28/Feb/2024
Lançado pelo Ministério da Fazenda na segunda-feira (26/02), o programa de hedge cambial ecológico poderá ter uma alavancagem de 5 a 10 vezes para cada dólar empregado, na avaliação do secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. A Medida Provisória (MP) do instrumento que contará com quatro linhas está pronta e que deverá ser entregue na semana que vem ao Congresso. Enquanto os parlamentares apreciam a MP, os técnicos da equipe econômica farão um roadshow e abrirão o processo de competição dessas linhas de hedge, o que deve levar de 35 a 40 dias.
O secretário garantiu que todo o processo não trará qualquer tipo de risco fiscal ou cambial ao País. A intenção é a de fomentar o mercado brasileiro para que possa atrair mais investimentos sustentáveis, num momento em que o mundo tem buscado esse tipo de aplicação. Ajudará o processo a oferta de linhas longas que espelhem operações no exterior e que fiquem livres de risco cambial. O desenho dessas ferramentas poderá ser ajustado ao longo do tempo, seguindo as necessidades do próprio mercado.
O Tesouro será o responsável por gerenciar leilões de hedge cambial, enquanto o Banco Central medirá a necessidade de dar liquidez ao mercado e solicitar aquisição de derivativos ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Alguns agentes do mercado comentaram que o ideal seria o Brasil aguardar ter uma nota de classificação mais alta das agências de risco, já que o diferencial de juros é um problema estrutural do País. A janela de oportunidade, porém, é agora, segundo o secretário, e não se pode esperar. O País tem uma chance histórica na realocação da cadeia produtiva que ocorre no mundo. Segue a entrevista:
O hedge será enviado ao Congresso por MP. Quando vai sair?
Rogério Ceron: A MP está pronta, então deve sair nos próximos dias. O presidente está fora, então, quando ele voltar, ao longo da próxima semana.
Não há preocupação em ter algo mais nas mãos do Congresso?
Rogério Ceron: Primeiramente, a MP está valendo, então a gente tem aí um tempo. Mas é uma pauta técnica e superpositiva, né? Não tende a ter polêmica. É diferente de outros assuntos que envolvem mais discussões. Não vejo margem para qualquer tipo de resistência. Ao contrário.
Haverá uma espécie de projeto piloto? É isso?
Rogério Ceron: Isso saiu meio truncado. O Reino Unido doou US$ 1 milhão para pagarmos um verificador externo independente, porque queremos, no que tange à governança, fazer algo diferenciado, ter as melhores práticas do mercado. Há todo um roteiro, como relatório de prestação de contas e avaliação de impacto, assim como fizemos com a emissão sustentável. Com o verificador independente, há uma coisa que a gente não costuma fazer no Brasil, mas é preciso que alguém pague e o Reino Unido se interessou na hora em nos apoiar. Não posso dizer ainda, mas o BID já selecionou a empresa, que é de renome internacional, reconhecidíssima. Não haverá um piloto, mas uma primeira distribuição de linhas. É um processo competitivo com as instituições financeiras e a que conseguir alavancar o maior volume de operações em moeda forte (dólar) vai levar os maiores volumes.
Já há uma data para esse primeiro ciclo?
Rogério Ceron: Vamos iniciar o processo de roadshow e depois o de competição pelas linhas, então deve levar uns 30, 45 dias para a gente concluir esse processo de alocação dos recursos da primeira etapa. Haverá roadshow externo, mas é mais voltado para as instituições financeiras que atuam no mercado cambial aqui. Conversamos com praticamente todo mundo, ouvimos muito. Agora vamos para o roadshow para valer: a linha é esta, com estas características. Você tem apetite? De quanto? Tencionamos calibrar de tal forma e depois fazer um processo competitivo para fazer a distribuição. Na primeira rodada, era mais captura de subsídio do que captação.
O Tesouro trabalha com expectativa de algum montante?
Rogério Ceron: Não temos. É um pouco mais fácil falar da expectativa: para cada dólar que colocamos no programa, que mobilize algo entre 5 e 10 vezes. Esse é o grande diferencial de inovação de impacto, pois no Brasil a gente faz uma relação um para um. Espero alavancagem maior, que impulsione a atração do capital externo para cá. Isso vale para todas as linhas disponíveis. Nos parece factível.
E sobre alongamento de prazos? Qual a expectativa?
