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14/Dec/2023

Entrevista com Roberto Azevêdo – ex-diretor da OMC

Nos sete anos em que esteve à frente da Organização Mundial do Comércio (OMC), entre 2013 e 2020, Roberto Azevêdo percebeu que, sozinho, o setor público será incapaz de lidar com a urgência das mudanças climáticas. A economia real terá papel fundamental nesse processo: "A agenda de transição para a economia verde vai demandar investimentos da ordem de trilhões de dólares", afirma. Depois de três anos como executivo na PepsiCo., o diplomata agora chega ao mercado financeiro para dar corpo aos esforços pela sustentabilidade. Azevêdo aceitou o convite do ex-presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Gustavo Montezano e se tornou sócio sênior da YvY Capital, uma gestora que busca canalizar recursos para a transição. Mas, Azevêdo sabe que esse processo enfrenta desafios em um momento em que o comércio global se fragmenta e dificulta o trabalho de instituições multilaterais, inclusive a que ele comandou. "A OMC precisa ser reformada", defende. Segue a entrevista:

O que te motivou a deixar a PepsiCo. e se juntar à YvY Capital?

Roberto Azevêdo: Quando sai da OMC, eu tinha uma única certeza: não queria trabalhar no governo. Já tinha muitos anos de setor público e queria mudar. Eu podia ter ido, por exemplo, para um escritório de advocacia - muitos haviam me procurado. Mas eu gostei do projeto da PepsiCo. porque estaria criando um setor que não existia, que era o de assuntos corporativos. Boa parte desse setor era de sustentabilidade, que na OMC eu já via a agenda internacional se movendo. Na PepsiCo., verifiquei como, em um setor privado, essa questão é muito forte, porque todo mundo está querendo ficar na frente da curva, observando como os marcos regulatórios estão chegando e que é preciso se antecipar a eles. Boa parte do meu projeto era nessa linha, de adaptar a empresa para este mundo. Foram três anos lá, mas no final eu senti que minha missão estava cumprida. Então, comecei a pensar em outras oportunidades. Fiquei tantos anos no governo, mas queria aproveitar o restante da minha vida útil tendo o máximo de experiências diferentes. O meu ambiente natural é o internacional e eu queria continuar na área de sustentabilidade.

Como a YvY entrou nesse processo?

Roberto Azevêdo: Foi aí que fiquei sabendo do projeto do Montezano. Eu já o conhecia e fiquei com uma excelente impressão sobre a maneira ágil como ele via as coisas criativas. O projeto me interessou muito, por continuar trabalhando com a sustentabilidade, mas na área financeira em que eu nunca estive dentro. Então, eu liguei para ele para conversamos e vermos se seria um bom casamento, e rapidamente vi que era onde eu queria estar. Quando soube do restante da equipe, percebi que eram todos de altíssima qualidade.

Qual é o propósito da YvY?

Roberto Azevêdo: A agenda de transição para a economia verde vai demandar investimentos da ordem de trilhões de dólares, para cumprirmos efetivamente as metas do Acordo de Paris. Essa jornada vai precisar de movimentação e melhor alocação de recursos, direcionando as atividades produtivas para uma pegada menor de carbono. Os governos não vão ter condição de fazer isso sozinho, porque não têm dinheiro público suficiente para a transição. Então, será preciso desenhar um marco regulatório e políticas públicas que incentivem a economia real a mudar para dar esse novo direcionamento às suas atividades. A YvY se propõe justamente a isso: como arejamos, fertilizamos a economia real de uma maneira que leve justamente a essa transição. Nossa percepção é de que esse é um setor muito subinvestido.

E como esse processo pode ser concretizado?

Roberto Azevêdo: Nossa tese não é de pensar que estamos em um mundo ideal em que as pessoas, de repente, vão se imbuir do espírito de melhorar o clima. Na verdade, esse processo é uma jornada de décadas. Neste mundo real em que vivemos, cuja ação tem que acontecer agora, o que podemos fazer para ajudar não um setor altamente poluente a se transformar em um setor limpo e verde, mas trazê-lo do preto para o marrom, depois para o azul - é caminhar para um verde. Queremos ajudar a economia real a se movimentar na direção de uma economia mais limpa. A única forma de se fazer isso é atraindo investidores e, para isso, é preciso remunerar os investimentos.

Em que tipo de empresas vocês pretendem investir?

Roberto Azevêdo: Já temos contatos com muitas empresas, sobre as quais ainda não posso falar. Estamos selecionando as empresas vencedoras, ou seja, as que já se sustentam, são eficientes e rentáveis em negócios que transitam para a economia verde. São aquelas que não precisam de tecnologia, mas de um incentivo para aumentar a escala de produção. Queremos estabelecer parcerias no downstream, isto é, na sequência da cadeia de valor. Queremos ser minoritários, porque são empresas já com boa governança. Não seremos investidores que entregam dinheiro e, daqui a cinco anos, buscam recuperar o investimento. Vamos estar do lado da empresa participando o mais próximo possível para ajudá-las a trilhar esse caminho. Estamos em uma primeira fase, porque nós temos três meses de vida.

Qual é o papel da regulação nesse movimento? Como você tem enxergado as tendências regulatórias?

