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29/Jan/2024

BA: produtores criam reservas ambientais privadas

Os vestígios de seres humanos na região da Lagoa das Velhas, no sertão da Bahia, existem há mais de 2 mil anos, mas só em 2010 o produtor rural Edgard Navarro viu aquelas pinturas rupestres nos paredões. "Fiquei encantado com a beleza e ao mesmo tempo triste com a depredação", recorda. Ao lado das marcas pré-históricas, havia até pichações. Há dois anos, o sítio histórico em Morro do Chapéu integra uma iniciativa criada pelo Ministério Público (MP) da Bahia que incentiva produtores rurais e proprietários a transformarem parte das suas terras em reservas particulares do patrimônio natural (RPPN). É o Projeto Biomas da Bahia, lançado em 2022. A ação, desenvolvida em parceria com os institutos Água Boa, Ynamata e Fundação José Silveira, quer envolver donos de terras na conservação da biodiversidade e aprimorar o acompanhamento dos biomas, a partir, por exemplo, de câmeras de monitoramento. A riqueza estadual, e a necessidade de mantê-la viva, justifica o projeto.

A Bahia é o único Estado brasileiro que tem cinco biomas (Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Costeiro e Marinho) e já tem 55 RPPNs em 16 cidades. Somadas, elas resultam em 45 mil hectares protegidos. O produtor e biólogo Edgard Navarro é proprietário de três delas, são 619 hectares de áreas protegidas. Em 2010, quando conheceu a Lagoa das Velhas, ele sentiu a necessidade de proteger o território. Só não sabia por onde começar. Durante conversa com o arqueólogo Carlos Etchevarneque, ele pensou na criação de uma RPPN. Embora a propriedade na Lagoa pertencesse à família Navarro desde 1951, só em 1996 Edgard passou a frequentá-la com mais frequência. A conversa com Carlos foi o trampolim para a realização do sonho. Mas, ainda faltava um apoio, até surgir o projeto. Primeiro, foram reconhecidas as áreas onde se concentram as pinturas rupestres. Em seguida, surgiu a possibilidade de proteger um terceiro trecho, onde há árvores de 25 metros de altura e seis nascentes.

É nesses pontos, e no Parque Estadual do Morro do Chapéu, que a equipe da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) executa o projeto Bichos do Morro desde 2022. Quatro câmeras instaladas pelo MP foram espalhadas em árvores para catalogar e acompanhar espécies de animais silvestres existentes. Um dos primeiros bichos flagrados nas imagens foi o gato-do-mato pequeno, o menor dos gatos malhados da América do Sul, ameaçado de extinção. A diversidade geral de espécies é maior que aquela encontrada nos outros locais já estudados em Morro do Chapéu. Foram registradas 16 espécies da fauna silvestre da Caatinga, a exemplo do tamanduá-mirim e do furão. Diferentemente de outras modalidades de áreas protegidas, a RPPN só surge se há disposição do dono da propriedade. Para incentivá-los, então, o projeto Biomas da Bahia banca os custos da criação desse tipo de unidade. Eles incluem despesas com georreferenciamento, por exemplo. O custo, em média, é de R$ 10 mil. O financiamento vem de um fundo gerenciado pela Fundação José Silveira, nutrido pelos valores de multas ambientais aplicadas na Bahia.

Segundo Pablo Almeida, promotor do Ministério Público e coordenador do projeto, havia um contrassenso, porque a pessoa que quer transformar parte da sua propriedade em área protegida deveria ser recebida com “tapete vermelho”. Antes de dar o aval que transforma uma área em RPPN, MP e parceiros analisam os documentos do território e catalogam as riquezas naturais. Só então há o lançamento da propriedade no Cadastro Ambiental Rural e um pedido administrativo é protocolado na Secretaria do Meio Ambiente (Sema), que dá o parecer favorável ou não. Hoje, o Biomas da Bahia reúne dois perfis de produtores. O primeiro deles são pessoas que realizaram derrubada ilegal de mata. Muitas vezes, os promotores sugeriam, como compensação, que aquela área virasse RPPN, mas, para surpresa, esses são 1%. Os outros 99% são produtores que voluntariamente querem transformar propriedades em reservas de proteção. Eles têm motivos para isso, que não se resumem à compreensão da importância de preservação.

Transformada em RPPN, uma área se torna mais atrativa para o turismo ambiental e atrai pesquisadores e atividades educativas. A derrubada de mata se torna proibida. Os proprietários, que não transferem a posse das terras, ainda têm benefícios como a isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). O principal aspecto é o reforço e o acréscimo de áreas protegidas. Que isso não depende exclusivamente do poder público. É como se fosse um selo: “o Estado veio e disse que minha área é importante para o meio ambiente”, conclui o Biomas da Bahia. O biólogo Paulo Machado sempre ouviu do pai, o conservacionista Ângelo Machado, que a maneira mais eficiente de incentivar uma pessoa a proteger a natureza é dar um banho de cachoeira nela. A metáfora cabe bem para os planos que ele tem para uma propriedade em Canudos, no norte da Bahia: levar pessoas a tomarem um banho, só que de Caatinga. A pessoa tem que imergir, conhecer, é o conhecimento que gera a conservação.

A meta é transformar pelo menos 90% dessas áreas em RPPN, diz Machado, que preside a Fundação Biodiversitas, voltada para a conservação da natureza brasileira a partir de atividades técnico-científicas, ações educacionais e turismo ambiental desde 1989. Desde setembro do ano passado, ele e a equipe da fundação integram o projeto Biomas da Bahia. Hoje, há 29 processos de criação de RPPN em andamento. Além delas, 21 estão em montagem: 2 delas na região de Canudos, na área da Biodiversitas. Por lá, estão aves que só existem na Bahia, como a arara-azul-de-lear e o entufado baiano, ameaçados de extinção. É uma região árida e remota, e Machado ainda está buscando o apoio do projeto para conseguir a obtenção do registro. O objetivo é tornar aquelas áreas autossustentáveis pelo turismo sustentável. Para conseguir atender às demandas em crescimento, o principal desafio do projeto é garantir novas fontes de recursos. A meta, para 2024, é de mais 16 mil hectares de reservas particulares protegidas na Bahia.

Segundo o Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo (Cema), o projeto utiliza valores de termos de ajustamento de conduta. Ou seja, os valores pagos por degradadores ambientais são revestidos para apoiar a preservação da vegetação nativa. Não existe um orçamento com fonte definida. O projeto surgiu depois de experiências do Núcleo de Defesa da Mata Atlântica. Quando se percebeu que seria possível expandir as ações empreendidas pelo núcleo nesse bioma. A criação de uma RPPN por si só, no entanto, não garante proteção. Segundo o Instituto Água Boa, às dificuldades de conseguir novos parceiros, se soma a presença de invasores e caçadores como ameaça a essas reservas. Na visão equivocada do órgão, o resultado de conservação promovido pelas RPPNs é do proprietário, quando na verdade, ela significa um benefício para toda a sociedade e para as futuras gerações. Há demandas específicas, mas falta apoio, principalmente por questões relacionadas à caça ilegal em RPPNs. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.