extensão do impacto, se houver permanece, indefinida, avalia a Ambev especificamente sobre o ICMS. A XP projeta que a alíquota efetiva de impostos da companhia deve ir a cerca de 24%. No ano fiscal de 2023, a Ambev pagou R$ 32,7 bilhões em impostos, R$ 3 bilhões a mais do que um ano antes. No tema imposto seletivo, as empresas são representadas pelo Sindicerv na defesa dos argumentos em prol da alíquota proporcional ao teor alcoólico. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.