Rogério Ceron: Mesmo com a evolução recente no mercado de capitais local, as operações são de sete anos, algumas de 10 anos, o que não é trivial. Hoje, apenas via BNDES há esse prazo. Estamos disponibilizando linhas mais longas para fomentá-las e espelhar as linhas de fora. Para não expor companhias brasileiras ao risco cambial. O objetivo é atrair poupança externa.
Alguns agentes de mercado relataram que, apesar do custo menor com o hedge, há ainda preocupação com o diferencial de juros. Como o senhor vê isso?
Rogério Ceron: Não ouvi crítica relevante sobre o programa, que está blindado das críticas mais comuns, como o de concorrer com o mercado. O programa está pressionando a taxa de juro neutra do País para baixo, vai ter leilão aberto, então é uma boa prática de mercado, e a governança é bem robusta. Agora, sempre falamos que o diferencial da taxa de juros é um problema estrutural do País, mas esta é uma janela de atração de investimentos verdes e de realocação das cadeias produtivas, e não podemos esperar. Este é o contexto. O programa prevê calibragem e isso está bem flexível. Por isso, o leilão será aberto para eu achar um ponto de equilíbrio. E esse ponto será alterado ao longo do tempo. A tendência é ficar cada vez mais barato, com necessidade de menos linha para alavancar mais recursos. Mas há vários instrumentos e a operação pode ser parcialmente protegida para, por exemplo, variações mais significativas. Isso no mercado de dívida, mas há mercado relevante, que é o de equity e que vai investir no Brasil. Para este, ter previsibilidade para o câmbio, melhora a precificação do retorno em moeda forte. Com isso, ele vem. São diferentes instrumentos para diferentes problemas. Não há uma só bala de prata: de partida, o objetivo do programa é fazer ajustes. Em alguns casos, só de ter a linha disponível, já dá segurança e reduz o custo de captação. Pode até trazer retorno enorme, mesmo sem ser usada. Isso não resolve o problema definitivamente. Isso só quando o Brasil for AAA. Não vamos fazer malabarismo, intervir em preço de mercado. É um programa para buscar apoiar uma janela de investimento, que é uma oportunidade para o Brasil numa área em que o País tem uma chance histórica, que é o da transição energética, e que precisa ser aproveitada.
Será sempre por meio de leilão, então, e não de forma individual?
Rogério Ceron: Vamos ver a demanda financeira em cada uma das quatro linhas, e cada uma vai desenvolver produtos diferentes. Para uma instituição financeira, pode ser o segmento de opções; para outra, para produtos de swap sem muita chamada de margem. Isso é ótimo, pois o mercado financeiro vai poder trabalhar linhas da forma mais inovadora e eficiente possível. E nós vamos sentindo. Em vez de dizermos o que funciona, vamos deixar que o mercado encontre os instrumentos de maior eficiência. Nós fomentamos e vocês (mercado) viabilizam.
Quais os papéis do BC, do Tesouro e do BID nessas operações?
Rogério Ceron: São vários os instrumentos. O Tesouro vai gerenciar as linhas do Fundo Clima, com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, e é o responsável por fazer os leilões para as quatro linhas. Há uma parte que é complementar e que fica com o Banco Central e o BID: o BID vai pegar as operações em aberto com o Brasil e o BC vai sentindo a necessidade de dar liquidez para o mercado e solicitar ao BID a aquisição de derivativo para ofertar ao mercado brasileiro. São tarefas complementares e isso é saudável. Não há qualquer risco cambial ou fiscal para o governo, em qualquer esfera. Não tem nada disso. Estamos sendo muito cuidadosos. Colocamos na mesa parceiros institucionais do Brasil e no exterior relevantes para ter diálogo e constituição técnica. Tem uma construção consistente. Por isso, não dá para esperar o Brasil virar AAA: o Brasil tem uma chance histórica. O mundo está em processo intenso de realocação produtiva. As decisões de investimento para daqui a 10, 15 anos nas cadeias estão sendo tomadas agora e precisamos atrair esse investimento para o Brasil.
Como o investidor poderá acompanhar os próximos passos do hedge?
Rogério Ceron: Vamos definir a periodicidade da divulgação dos relatórios. Não é um arcabouço como no caso das emissões, mas fizemos um texto para ser ponto de partida, isso é transparência. Achamos que pode ser um programa para ser replicado em outros emergentes. As instituições financeiras já sabiam o que estávamos fazendo, mas grandes grupos que trabalham com agenda verde já nos procuraram com o diferencial de trazer plantas produtivas para o Brasil. Este era um interesse que buscávamos.
Fonte: Broadcast Agro.