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30/Jan/2024

Ásia e o sucesso na redução da pobreza extrema

Desde os primórdios da civilização, a pobreza tem sido um problema capital para a humanidade. Ainda hoje, apesar de a renda per capita global ter crescido de forma exponencial desde a Revolução Industrial, uma parcela significativa da população mundial continua a viver na miséria, colocando a questão no centro do debate político, econômico e intelectual em todo o planeta. Mas, nos últimos 30 anos, embora muita gente não tenha se dado conta, a pobreza extrema, que engloba o contingente com renda per capita inferior a US$ 2,15 (R$ 10,75) por dia em valores de 2017, pela paridade do poder de compra (PPP), teve uma redução extraordinária no mundo. Foi a maior queda no menor prazo ocorrida em todos os tempos. De 1990 a 2022, a população que vive abaixo da linha da pobreza foi praticamente dividida por três, segundo o Banco Mundial, caindo de 2 bilhões (38% do total) para menos de 700 milhões (8,5%), e grande parte deste resultado se deve ao desempenho da Ásia, que concentra 60% dos habitantes e cerca de 40% do PIB globais.

A rigor, foi a contribuição da Ásia que fez com que a pobreza extrema diminuísse nesse período. No restante do mundo, embora a miséria tenha caído em termos relativos, o número de pessoas vivendo na extrema pobreza cresceu, de 384 milhões para 515 milhões. Enquanto isso, na Ásia, mais especificamente nos países da Ásia Meridional e Oriental e na região do Pacífico, onde a evolução foi mais acentuada, a população mais vulnerável diminuiu também em termos absolutos, de 1,6 bilhão para 166 milhões. Ou seja, se não fosse pela Ásia, o total de pessoas na pobreza extrema no mundo teria subido desde 1990. Só nos últimos 20 anos, a Ásia tirou mais de 1 bilhão de pessoas da miséria. A população vivendo abaixo da linha de pobreza na Ásia Meridional e Oriental e na região do Pacífico, que representava 70,5% do total global em 2002, agora corresponde a 24,4%. Tal queda aconteceu mesmo num período em que o número de habitantes da região teve um aumento de 46,4%, de 3,2 bilhões para 4,7 bilhões.

Apesar de China e Índia, os dois países com a maior população do mundo, terem tido a maior influência na redução da miséria desde 1990, com o corte do nível de pobreza extrema de 72% e 47,6% da população para 0,1% e 11,9%, respectivamente, a queda da taxa, deflagrada pelo Japão a partir dos anos 1960 e pelos Tigres Asiáticos (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura) a partir dos anos 1970 e 1980, espalhou-se por toda a região. Para contribuir para a compreensão do fenômeno, serão apresentados o quadro geral e as razões que levaram a Ásia a obter um resultado tão expressivo nas últimas décadas. A redução da miséria na região vai muito além da China e da Índia e se espalha por quase todos os países asiáticos. Bangladesh vem ganhando visibilidade internacional nos últimos anos, com o corte da taxa de pobreza de 43% para 9,6% desde 2000. Depois, a Indonésia, país com a maior população islâmica do planeta e a terceira maior da Ásia, que diminuiu o número de pessoas vivendo na extrema pobreza de 62,8% do total para 2,5%, entre 1990 e 2022. Por último, o Vietnã, que seguiu o caminho da China e abriu sua economia, reduzindo a taxa de pobreza de 45,1%, em 1990, para 0,7%.

Além do encolhimento da pobreza extrema, houve o surgimento de uma classe média considerável na Ásia, puxando o consumo de bens e serviços e dinamizando a economia. Para o Banco de Desenvolvimento da Ásia (ADB), que considerou como classe média os indivíduos de famílias com gastos per capita de US$ 3,20 a US$ 32 por dia em valores de 2011, quase 70% da população integrava o grupo em 2015, ante apenas 13% em 1981. O forte consumo doméstico destes novos consumidores impulsiona o desenvolvimento das economias asiáticas assim como do restante do mundo, afirma o ADB na publicação “A viagem da Ásia para a prosperidade”, de 2020. É certo que, nos últimos três anos, desde o auge da pandemia, houve um leve aumento no nível de pobreza em alguns países da região, como na maior parte do mundo, em decorrência da queda da atividade econômica, da alta dos juros e da inflação, da desaceleração da globalização e mais recentemente das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.

