27/Feb/2024
O Brasil luta para apresentar ao final do encontro da primeira reunião ministerial da trilha de finanças do grupo das 20 maiores economias do mundo (G20) um comunicado mais curto, que tenha foco nas questões econômicas globais e na agenda proposta pelo País, que, desde dezembro do ano passado, é o anfitrião do condomínio. A confirmação foi feita pela secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e coordenadora da Trilha de Finanças do G20, Tatiana Rosito. O encontro da área financeira será ao longo desta semana, em São Paulo.
Na quinta-feira (29/02), o communiqué do grupo deve ser publicado, mas, para isso, é preciso consenso entre os participantes. Na edição passada, na Índia, apenas houve uma congregação em torno do que deveria ser colocado no texto na reunião de outubro, a última do ano. Havia uma grande discussão sobre se temas bélicos deveriam entrar no texto, com uma parte do grupo argumentando não se tratar do fórum adequado e outra defendendo que conflitos têm consequências sobre a economia do planeta. Questões geopolíticas foram debatidas durante a reunião de chanceleres esta semana, no Rio. A secretária também falou sobre o menu de atividades que o Brasil vai apresentar ao grupo na área verde e sobre a necessidade de reformas de organismos multilaterais e de um evento que, segundo ela, terá "a cara do Brasil". Segue a entrevista:
Como estão os preparativos para a reunião ministerial?
Tatiana Rosito: Nós, os deputies (representantes da área de finanças dos países participantes), já estamos negociando o comunicado há cerca de duas semanas. Enviamos versão por escrito, recebemos comentários, fizemos revisões, mandamos para os países e ontem e anteontem foram realizadas duas reuniões virtuais, de cerca de quatro horas, analisando parágrafo por parágrafo para construir consenso. A ideia é chegar à reunião de segunda-feira com o comunicado já trabalhado. O que tem de diferente este ano é que estamos propondo um comunicado muito mais curto, focado - além de nos temas tradicionais - na economia global e no que se espera, sobretudo para o curto prazo, além de falar sobre as prioridades do trabalho do G20 este ano. Então, mais do que uma avaliação detalhada de cada grupo - até porque o trabalho está começando - a gente está fazendo um comunicado que reflete as prioridades brasileiras e expressa o apoio dos membros do G20 para a agenda que o Brasil propôs.
Mesmo com tantos temas, o texto será menor?
Tatiana Rosito: O comunicado vai ser muito menor. Entre dezembro e fevereiro, a maioria dos grupos de trabalho se encontrou, com todos os planos de trabalho discutidos e acordados. Então, esta reunião de agora coroa isso: reflete as prioridades do Brasil e reconhece o trabalho feito pelos grupos, trata dos riscos, inclusive os positivos, para a economia global, aponta políticas de como os ministros de finanças e presidentes de bancos centrais podem alcançar uma agenda ambiciosa, de crescimento.
Então aquela celeuma que se via, por exemplo, sobre se as questões geopolíticas e de guerra deveriam estar no documento não vai existir agora?
Tatiana Rosito: Já houve discussões sobre questões geopolíticas na reunião de chanceleres. Essa discussão não faz parte da trilha de Finanças. Você pode notar que, na presidência brasileira, a reunião de chanceleres ocorreu antes da de ministros de finanças. Esta foi uma atitude deliberada: escolhemos fazer a reunião política antes da de Finanças. Foi uma proposta acordada para que, diante de um cenário global que é complexo, os chanceleres discutam a parte política antes da realização da trilha financeira, que mais claramente pode se dedicar aos temas de finanças. Esses temas são impactados por situação de conflitos e de guerras? Sim, há impactos. A extensão do impacto depende de cada momento.
A senhora destacaria algum ponto em especial do comunicado?
