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07/Dec/2023

Mercosul-UE enfrenta má vontade de ambos os lados

A diplomacia até tentou, mas a recusa do governo peronista da Argentina de assumir compromissos e a desistência de uma Comissão Europeia de participar de um encontro no Rio de Janeiro nesta semana, às vésperas da cúpula do Mercosul, mostram um esfriamento na disposição dos governantes de fechar o acordo birregional. Lideranças de ambos os lados tentam responsabilizar uns aos outros pelo malogro, acusando má vontade. E ambos estão certos: há má vontade de ambos os lados. Os pontos mais contenciosos são a pretensão dos sul-americanos de manter prerrogativas em relação a compras governamentais e a dos europeus de estabelecer exigências ambientais. Nada insuperável, se houvesse vontade política. O acordo já previa exceções em relação às compras governamentais e prazos graduais de adaptação. O anexo sobre sustentabilidade apresentado pelos europeus é um detalhamento de regras já aprovadas, mas não prevê, como se temia, sanções a descumprimentos de metas ambientais.

Até o ano passado, governos europeus refratários ao acordo tinham um formidável pretexto para barrá-lo: o antiambientalismo de Jair Bolsonaro. Sem essa carta, o presidente francês, Emmanuel Macron, foi obrigado a abrir mão da hipocrisia e admitir que é contra o acordo, porque não sabe como explicá-lo “a um agricultor, um produtor de aço, a um fabricante de cimento”. O que ele não sabe é como justificar a sua recusa sem admitir sua motivação: protecionismo. O presidente Lula aproveitou a deixa para terceirizar responsabilidades e ainda jogar para seu pessoal apelando à vitimização terceiro-mundista: “Os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais. E nós não somos mais colonizados”. Na verdade, os europeus já fizeram concessões em relação às compras governamentais. Outras poderiam ser negociadas em instrumentos anexos, sem reabrir o acordo. Mas Lula tem seus próprios interesses, não necessariamente condizentes com o interesse nacional.

O chanceler Celso Amorim minimizou a relevância do acordo: “Aqueles poucos setores que vão ter alguma vantagem acham que tem que ter o acordo”. Mas não são poucos setores. Para o agro, as vantagens são evidentes. Mas também para indústria é favorável. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) asseverou que o acordo é crucial para a reindustrialização. Se o acordo ficou quase 20 anos parado, foi em parte por má vontade das administrações do PT. Quando Lula alega proteger a indústria contrariando a própria indústria, fica claro que o interesse é outro: proteger políticas corporativistas e clientelistas. O acordo dificilmente será fechado neste ano, e as eleições europeias no ano que vem trazem mais dificuldades. Mas isso não significa que ele esteja “enterrado”, como alegam alas “desenvolvimentistas” do governo, sem disfarçar sua torcida. Os europeus estão divididos. Potências como a Alemanha são favoráveis. No Brasil, os setores produtivos precisam se fazer ouvir.

A vitória da Javier Milei deixa uma pergunta em aberto: quem governará a Argentina a partir de 10 de dezembro? O radical que vociferou contra parceiros estratégicos ou o presidente eleito que dá sinais de moderação e acomoda a direita tradicional nos ministérios? Essa será uma questão fundamental para o Mercosul, que se reúne esta semana no Rio de Janeiro, às vésperas da posse em Buenos Aires. Hoje, a transição de Alberto Fernández para Javier Milei é tida como principal entrave para a conclusão do acordo comercial com a União Europeia, que era esperado para esta quinta-feira (07/12), quando o Brasil entregará a presidência rotativa do bloco ao Paraguai. Analistas apontam que a questão Argentina vai além do acordo. O bloco criado em 1991 sempre dependeu de um alinhamento entre Brasil e Argentina nos temas econômicos e, em menor grau, também geopolíticos, o que tem ficado mais difícil nos últimos anos tanto pela instabilidade políticas das democracias quanto pela ascensão da extrema direita em momentos distintos da história recente dos dois países, argumenta a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O alinhamento que houve entre petistas e peronistas ou entre Mauricio Macri e Michel Temer e, posteriormente, Jair Bolsonaro, deu lugar ao afastamento quando Alberto Fernández assumiu o governo argentino em 2019. A retomada veio com a troca de governo no Brasil. Lula é próximo de Fernández e escolheu Buenos Aires como primeiro destino do seu tour diplomático. A partir deste domingo (10/12), mais uma vez, os vizinhos terão sinais trocados. É possível, portanto, que o Mercosul se enfraqueça diante dessa mudança de governo na Argentina. Milei já se posicionou contra o projeto de integração regional defendido por Lula. Mesmo que a realidade econômica obrigue Milei a manter-se no bloco e a preservar boas relações com o Brasil, administrar o Mercosul será um grande desafio daqui em diante. Evitar que "cada país siga o seu próprio caminho" vai exigir esforço do Brasil e o acordo com a União Europeia poderia dar sobrevida ao bloco.