Roberto Azevêdo: Essa é uma área em que agrego bastante valor, pela minha experiência em antecipar tendências de um marco regulatório que vem evoluindo. Posso ajudar a trilhar e mapear os caminhos dos nossos investimentos, porque estamos falando de uma nova economia mundial, em busca de uma pegada de carbono para cumprir as metas do Acordo de Paris. Para que isso aconteça, serão necessários investimentos da ordem de vários trilhões de dólares, e os governos e bancos internacionais não terão dinheiro para bancar isso. Isso significa que a economia real vai fazer a transição por meio de estímulos, que também podem vir a ser punições para quem não estiver cumprindo. Esses incentivos e condições vêm através dos regulamentos. Idealmente, essas políticas públicas viriam um marco internacional, mas ele não existe. As instituições que poderiam eventualmente dar esse tipo de orientação não conseguem, porque não foram criadas para isso. Na ausência desse marco internacional, os governos têm que atuar, porque não dá para esperar 10, 15 anos. O problema é cada um ir para um lado, os Estados Unidos para um, a China para outro. Se isso acontece, você tem uma fragmentação das políticas em que, muitas vezes, para se cumprir as exigências de um mercado, os agentes se inviabilizam em outro. É fundamental que haja uma conversa entre os países para minimizar esse risco de deterioração do ambiente internacional.

Como fomentar essa conversa sem que a questão ambiental se torne um subterfúgio para mais protecionismo?

Roberto Azevêdo: O protecionismo raramente vem de forma aberta. Normalmente, vem disfarçado. É uma consequência de pressões políticas dos setores que querem se proteger para sobreviverem. Esses setores atuam, dentro de seus mercados, para instigar políticos a tomarem ações que os protejam. Isso é muito fácil de vicejar quando acompanhado do manto da legitimidade, que pode vir de várias formas. A defesa do clima e da sustentabilidade é um dos fatores que trazem esse manto. Precisamos ficar atentos para evitar isso.

Como fazer isso em um ambiente no qual a fragmentação global dificulta consensos? A própria OMC está paralisada desde 2019, quando o governo do então presidente americano, Donald Trump, bloqueou a indicação de juízes para o órgão de apelações. Muito se dizia que a eleição de Joe Biden mudaria isso, mas a instituição segue travada...

Roberto Azevêdo: Essa foi uma ilusão que eu nunca tive. Sempre falava sobre a importância de se reformar o mecanismo de solução de controvérsias da OMC. Era preciso ouvir as queixas legitimas dos americanos, nem tudo o que eles falavam eram absurdos, mas tinha muita coisa que eu não concordava. Trump apenas puxou o gatilho de uma arma que estava engatilhada pelos americanos há vários anos.

Independentemente do partido que está no poder nos EUA?

Roberto Azevêdo: Eu trabalhei com democratas e republicanos ao longo da minha carreira. E se tinha uma coisa em política externa que era suprapartidária nos Estados Unidos era a reclamação sobre o mecanismo de solução e controvérsias da OMC. Por isso, eu dizia que as coisas não mudariam com democratas no poder. Isso quer dizer que o mecanismo nunca voltará a operar? Não. Eu acho que ele pode voltar a operar, mas seguramente não será dá forma como era antes. Algum tipo de ajuste e aprimoramento terá que ser feito. Acho que essa ficha já está caindo, de que o que nós tínhamos antes não sobreviverá às turbulências.

Que tipo de reforma é mais urgente para a OMC?

Roberto Azevêdo: A OMC tem que voltar a operar e entregar resultados, entregar acordos, discutir coisas importantes que tenham consequências. Por exemplo, toda essa agenda climática ambiental precisa ser discutida, porque está ocorrendo uma fragmentação em que cada um toma uma direção diferente. Não estou dizendo que a atual diretora-geral (Ngozi Okonjo-Iweala) não esteja fazendo nada, tenho certeza de que sim, mas os membros têm que cooperar - e muitos membros não querem ou preferem outros fóruns que não seja a OMC.

O senhor é confiante de que a OMC exercerá um papel relevante no futuro?

Roberto Azevêdo: Não existe a possibilidade de um mundo sem a OMC. Ela pode estar mais ou menos operacional, mas simplesmente abrir mão do organismo seria uma decisão equivocada. Talvez ela possa ser menos operacional até que volte a ter conjunção de fatores políticos necessários para o seu funcionamento. Aliás, foi uma coisa que eu tive a oportunidade de falar com Trump, que era muito crítico à OMC. Em Davos, no primeiro encontro que tivemos, ele criticou muito a OMC e disse que ela permitia que outros países atuassem para violá-la - talvez uma referência à China. E eu disse a ele: você não está me contanto nenhuma novidade, claro que a OMC precisa ser reformada. Mas essa reforma não vai acontecer sem os EUA.

E o Brasil tem papel nisso?

Roberto Azevêdo: Não tenho a menor dúvida. O Brasil sempre foi um ator central nas discussões da OMC, não só pelo seu tamanho, mas também pela capacidade de seu quadro diplomático, que é de primeira qualidade e reconhecido internacionalmente. É um quadro capaz de construir pontes e ir além de apenas dizer. A minha eleição para diretor-geral foi uma representação disso. Temos que tomar cuidado para não perder essa imagem que conquistamos.

Fonte: Broadcast Agro.