ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

06/Feb/2024

Entrevista com Jean-Christophe Caffet - Coface

Ainda que os bancos centrais das economias desenvolvidas estejam no caminho de recolocar a inflação na meta, o mundo vai ter que conviver por muito tempo com maiores pressões inflacionárias, avalia o economista-chefe global da Coface, Jean-Christophe Caffet. As mudanças demográficas, a reorganização das cadeias de produção e a transição energética são tendências que, segundo o economista, vão pressionar estruturalmente os preços no longo prazo. Apesar disso, levando em conta os efeitos do aperto monetário na atividade, ele acredita que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) terá condições para começar a cortar os juros no verão do Hemisfério Norte, ou seja, possivelmente entre junho e julho. Mas, provavelmente, não no tamanho que o mercado está esperando atualmente, de cinco a seis cortes neste ano. Caffet manifestou ainda preocupação com a possibilidade de enfraquecimento do comércio se Donald Trump vencer o atual presidente, Joe Biden, nas eleições norte-americanas em novembro. Segue a entrevista:

O sr. diz que o mundo está entrando num período de inflação estruturalmente mais alta. Isso significa que tanto o Federal Reserve quanto o Banco Central Europeu (BCE) não vão conseguir mais trazer a inflação para a meta de 2%?

Jean-Christophe Caffet: No curto prazo, eles vão conseguir porque, em algum momento, o aperto monetário feito já há quase dois anos vai atingir a atividade. Já vemos sinais de alguma deterioração no mercado de trabalho e a inflação está caindo. A dinâmica da renda deve trazer um alívio [aos preços] nos próximos trimestres. Então, as metas podem ser alcançadas no ano que vem. Provavelmente, no fim deste ano os núcleos de inflação estarão perto da meta. Podemos até mesmo ter um cenário adverso no qual a inflação cai para abaixo da meta - se houver uma quebra no setor financeiro, com certeza. Porém, no longo prazo, entendo que estamos enfrentando maiores pressões inflacionárias em decorrência de dinâmicas estruturais.

Quais mudanças estruturais causam essa maior pressão inflacionária?

Jean-Christophe Caffet: Basicamente, o envelhecimento da população, que leva a um encolhimento da força de trabalho nos países ocidentais, implicando uma dinâmica de renda cada vez mais alta. Há também a reconfiguração das cadeias de produção, com o fato de que teremos uma diversificação [da produção] para fora da China e de países de baixo custo. Se você passar a importar a mesma quantidade de insumos não mais de um fornecedor, mas de dois países, isso significa que você terá que pagar preços mais altos por unidade do que está importando. Para completar, o preço da energia terá que subir para pagar os investimentos que estão sendo feitos na transição energética e na descarbonização, especialmente se esses investimentos forem financiados a juros mais altos. Tudo isso junto significa que vamos ter inflação mais alta por um prazo que vai além do ciclo atual.

Quando o Fed e o BCE estarão prontos para começar a cortar os juros?

Jean-Christophe Caffet: Acho que no verão do Hemisfério Norte. Já vemos uma desaceleração nos EUA, ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) tenha se mostrado muito resiliente. O PIB dos EUA no quarto trimestre de 2023 cresceu 3,3% na taxa anualizada, menos do que os quase 5% do trimestre anterior. Então, devemos ter uma desaceleração da economia americana que, junto com a queda da inflação, deve permitir ao Fed cortar os juros. Mas provavelmente não no tamanho que o mercado está esperando atualmente, de cinco a seis cortes neste ano. O Federal Reserve tem deixado claro que serão apenas três cortes.

A aproximação do ciclo de baixa nos juros das economias desenvolvidas pode ajudar os países emergentes que já estão flexibilizando a política monetária?

Jean-Christophe Caffet: Vai aliviar as pressões financeiras sobre os mercados emergentes, já que juros mais baixos no Ocidente, especialmente nos EUA, devem pesar sobre o dólar e, assim, aliviar a carga financeira sobre as economias emergentes. É uma boa notícia para todos. Quando as condições financeiras estão apertadas, é ainda pior para países emergentes e países de baixa renda. No fim do dia, todos se sentirão muito melhor com os cortes do Fed que estamos esperando atualmente.

A geopolítica esteve no centro dos debates da conferência da Coface sobre riscos globais. Qual é o maior risco, na sua opinião, para o mundo neste ano?

Jean-Christophe Caffet: Todo o conjunto de riscos geopolíticos, na verdade. O que está acontecendo no mundo está longe de ser tranquilizador. Não podemos descartar uma piora na situação do Oriente Médio, especialmente no que pode acontecer envolvendo Hezbollah e Irã, após o 7 de outubro (data do ataque do Hamas a Israel). Os resultados das últimas eleições em Taiwan com a vitória do partido contrário à unificação com a China não devem levar a um relaxamento das tensões com a China. Existem outros temas quentes que teremos que monitorar, especialmente com todas as eleições que estão por vir. Teremos, por exemplo, eleições na Indonésia neste mês, que podem ser decisivas para o país e vizinhos. O grande número de eleições, com a polarização política dentro dos países, pode levar a maiores pressões sobre as relações internacionais.

Como o senhor acompanha as eleições nos EUA e seus potenciais impactos sobre a economia global?

Jean-Christophe Caffet: A eleição de Donald Trump, se acontecer, representará uma mudança de jogo para muitos países, não apenas a Ucrânia. A confiança dos investidores vai depender das primeiras decisões de uma nova administração Trump. Ele já deixou claro que vai aumentar as tarifas em 10% para qualquer tipo de produto importado pelos EUA. Isso pode enfraquecer ainda mais o comércio e, consequentemente, a economia global.

O senhor leva em conta em seu cenário um favoritismo de Trump?

Jean-Christophe Caffet: Não tenho ideia de qual será o resultado dessas eleições. Ainda não temos, a rigor, a definição de quem serão os candidatos. No momento, certamente será Joe Biden pelos democratas, mas o caucus (votações, precedidas de assembleias, nas quais são definidos os candidatos dos partidos) ainda não terminou. Além disso, decisões da Suprema Corte podem invalidar a candidatura de Trump, embora este não seja nosso cenário. Deve ser entre Trump e Biden, e embora as pesquisas sejam favoráveis a Trump, as eleições não estão decididas. Sabemos que podemos ter uma surpresa. Como disse o nosso CEO (presidente da Coface), Xavier Durand, ‘a única certeza que temos para este ano é a de que seremos surpreendidos’.

Fonte: Broadcast Agro.