Lula disse que vai insistir na negociação, mas a conclusão durante a Cúpula é descartada nos bastidores já que, depois da Argentina afirmar que é preciso esperar o novo governo, os europeus cancelaram a reunião presencial considerada decisiva para aparar as arestas. O mais provável é que os dois lados divulguem uma declaração conjunta, destacando os avanços conquistados nas últimas semanas. A percepção é de que eles foram significativos e que o acordo está muito perto; falta apenas o aval da Argentina, que é esperado dentro do governo. Após questionar a própria existência do Mercosul, Milei já disse por meio da futura chanceler que tem interesse no livre comércio com a União Europeia. Analistas e fontes do governo apontam que o Mercosul é importante para economia dos seus países-membros e a Argentina não deve descartá-lo especialmente no momento de crise, com a inflação anual acima dos 140%.

Segundo o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), há poucos dividendos para ganhar em intensificar a crítica e vários benefícios de moderar a linguagem e procurar uma acomodação. O ponto é que o grau de incerteza permanece alto na Argentina à espera do novo governo, eleito com a promessa de ruptura. E ainda que o novo governo siga o caminho do pragmatismo e, de fato, decida assinar o acordo, resta saber quando. Os grandes defensores do negócio, como Brasil e Espanha, expressam otimismo: "há janelas de oportunidade para chegar a uma conclusão bem-sucedida, inclusive antes de 31 de dezembro, e continuamos esperançosos", disse uma fonte do governo espanhol. Mas, o fato é que essa "janela de oportunidade" tende a se fechar no ano que vem à medida em que as eleições do Parlamento Europeu se aproximam. Por isso, o tempo que o novo governo argentino vai levar para decidir importa. Além disso, mesmo que essa expectativa de uma Argentina amigável ao Mercosul se cumpra, a posse de Javier Milei pode alterar o balanço de forças entre os sul-americanos.

O Uruguai tem cobrado mais abertura dentro do bloco e o novo governo na Argentina pode se juntar ao coro. Milei quer imprimir essa ideia de liberalização ao governo. E o Mercosul hoje é um mercado comum, mas que, na prática, funciona como união aduaneira. Então é impossível fazer acordos bilaterais que não sejam em bloco porque a tarifa externa tem que ser única. Milei junto com Lacalle Pou podem ser grandes forças nesse sentido de cobrança por liberdade dentro do bloco. Nesse contexto, o Mercosul busca destravar a pauta de negociações em resposta às pressões internas. Durante a Cúpula no Rio de Janeiro, deve ser anunciado o acordo de livre comércio com Singapura, o primeiro com um país fora do bloco em 12 anos. Para analistas, o acordo é parte do esforço brasileiro para mostrar que essa integração pode trazer resultados. Isso ainda que o acordo com a União Europeia permaneça no papel.

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, buscou reforçar que as negociações para um acordo entre o Mercosul e a União Europeia permanecem avançando positivamente, e que a Cúpula do bloco sul-americano resultará em acordos concretos, embora o esperado desfecho com os europeus tenha sido adiado. Em discurso durante a reunião de Cúpula do Mercosul nesta quarta (06/12), no Rio de Janeiro, Alckmin frisou que houve avanços importantes nas negociações do Mercosul com a União Europeia, e que os compromissos já firmados caminham para um entendimento equilibrado no futuro próximo. Ele destacou os compromissos de ambos os lados em prol de um entendimento equilibrado no futuro próximo e a partir das bases sólidas que foram construídas nos últimos meses de engajamento intenso.

No discurso, durante a reunião do Conselho do Mercado Comum, que incluiu ministros e representantes de órgãos do Mercosul, Alckmin buscou frisar que a Cúpula resultará em acordos concretos, mencionando a assinatura do Acordo de Livre Comércio com Singapura, a expansão do bloco com a adesão da Bolívia e a assinatura de memorandos de entendimento com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e com a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Sob o governo do presidente Lula, o Mercosul está crescendo e se reafirmando no cenário internacional. O Congresso brasileiro acaba de aprovar a entrada da Bolívia ao bloco, o que permitirá mais comércio, mais investimento e mais desenvolvimento conjunto, ressaltou Alckmin. Ele afirmou que a integração não se faz apenas com grandes gestos e grandes acordos. Em um momento de aparente fragmentação das relações internacionais, o caminho da integração continua a ser relevante. O caminho da integração pode dar resultados concretos.

Segundo Alckmin, a reunião dos países do bloco por si só indica a crença de que é possível aprofundar sua integração. É possível trabalhar para expandir o comércio e investimentos. Ele disse que a integração se faz, também, "no dia a dia, com avanços pontuais, que destravam barreiras e criam oportunidades. O vice-presidente reiterou a importância do bloco para o Brasil, ao dizer que seus países, juntos, representam o quarto parceiro comercial do País. Os parceiros do Brasil no bloco são essenciais no projeto de neoindustrialização. Mas, ponderou que o comércio intrabloco do Mercosul representa apenas 10% do seu comércio total, percentual bem inferior ao de outros blocos como União Europeia (60%) e Asean (25%). Em tom de recado aos pares da Cúpula, Alckmin afirmou que, tão importante quanto baixar tarifas e harmonizar padrões e sistemas é prover meios físicos para trocas comerciais. Sobre isso, afirmou que é preciso avançar em infraestruturas como rodovias, hidrovias, ferrovias, portos e aeroportos, além de intercâmbio energético e escoamento das produções. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.