Em 2022, segundo projeção da Statista, plataforma online alemã especializada em coleta e divulgação de dados, a pobreza extrema atingia cerca de 4% da população da Ásia, ante uma previsão de 2,2% feita antes da pandemia, um resultado que, segundo o Banco Mundial, representou o maior retrocesso nos esforços para a redução da pobreza global desde 1990, colocando em risco o cumprimento da meta da ONU de zerar a miséria no mundo até 2030. É certo também que as médias da região mascaram a disparidade entre os diferentes países asiáticos e os desafios para aprofundar a redução da pobreza extrema. Afeganistão, Timor Leste, Nepal, Laos e a própria Índia, com índices de 49,4%, 24,4%, 8,2%, 7,1% e 11,9%, respectivamente, ainda estão bem distantes de países como Coreia do Sul, China, Malásia e Tailândia, cujos indicadores estão próximos de zero no enfrentamento da pobreza extrema. Além disso, quando se sobe um pouco a barra e se considera uma renda ou gasto per capita inferior a US$ 3,65 por dia, em vez de US$ 2,15, o número de pessoas enquadradas na faixa mais baixa da pirâmide aumenta para 930 milhões, quase seis vezes mais do que quando só o grupo mais vulnerável entra na conta.

Se a barra subir ainda mais, para US$ 6,85 per capita por dia, o total de pessoas pertencentes à categoria chega a 1,2 bilhão. As ressalvas, porém, não chegam a ofuscar o saldo acumulado pela Ásia na diminuição da pobreza extrema. Em 1990, segundo a Brookings Institution, ONG com sede nos Estados Unidos, havia sete países asiáticos entre os dez primeiros colocados na lista dos que tinham as maiores taxas de pobreza no mundo: China, Índia, Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Vietnã e Mianmar. Hoje, não há mais nenhum, nove são da África Subsaariana e um da América Latina (Guatemala). O Afeganistão, país asiático mais pobre, com uma taxa de pobreza de 49,4%, ocupa o 18º lugar no ranking. Por trás dessa redução espetacular da pobreza extrema na Ásia, como afirmam economistas, cientistas sociais e instituições multilaterais, está o “milagre” econômico, puxado pelo crescimento acelerado, principalmente da China, que abriu sua economia em meados dos anos 1970, interrompendo um período de 30 anos de controle absoluto do Estado sobre a produção, iniciado com a implantação do comunismo.

Como no caso da redução da pobreza, os números do crescimento asiático no longo prazo são impressionantes, apesar da desaceleração registrada após a pandemia. Segundo a Statista, a Ásia Meridional teve um crescimento médio de 5,6% ao ano, entre 1982 e 2021, e a Ásia Oriental e a região do Pacífico, de 4,9%, enquanto na África Subsaariana ele foi de 3%, no Oriente Médio e Norte da África, de 2,9%, na América do Norte, de 2,6%, na América Latina e no Caribe, de 2,3%, e na Europa e Ásia Central, de 1,9%. Historicamente, nada funciona mais que o crescimento econômico para as sociedades melhorarem as condições de vida de seus integrantes, incluindo as mais desfavorecidas, segundo o economista Dani Rodrik, professor de economia política internacional na Universidade Harvard, em seu livro “Uma economia, muitas receitas: globalização, instituições e crescimento econômico”.

Um estudo sobre o que move o desempenho dos países de alto crescimento, divulgado em 2018 pela McKinsey, uma das principais empresas internacionais de consultoria, mostra que apenas sete países e territórios emergentes com mais de 5 milhões de habitantes tiveram um aumento do PIB per capita de mais de 3,5% ao ano, em média, nos últimos 50 anos (entre 1965 e 2016), todos asiáticos: China, Hong Kong, Indonésia, Malásia, Cingapura, Coreia do Sul e Tailândia. Entre as 11 economias emergentes que cresceram ao menos 5%, de 1995 a 2016, 8 são da Ásia: Índia, Camboja, Vietnã, Mianmar, Laos, Cazaquistão, Uzbequistão e Turcomenistão. Num período mais curto, entre 2011 e 2018, outros três países asiáticos se destacam, com crescimento de pelo menos 3,5%: Bangladesh, Filipinas e Sri Lanka. Não por acaso, a Ásia contribuiu com 57% do crescimento do PIB global entre 2015 e 2021. O “milagre” econômico teve um efeito direto no bem-estar da população.

