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23/Jan/2024

Entrevista: Milton Maluhy - presidente Itaú Unibanco

Assim como o México está se aproveitando do movimento global chamado de 'nearshoring', o Brasil precisa agarrar a oportunidade que bate à sua porta, alerta o presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy. O momento é positivo para o País, que deve fazer um esforço para atrair investimentos, buscar um crescimento mais vigoroso e evitar o risco da sobretributação na busca por um melhor equilíbrio fiscal, lista o banqueiro. "A gente sempre corre o risco de sobretributar a economia, e esse é um tema que tem de estar no radar o tempo todo... No curto prazo, você mostra contas melhores, mas, no fim do dia, acaba hipotecando o futuro", disse o presidente do Itaú. Maluhy reforça a preocupação dos investidores em Davos: o principal desafio do Brasil é o fiscal. E lembra que os problemas de orçamento impedem o câmbio de estar mais baixo e os juros caindo de forma mais agressiva no País. Segue a entrevista:

Qual a sua percepção de Davos, o que se falou sobre o Brasil nos bastidores?

Milton Maluhy: Muitos tópicos foram discutidos como a agenda climática, a transição energética que o mundo vem passando e precisa fazer, muita discussão sobre inovação e inteligência artificial. Há uma preocupação muito grande com o tema geopolítico, que vem aumentando com o que está acontecendo no Oriente Médio, e isso traz, claramente, uma preocupação para os investidores. É impressionante o tamanho da oportunidade que temos pela frente. Quando olhamos para a América Latina, o México vem se destacando em relação aos outros países com a questão do 'nearshoring' e deve crescer 2,8% neste ano, acima da média da região. O país está se beneficiando dessa questão do nearshoring. E essa é uma oportunidade de ouro para o Brasil.

Por quê?

Milton Maluhy: O Brasil tem de aproveitar o momento para atrair investimento, para se posicionar como uma fortaleza global e mostrar para o mundo o nosso compromisso ambiental, a nossa matriz energética limpa, capital humano, 'nearshoring'. Geograficamente, o País está numa posição muito favorável, seja do ponto de vista de conflito, seja do ponto de vista de transporte marítimo e todas as fortalezas que possui. O momento é muito positivo para o Brasil nesse sentido. Há muito interesse dos investidores e quando eles olham também as alternativas, não só o Brasil tem as suas qualidades e as suas virtudes, mas o relativo também tem nos ajudado.

E qual a visão dos investidores estrangeiros sobre o Brasil?

Milton Maluhy: O investidor com uma visão de médio e longo prazo quer entender questões estruturais do País, crescimento, trajetória da dívida, as preocupações que qualquer investidor tem. A reforma tributária que foi aprovada recentemente, quais são as implicações e os impactos disso no médio e longo prazo, enfim, como é que a gente vê toda essa questão da capacidade de atrair de fato investimento para o Brasil em um momento, eu diria, único. A gente realmente tem uma oportunidade à frente e tem que fazer um esforço enorme para aproveitá-la.

E o Brasil tem feito esse esforço? A ausência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em Davos frustrou um pouco as expectativas aqui...

Milton Maluhy: O ministro tem as suas prioridades, sua agenda. Evidentemente, num evento como este existe sempre a expectativa de um encontro com a delegação brasileira. Acho que o governo está bem representado e a iniciativa privada veio em peso. Falar do País não é uma responsabilidade exclusiva do ministro, mas de todos nós. E se ele, por qualquer razão, teve um conflito de agenda e não pôde estar, acho que é nosso papel representá-lo à altura e falar do País ao mercado e para os investidores. A história a ser contada é positiva, tem elementos muito fortes e desafios também que se colocam aí para frente.

Quais são os principais desafios?

Milton Maluhy: A grande tônica é a questão fiscal. Existe uma preocupação enorme do ministro da Fazenda e do governo em relação a ter um arcabouço e buscar os seus objetivos. Mas, o gasto continua crescendo, talvez em um ritmo mais acelerado do que poderia. Pelas nossas projeções, a relação dívida/PIB do Brasil seguirá aumentando três pontos porcentuais por ano, com um nível de taxa de juros ainda elevado. E isso realmente é um ponto de atenção. Por isso, essa disciplina com o orçamento, com o fiscal é muito importante.

E a implementação da reforma tributária?

Milton Maluhy: Tão importante quanto uma reforma fiscal é uma carga tributária adequada para que as empresas possam investir e crescer. A reforma tributária é o marco de uma vitória do País, mas a simplificação terá uma transição longa. A gente tem que lutar e falar cada vez mais sobre ganho de produtividade, crescimento do PIB. Essa tem que ser a tônica dos debates. Como é que a gente atrai investimento privado, que é 20 vezes maior do que o público, como criar condições para que as empresas invistam no Brasil, gerem emprego, renda e riqueza? Essa é a melhor equação possível para resolver as questões de desigualdade, de crescimento sustentável, para a questão fiscal do País porque o crescimento tem que ser a tônica do debate. A gente sempre corre o risco de sobretributar a economia, e esse é um tema que tem de estar no radar o tempo todo.

Por quê?

Milton Maluhy: Porque você pode até fechar a conta no ano com uma sobretributação. No curto prazo, você mostra contas melhores, mas, no fim do dia, acaba hipotecando o futuro, na medida em que você não cria condições para que o investimento e o crescimento aconteçam no longo prazo. Então, esse é um ponto de atenção. O indicador que mede a capacidade do banco é o índice de eficiência, que é uma relação de custo-receita. No banco, o meu orçamento também é limitado. Independentemente do resultado, a gente precisa trabalhar com o orçamento e escolher bem as prioridades. Essa é a responsabilidade do País, de toda empresa, para que a gente tenha uma equação de custo-receita adequada.

Qual o limite de piora fiscal que o mercado aceita?

Milton Maluhy: O mercado vai acompanhar alguns eventos neste ano. A nossa expectativa é um déficit de 0,8%. Isso depende muito da lista de itens em debate no Congresso. Toda essa discussão de desoneração da folha, de combustíveis, de como começar a tributar novamente, enfim, tem a reforma da renda que vai ser discutida. É super importante ter em perspectiva que a gente precisa tomar decisões olhando o longo prazo. É importante fechar as contas. O mercado vai olhar o número do ano, mas as perspectivas e as projeções têm que ser críveis. O mercado precisa comprar.

Poderíamos estar com condições melhores sem o ruído fiscal?

Milton Maluhy: A gente não vê um estresse no mercado quando olha para o Brasil. O câmbio está a R$ 4,90 e não deve ir a R$ 6,00. A taxa de juros está numa trajetória de queda, mas onde é que o câmbio poderia estar se a questão fiscal não fosse um tema em discussão? E se o câmbio fosse mais baixo, onde é que estaria a inflação e, por consequência, a capacidade de redução de juros? O câmbio poderia estar em um patamar mais baixo se não fosse a questão da trajetória da dívida. Isso permitiria que os cortes pudessem acontecer de uma forma mais forte e sustentável no longo prazo para que a gente não tenha que voltar a ter aumentos de juros.

Fonte: Broadcast Agro.