Tatiana Rosito: O comunicado será divulgado ao final da reunião de ministros. Então vai refletir as discussões que vão haver sobre esses temas: o estado da economia global, as perspectivas para o crescimento, para a política monetária, para a queda das taxas de inflação, para criação de empregos. Estes pontos vão ser discutidos, cada país vai expor sobre a situação da sua economia e como veem a importância da coordenação das políticas e da cooperação para enfrentar alguns desafios que são globais.
Durante a pandemia, assistimos a uma grande orquestração global, que não se vê agora na volta das medidas. Este assunto pode ser abordado?
Tatiana Rosito: É normal que, em situações de crise, haja respostas mais específicas. O G20 respondeu no passado e tem sido capaz de responder dando o tom das reações de políticas dos países, que, em conjunto, vão compor a situação global. Este é o momento de importância, de justamente isso se consolidar. É uma situação de pós-pandemia e de consolidar a estabilidade, é uma situação propícia para a retomada do crescimento em bases sólidas.
O meio ambiente tem destaque neste G20, com divulgação, inclusive, do hedge cambial verde na segunda-feira. O Brasil tem condições de dizer ao mundo que avançou nessa área?
Tatiana Rosito: Acho que a gente consegue falar bastante, mostrar que esta administração já fez várias entregas ao longo de 2023 e, em especial, no contexto do Plano de Transformação Ecológica, que representa um alinhamento de incentivos para o crescimento sustentável. Depois de muitos anos, em poucos meses há uma proposta em fase final de análise de implantação do mercado de carbono, há trabalhos para a adoção de uma taxonomia sustentável que devem se concluir ao longo de 2024, houve uma emissão muito bem-sucedida de bônus verdes, a retomada do Fundo Clima, o PL do hidrogênio verde, o do combustível do futuro. Olha quantas medidas. O Brasil já mostrou a retomada da liderança no combate às mudanças climáticas, mirando não apenas a consolidação disso ao longo do G20, mas também trabalhar para a COP 30. E muitas outras medidas virão.
Um dos pontos de ênfase dados pelo presidente Lula diz respeito à modernização dos organismos internacionais. O que vai haver nessa área na trilha de finanças?
Tatiana Rosito: Além dessa questão de emergência ligada ao clima, há também uma questão institucional, de estrutura da governança internacional, porque algumas delas ainda refletem o equilíbrio de poder no século XX. Este é um tema colocado em pauta pela presidência brasileira e que ganhou destaque dentro da trilha de finanças: aumentar a voz e a representação dos países em desenvolvimento nessas instituições. E isso pode acontecer de algumas formas: aumentando a participação porcentual dos países, a rediscussão da fórmula de cotas, como no caso do FMI. Não se pode minimizar a importância de colocar esses temas como centrais para alcançar os objetivos concretos em termos de desenvolvimento sustentável e de financiamento. Essas instituições têm uma centralidade na economia global, estão sofrendo mudanças, se fortalecendo e criando instrumentos para aumentar a sua capacidade de contribuir, mas até para questões de dívida e considerando recursos também que os países de menor desenvolvimento relativo e os bancos multilaterais também estão passando por reformas.
Aumento de capital...
Tatiana Rosito: Isso. Aumento de capital, revisão de práticas operacionais, novas formas de atuar que possam simplificar os critérios para aprovação e implementação dos projetos, que possam significar mais harmonização de critérios para facilitar o acesso dos países em desenvolvimento aos recursos e para também alavancar mais recursos privados.
O que a senhora espera para o fim da reunião da semana que vem?
Tatiana Rosito: Esta primeira reunião vai ter uma cara bastante brasileira, pois reflete muito não só preocupações globais, mas do Brasil e que estão no centro das políticas levadas adiante pelo ministro Fernando Haddad, como o tema da desigualdade nas políticas macroeconômicas, tributação dos super-ricos e de uma tributação internacional mais progressiva e justa, além de encaminhar soluções globais mais amplas para países em desenvolvimento, sobretudo da dívida e da dívida com o financiamento do desenvolvimento sustentável.
Fonte: Broadcast Agro.