Entre 1960 e 2022, o PIB per capita dos países da Ásia Meridional passou de US$ 330,00 em 2010, para US$ 1.986,00 em 2022, conforme o Banco Mundial, seis vezes mais. Na Ásia Oriental e na região do Pacífico, o PIB per capita cresceu quase 11 vezes, de US$ 1.112.00 para US$ 12.090,00 no mesmo período, e o do Brasil, 3,4 vezes, de US$ 2.578,00 para US$ 8.831,00 também em valores de 2010, enquanto o PIB mundial aumentou apenas três vezes, de US$ 3.613,00 para US$ 11.314,00. Além de gerar empregos e engordar rapidamente a renda da população, o crescimento acelerado alavanca o desenvolvimento humano, ao permitir que as pessoas cuidem melhor da saúde, comam melhor e possam viver mais, de acordo com estudo do Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, hoje rebatizado de Escritório para Comunidade Estrangeira e Desenvolvimento (FCDO). O crescimento, conforme o órgão britânico, gera também círculos virtuosos de prosperidade. Crescimento forte e oportunidades de emprego aumentam os incentivos para os pais investirem na educação de seus filhos colocando-os na escola.

Isso pode levar à emergência de um crescente grupo de empreendedores, que podem fazer pressão para melhorar a governança. Ainda que o sistema de proteção social seja pouco desenvolvido na maioria da Ásia, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), vários países lançaram programas de apoio à população mais vulnerável nos últimos anos, contribuindo para reduzir a taxa de extrema pobreza. As Filipinas, por exemplo, implementaram um programa de transferência de renda que lembra o Bolsa Família, conforme o livro “A viagem da Ásia para a prosperidade”, do ADB. Também na Malásia e na Tailândia, de acordo com a publicação, os governos implementaram medidas destinadas aos mais pobres. A Mongólia lançou, nos anos 1990, novos programas de proteção social, depois de os antigos terem o financiamento comprometido após o fim da União Soviética, que concedida subsídios polpudos ao país. Na Índia, há um programa que combina transferências de renda com apoio ao emprego.

Mesmo na China, onde a rede de proteção social é limitada, em comparação com países mais generosos, houve aumentos no salário-mínimo e na ajuda governamental nas áreas rurais. Seguindo uma tendência global, a China também lançou seu programa de renda mínima, o Dibao, hoje acusado no Ocidente de servir como ferramenta para o regime chinês controlar a população, ao negar ou suspender a concessão do benefício de forma pouco transparente. Agora, apesar de a maioria dos países da Ásia estar colhendo os frutos da industrialização ocorrida nas últimas décadas, em maior ou menor grau, e da abertura da economia, com maior integração nas cadeias globais de produção, os caminhos para alavancar o processo de crescimento, que levou à redução da pobreza extrema na região, variaram muito. “Não há essa coisa de consenso asiático”, afirma Takehiko Nakao, ex-presidente do conselho do ADB, no prefácio do livro “A viagem da Ásia para a prosperidade”.

Ele contesta a visão de que o crescimento asiático se deveu à participação ativa do Estado nos negócios e na vida econômica. E acredita que as discussões sobre o sucesso econômico asiático são muito simplistas. O sucesso da Ásia se apoiou nos mercados e no setor privado. Ele questiona também a implementação de “políticas industriais” pelos países emergentes para promoção do desenvolvimento. As economias asiáticas começaram a crescer mais rápido quando deixaram de lado as políticas de intervenção do Estado e focaram no mercado. A política de substituição de importações foi largamente adotada por países em desenvolvimento por influência de ideias socialistas e desejo de autossuficiência. Mas essa estratégia, de proteção comercial, falta de concorrência e taxas de câmbio sobrevalorizadas levaram a sérias ineficiências e algumas vezes até geraram crises na balança de pagamentos, especialmente na América Latina. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.